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Sinopse

Clóvis reencontra a irmã, que não via há muito tempo, em meio à fuga da polícia. Ele aplicou um golpe em empresários, se tornando um fugitivo. Agora, os irmãos precisarão superar as diferenças para se safar.

Crítica

O Brasil tem uma vasta tradição quanto às comédias cinematográficas que pegam emprestados elementos de outros meios para atingir popularidade. As chanchadas, por exemplo, absorveram com excelência os fundamentos do teatro de revista e das atrações radiofônicas, assim exatamente assimilando componentes de linguagens pré-aprovadas. E isso foi reproduzido ao longo das décadas, vide o sucesso enorme dos filmes dos Trapalhões que ganharam carona nos excelentes números de audiência que o quarteto tinha na televisão. Os Salafrários parte dessa tática antiga de aproveitar tipos e modelos narrativos testados previamente fora do cinema para tentar construir algo no âmbito cinematográfico. Os protagonistas, Marcus Majella e Samantha Schmütz, são figurinhas carimbadas dos programas humorísticos de ampla aceitação. A estrutura episódica alude aos esquetes de atrações longevas como Zorra Total e similares. O resultado, porém, leva pouco em consideração uma imperativa necessidade de adaptação, desse modo basicamente realocando as fórmulas.

Tendo como premissa que cinema o é imagem, antes de qualquer coisa, Os Salafrários apresenta o mesmo desleixo de algumas produções recentes, de intenções, teores e tons parecidos. Boa parte da trajetória de Clóvis (Majella) é apresentada numa dinâmica em que a narração em off serve menos para auxiliar o que está sendo mostrado, mais como um dispositivo para reafirmar exata e estritamente o que estamos vendo. Depois da funcional regressão à sua conturbada ciranda familiar – cujos efeitos na personalidade do sujeito são praticamente nulos, pois pouco explorados adiante –, o texto frequentemente corrobora o que a câmera enquadra. Por exemplo, quando esse trambiqueiro de marca maior leva um contragolpe e tem todo seu dinheiro surrupiado, a narração não se contenta em esclarecer quem fez aquilo, chegando ao cúmulo de “informar” que o dinheiro foi furtado, no momento em que o personagem abre o esvaziado esconderijo da bufunfa. O cineasta Pedro Antônio repete essa operação com frequência, o que instaura uma redundância.

O humor que orienta Os Salafrários é escrachado, com a predominância de coisas supostamente “perdoáveis” desde que os segmentos sejam engraçados, bem como uma profusão de exageros. Quando Clóvis se determina a dar um "perdido" para deixar de pagar a conta numa confeitaria, prevalece um excesso que obviamente tenta esgarçar os limites da realidade para gerar graça. No entanto, é tudo tão histriônico que o efeito cômico se perde rapidamente. A entrada em cena da personagem de Samantha Schmütz poderia oferecer uma espécie de contraponto, pois, ao contrário do irmão adotivo, ela tenta ganhar a vida honestamente. Mas não. O que une os protagonistas desse filme é justamente o fato de ambos aparentemente estarem no fundo do poço, sem ninguém a quem recorrer, senão o resquício de família. É evidente que o andamento do enredo pressupõe a uma conciliação depois de quase 90 minutos de rusgas e desentendimentos, mas até o cumprimento desse protocolo, o atendimento desse lugar-comum, é feito ao ponto de pouco importar o vínculo afetivo deles.

Os Salafrários é um acúmulo de episódios em que Clóvis ensina a irmã a praticar golpes, todos explicados até a execução detalhada também visualmente se assemelhar a uma repetição sem qualquer novidade. Os movimentos são telegrafados, as viradas não são surpreendentes como poderiam ser e o resultado parece mais um veículo para dois humoristas de reconhecido valor e talento reproduzirem nos cinemas o que fazem com excelência na televisão e nos teatros. Então, não se trata somente da construção narrativa ficar subordinada à celebridade dos atores principais, mas dela reutilizar nos cinemas os critérios que funcionam muito melhor em meios distintos. Um pouco mais de comedimento em certas passagens provavelmente beneficiaria até mesmo quando Majella e Schmütz aproximam as circunstâncias do absurdo para provocar engajamento. Portanto, a manutenção do filme sempre num "volume ensurdecedor" impede a existência efetiva de uma modulação. Não se trata de um conjunto feito de boas tiradas bem dispostas e organizadas, mas de uma tentativa (não bem-sucedida) de ser hilário a cada diálogo, num esqueleto parecido como o dos humorísticos de quadros curtos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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