O ano de 2021 não foi fácil pra ninguém. E isso inclui, é claro, o Cinema Brasileiro. Uma temporada que ficará marcada pela pandemia do Covid-19, com salas de exibição fechadas durante diversos meses e uma recuperação, ainda tímida, somente durante o segundo semestre, também resultou em uma verdadeira enxurrada de títulos represados, que deveriam ter sido lançados em 2020 e, por causa da falta de condições sanitárias, acabaram sendo literalmente despejados no circuito comercial, tanto nos cinemas como nas plataformas de streaming. Por outro lado, significou também uma variedade de histórias e propostas interessante, inclusive na hora de apontarmos os melhores: ao invés de apenas 10, chegamos a 11 longas, graças a um inesperado, porém simpático, empate. Na seleção abaixo, organizada a partir das preferências da equipe do Papo de Cinema, temos apenas uma obra dirigida por uma diretora. Por outro lado, há no mínimo três filmes coproduzidos com agentes internacionais, o que serve para sinalizar o alcance da nossa produção. Há também os que foram exibidos nos festivais de Berlim e Veneza, premiados em Gramado e Brasília, com personagens históricos e ficcionais, documentário e experimentalismos que ressaltam a criatividade dos nossos realizadores. Dito isso, vamos conferir do melhores deste ano que está chegando ao fim.
10. O Empregado e o Patrão, de Manolo Nieto, e Ana. Sem Título, de Lúcia Murat
Os empatados na décima posição foram os melhores do ano para os editores Bruno Carmelo (O Empregado e o Patrão) e Marcelo Müller (Ana. Sem Título). O primeiro afirma que o longa de Manolo Nieto, uma coprodução com Uruguai, Argentina e França, falada em espanhol, “é um filme de alma democrática que questiona o princípio da igualdade: como dizer que os protagonistas ‘nascem livres e iguais em dignidade e direitos’, se a catástrofe mais universal de todas (a morte de um ente querido) aprofunda os abismos entre os dois?”. Já o segundo observa que o drama documental de Lúcia Murat “é uma ode às artistas, daquelas que por meio da criação remaram/remam contra marés de regimes opressores às que fizeram/fazem dos próprios corpos um manifesto de resistência”. Duas obras que não poderiam ser mais distintas entre si, mas que ambas, cada uma a seu modo, abordam questões urgentes que não podem ser ignoradas.
09. Helen, de André Meirelles Collazzo
No longa de estreia de André Meirelles Collazzo, a personagem-título é uma menina criada pela avó, papel da grande Marcélia Cartaxo, uma das maiores atrizes do audiovisual brasileiro que, felizmente, tem vivido um período de redescoberta, por parte do público e da crítica, do seu imenso talento. Este é o seu primeiro filme após a consagração em Pacarrete (2019), e ela logo poderá ser vista no ainda inédito A Praia do Fim do Mundo (2021). Em cada um desses três trabalhos, a atriz oferece construções absolutamente distintas. E se antes ou depois transitou por extremos, aqui oferece uma mulher absolutamente comum, que luta para sobreviver dia após dia, ao mesmo tempo em que tenta oferecer o melhor à neta, ainda que dentro das suas limitadas condições. Sobre o filme, Bruno Carmelo escreveu que “em sua fina orquestração de relações humanas, o diretor cria um mosaico maduro e comovente, sem forçar uma lágrima sequer do espectador”. Algo aparentemente simples, mas feito com impressionante esmero e segurança.
08. Um Animal Amarelo, de Felipe Bragança
Coprodução entre Brasil e Portugal filmada em três continentes, o quinto longa de Felipe Bragança foi um dos grandes vencedores do Festival de Gramado (Melhor Atriz, Direção de Arte, Roteiro, Prêmio da Crítica e Menção Honrosa de Atuação Masculina), além de ter circulado pelas seleções de Roterdã e Istanbul, entre outras. Combinando o alegórico com o factível, o diretor cria uma fábula internacional a respeito da intimidade com a língua portuguesa e a história pessoal de cada um, ressaltando diferenças e semelhanças. Nesse sentido, o crítico Marcelo Müller aponta que o resultado “é poroso, evita prender-se a lógicas cartesianas nesse processo de organização do mundo a partir dos estilhaços de um passado lancinante. Assim, cria camadas entre o fato consumado e a representação, atribuindo às fontes narrativas um papel indiscutivelmente importante. Tudo é farsa, verdade e inventado nesse filme arrojado que evita interditar o elo entre imaginação e fabulação”.
