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Sinopse

Buscapé é um jovem pobre, negro e muito sensível, que cresce em um universo de muita violência. Ele vive na Cidade de Deus, favela carioca conhecida por ser um dos locais mais violentos da cidade. Amedrontado com a possibilidade de se tornar um bandido, o rapaz acaba sendo salvo de seu destino por causa de seu talento como fotógrafo, o qual permite que siga carreira na profissão. É através de seu olhar atrás da câmera que analisa o dia-a-dia da favela onde vive.

Crítica

Cinema brasileiro é sempre a mesma coisa”, é o que ouvimos invariavelmente. Esse preconceito que existe contra a produção cinematográfica nacional já foi abordado diversas vezes, e se percebe que ele existe muito mais por desconhecimento do público do que por uma análise mais severa por parte da crítica. Afinal, por mais cego que se queira permanecer frente às fortes mudanças que estão acontecendo, existem alguns episódios que, felizmente, não podem ser ignorados. E Cidade de Deus é um desses casos.

Cidade de Deus foi um fenômeno de público e crítica. Mesmo assim, gerou muitas polêmicas. A adaptação do romance homônimo do escritor Paulo Lins, no qual por cerca de 400 páginas discorrem inúmeros personagens, causos e relatos, seguiu o feliz caminho de escolher uma dessas histórias – a de Buscapé (Alexandre Rodrigues), o menino que, apesar de crescer no meio de tanta violência, decide ser honesto e tentar a carreira de fotógrafo, uma paixão que vêm desde a infância – como fio condutor de todas as outras. Assim, obtém-se mais do que um amplo panorama, mas sim uma trajetória de emoção, realidade e dor. Buscapé mora na Cidade de Deus, uma das maiores favelas do Rio de Janeiro. E ali começa o filme, remetendo-nos ao início do conjunto, nos anos 60, vindo até os dias de hoje.

Dos tempos de criança, quando assaltar um caminhão de gás domiciliar era um feito memorável, até o nosso cotidiano atual, com o tráfico de drogas agindo de forma generalizada por todo o país, muitas foram as mudanças. E o maior mérito de Cidade de Deus é não se fazer de rogado diante de uma verdade tão certa quanto dolorida. O que é mostrado na tela grande é algo que vemos todos os dias nos jornais e revistas nacionais, mas que fazemos questão de ignorar, como se isso pertencesse a um outro mundo que não o nosso. A diferença agora é que, ao entrar no mundo de Cidade de Deus, somos jogados no meio de um turbilhão de vida, de morte, de sonhos, de decepções. Como se fôssemos todos espectadores privilegiados de um acontecimentos terrível, mas sem que esse mereça qualquer status especial – afinal, ali não há nada de excepcional, estamos diante o corriqueiro, e isso não merece celebração.

Comparável a clássicos do cinema internacional, como Pulp Fiction (1994), Os Bons Companheiros (1989) e até mesmo O Poderoso Chefão (1972), Cidade de Deus é um retrato honesto e preciso do caos em que se encontra a sociedade brasileira. Porém, está longe de se parecer com um documentário enfadonho – não, muito pelo contrário. A sintonia revelada entre o gosto do público, a agilidade publicitária da edição e o caráter pop dos diálogos poderiam indicar até mesmo uma valorização demasiada da estética em detrimento do assunto abordado, mas essa é uma falsa expectativa que também não se confirma. O tratamento dado ao assunto é tão consciente e duro quanto o próprio requisita, agindo com respeito diante dos retratados e com o público, que agradece a deferência.

Cidade de Deus mostra, de modo cru e feroz, o que acontece aos homens quando a única lei que resta é a da caça e do predador. O instinto pela sobrevivência é o grito que fala mais alto dentro da favela, é só vivem aqueles que aprenderam, às duras penas, quais trilhas devem ser seguidas. Não nos confrontamos com uma espetacularização da violência, mas sim presenciamos um ajuste de contas entre excluídos, membros renegados de uma sociedade que cada dia fecha mais suas portas. Sem didatismo ou discursos vazios, o diretor Fernando Meirelles nos trouxe uma visão única no cenário atual, que provoca, deslumbra, choca e incomoda. Consegue juntar espetáculo para as massas com uma mensagem, com um sentido. Sabe se comunicar de maneira exemplar, e por isso merece todo o retorno que têm tido – como as quatro indicações ao Oscar (inclusive a Melhor Direção), um feito inédito e histórico para o cinema brasileiro. Aos que menosprezam tais feitos, nada resta senão ficarem dentro de suas cavernas observando sombras. Enquanto isso, a vida continua acontecendo, e os que aqui estão que desempenhem nobremente essa tarefa de transformá-la, seja por palavras, atos ou imagens.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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