07. Vento Seco, de Daniel Nolasco
Após ter sua primeira exibição mundial no Festival de Berlim, o drama de Daniel Nolasco ganhou uma aura de polêmica e transgressão que só aumentou a curiosidade dos espectadores brasileiros. Selecionado para concorrer ao Prêmio Teddy na Berlinale – reconhecimento aos melhores filmes de temática LGBTQIA+ – percorreu na sequência diversos eventos similares ao redor do mundo, como Guadalajara e San Sebastian, entre outros. Por aqui, chegou antes no Olhar de Cinema, em Curitiba, e depois seguiu gerando debate e discussões acaloradas por onde era exibido. “Este é um filme de amor e de amizades. Estamos falando de pessoas que se amam, e para quem o sexo constitui uma parte natural do afeto. Oferece uma visão comovente sobre os amores no centro do país, sobre essa gente “seca”, como afirma um personagem, buscando nos corpos uma forma de comunhão, escapatória e de felicidade”, analisou o crítico Bruno Carmelo.
06. Piedade, de Claudio Assis
Atrasos, interrupções das filmagens, problemas de saúde e outros tantos empecilhos foram se acumulando até chegar ao ponto de alguns duvidarem se algum momento esse filme, de fato, seria lançado. Felizmente, tudo foi superado e Claudio Assis conseguiu, enfim, estrear seu quinto longa-metragem – por muitos, apontado como o mais íntimo e pessoal do realizador pernambucano. Exibido com sucesso nos festivais de Brasília (vencedor dos candangos de Melhor Ator Coadjuvante, Direção de Arte e Prêmio Especial do Júri) e de Los Angeles (premiado como Melhor Ator, Atriz, Ator Coadjuvante, Atriz Coadjuvante e Trilha Sonora), comoveu espectadores de norte a sul com sua história de reencontros familiares, perdões tardios e imbróglios amorosos. Segundo nosso editor-chefe Robledo Milani, “o diretor cria uma delicada e impressionante rede humana para falar de problemas muito urgentes, sem nunca esquecer, no entanto, que o que rege cada (re)ação é o afeto entre essas pessoas. Ou, ainda mais, a falta dele”.
05. Raia 4, de Emiliano Cunha
Exibido com sucesso no Festival de Gramado de 2019, de onde saiu com o kikito de Melhor Filme pelo Júri da Crítica (além de Melhor Fotografia), o longa de estreia do cineasta gaúcho Emiliano Cunha foi mais um dos tantos afetados pela pandemia. Previsto para chegar aos cinemas em meados de 2020, conseguiu ser lançado comercialmente com mais de um ano de atraso. Tamanha demora não foi suficiente – felizmente – para diminuir o impacto provocado por essa história de amizades adolescentes e disputas esportivas, tão atreladas ao amadurecimento pessoal quanto a vitória numa piscina de competição. Dono de um final “absolutamente surpreendente”, como aponta o crítico Marcelo Müller, o filme é engenhoso nesse desfecho “sobretudo porque a premeditação é muito bem encoberta. Esse ponto final abrupto, inesperado, permite o surgimento de diversas leituras, num movimento propício para o conjunto permanecer por um tempo reverberando com o espectador”, conclui.
04. 7 Prisioneiros, de Alex Moratto
Os nomes dos bastidores talvez impressionem ainda mais do que aqueles à frente das câmeras – que, de forma alguma, podem ser desconsiderados. Afinal, estamos falando aqui do segundo longa dirigido por Alex Moratto, realizador que pelo seu trabalho anterior – o potente Sócrates (2018) – fora indicado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e premiado no prestigioso Film Independent Spirit Awards, nos Estados Unidos, na categoria “Someone to Watch”, ou seja, “alguém a quem se deve prestar atenção com cuidado”. Além disso, entre os produtores estão Fernando Meirelles – diretor do icônico Cidade de Deus (2002) – e Ramin Bahrani, roteirista indicado ao Oscar por O Tigre Branco (2021). Com um forte elenco liderado por Christian Malheiros e o nosso internacional Rodrigo Santoro, tem-se aqui um filme que “traça tragédias pessoais em meio ao acurado e sintético diagnóstico de uma realidade social incômoda. Felizmente, não trata as constatações como rótulos, preferindo estreitar o olhar às contradições humanas, bem como às complexidades individuais e coletivas que não se prestam a julgamentos morais”, reflete o crítico Marcelo Müller.
03. Deserto Particular, de Aly Muritiba
Premiado no Festival de Veneza, eis aqui nada menos do que o escolhido para representar oficialmente o Brasil na cerimônia do Oscar 2022! Tudo bem que ainda não foi dessa vez (acabou ficando de fora da shortlist dos 15 pré-finalistas), mas essa é uma questão que fala mais sobre os votantes da Academia de Hollywood do que a respeito do nosso selecionado. Afinal, o longa de Aly Muritiba é uma belíssima história de amor às avessas, sobre desencontros e aprendizados urgentes em uma sociedade cada vez mais polarizada. Grande vencedor do Cine PE (premiado com os calungas de Melhor Filme, Trilha Sonora, Prêmio da Crítica, Ator, Atriz Coadjuvante e Ator Coadjuvante), além de troféus conquistados em eventos distantes, como Huelva (Espanha) e Merlinka (Sérvia), é uma obra que “oferece às figuras marginais um olhar hétero e cis, pleno de carinho e respeito (…) que permite que a jornada física permeie a jornada emocional, num fluxo vertiginoso de imagens e sons. A ambientação intoxicante, no melhor sentido possível, vale a experiência de um filme que se abre ao mundo lá fora, sem tentar falar em seu nome”, escreveu o crítico Bruno Carmelo.
02. A Última Floresta, de Luiz Bolognesi
Depois da ficção (roteirista de sucessos como Bicho de Sete Cabeças, 2000) e da animação (dirigiu o épico Uma História de Amor e Fúria, 2013), Luiz Bolognesi abraçou de vez o documentário preocupado em advogar a causa indígena. Assim, primeiro veio Ex-Pajé (2018), e agora segue com esse discurso através de um longa premiado no Festival de Berlim e exibido em outros tantos eventos do gênero ao redor do mundo, dos Estados Unidos à Espanha, do México ao Canadá, do Peru à Coreia do Sul. Bruno Carmelo, em sua análise a respeito, afirma que esta é uma obra que “nos permite descobrir uma concepção de mundo diferente da nossa, através de um olhar atencioso e respeitoso. (…) Defende uma reflexão pelas formas, ultrapassando em muito a simples disposição da câmera em registrar o real, como fariam as reportagens de televisão e os documentários apressados. O cinema pensa o mundo enquanto o descobre, o constrói e o veicula, sem se tornar refém dele, nem se impor ao mesmo. Este gesto de equivalência constitui a qualidade mais notável do belíssimo filme”.
01. Marighella, de Wagner Moura
O filme que restaurou a fé do espectador brasileiro no cinema nacional. Exibido pela primeira vez no Festival de Berlim de 2019, na Alemanha, teve seu lançamento comercial no Brasil anunciado – e posteriormente cancelado – diversas vezes ao longo destes três anos. Acusações de censura por parte do governo federal, dificuldades de acesso às plataformas de exibição e a pandemia provocada pelo Covid-19 tornaram o cenário ainda mais instável. Por mais de um momento, pensou-se que talvez o longa de estreia de Wagner Moura atrás das câmeras nunca chegaria a ganhar a luz do dia. Felizmente, tal prognóstico revelou-se equivocado, e o longa não apenas estreou, como também foi recebido com entusiasmo pelo público, que lotou salas, mais de uma vez possibilitando registros de sessões inteiras oferecendo aplausos comoventes ao término das projeções. A respeito, o crítico Marcelo Müller apontou que esta é uma obra que “abre estratégicos espaços à identificação das divergências entre os revolucionários tratados pela imprensa conivente como bárbaros terroristas. Existe o espaço às controvérsias. O diretor cobre uma vasta gama de personagens e situações, demarcando bem as suas opiniões sobre tudo aquilo, porém sem descuidar da complexidade de um momento histórico que não pode ser reduzido a enunciados”.
LISTAS INDIVIDUAIS DA EQUIPE DO PAPO DE CINEMA
Robledo Milani, editor-chefe
- Piedade
- Depois a Louca sou Eu
- Marighella
- A Última Floresta
- Deserto Particular
- Madalena
- Vento Seco
- Raia 4
- Helen
- Selvagem
- Bob Cuspe: Nós Não Gostamos de Gente
- Como Hackear seu Chefe
- 7 Prisioneiros
- Alvorada
- A Torre
- Cabras da Peste
- O Novelo
- Acqua Movie
- Os Salafrarios
- Noites de Alface
Bruno Carmelo, editor SP
- O Empregado e o Patrão
- Vento Seco
- King Kong en Asunción
- A Noite do Fogo
- A Última Floresta
- Helen
- Cavalo
- Aleluia: O Canto Infinito do Tincoã
- Cabeça de Nêgo
- Chico Ventana Também Queria Ter um Submarino
- Deserto Particular
- A Torre
- Um Animal Amarelo
- Marighella
- Bob Cuspe: Nós Não Gostamos de Gente
- Zimba
- Meu Nome é Bagdá
- Currais
- Encarcerados
- Atravessa a Vida
Marcelo Müller, editor RJ
- Ana. Sem Título
- Antena da Raça
- Deserto Particular
- Um Animal Amarelo
- 7 Prisioneiros
- Currais
- Piedade
- Marighella
- A Última Floresta
- Raia 4
- Limiar
- Homem Onça
- Callado
- O Cemitério das Almas Perdidas
- Selvagem
- Galeria Futuro
- Ressaca
- Como Hackear seu Chefe
- Libelu: Abaixo a Ditadura
- Cabras da Peste
Victor Hugo Furtado, redator
- 7 Prisioneiros
- Marighella
- Pelé
- O Último Jogo
- O Auto da Boa Mentira
- Curral
- Te Prego Lá Fora
- Raia 4
- Alvorada
- Anna
- Acqua Movie
- Entre Nós, Um Segredo
- Cabras da Peste
- Os Salafrarios
- L.O.C.A.
- Um Crime em Comum
- Homem Onça
- Um Animal Amarelo
- Mangueira em 2 Tempos
- Cine Marrocos
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