Crítica


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Sinopse

O percurso tão improvável quanto extraordinário do homem que se tornou um empresário poderoso, mesmo tendo como ponto de partida as origens humildes e a colocação como empregado de uma casa de chá.

Crítica

Em meio a crianças semianalfabetas, um menino se destaca lendo as palavras, em inglês, escritas no quadro negro de uma escola periférica indiana. Prontamente, o instrutor o aponta como excepcional, equiparando-o em raridade ao nascimento bissexto dos tigres brancos. Curiosamente, Balram (Adarsh Gourav, excelente) não vence na vida por ser diferente, mas em virtude da compreensão gradual do funcionamento do capitalismo do qual é vítima e da utilização das armas de opressão. O Tigre Branco não almeja desenhar uma visão complexa do sistema de tradições e castas da Índia, se aproximando mais de ser um conto moral cínico, orientado pela voz do sujeito que “conta” sua história ao primeiro-ministro da China. Assim, possibilita um diálogo imaginário entre o comunismo chinês e a democracia ali vigente, regimes que não se resolvem integralmente nos seus conceitos básicos, pois subvertidos pelas oscilações dos agentes. A trama é vista quase integralmente em flashbacks. No presente, o protagonista é um bem-sucedido (e rico) empresário que espantou a pobreza.

É importante ter em vista que o tom do filme respeita a visão do personagem. O quê e como vemos são condicionados pelo prisma de Balram. Então, situações que parecem levemente exageradas, provavelmente o são, pois advém dessa perspectiva específica que, como qualquer outra, é passível de moldar fatos para eles caberem numa forma de ler e interpretar o mundo. Esse rapaz que redige o e-mail ao premier chinês fala do começo difícil na aldeia em que viveu sob o jugo da avó, depois que o pai morreu mais de negligência estatal do que necessariamente de tuberculose. Desde cedo, foi ensinado a respeitar silenciosamente a lógica do servilismo e, mais ainda, a desejar (como forma de alcançar alguma respeitabilidade de acordo com as restrições de sua linhagem) a posição de servidão. Empenhado em chegar a esse lugar subalterno admirado por aqueles que se resignam diante da configuração social violentamente estratificada da Índia, coloca na cabeça que será motorista do filho do malfeitor que extorque impunemente os moradores como um miliciano.

O Tigre Branco mostra, então, um trajeto de corrupção que se oferece a Balram como solução para ascensão na coletividade dividida entre tradições e modernidade. Seu patrão, Ashok (Rajkummar Rao), é signatário dessa dicotomia. Educado nos Estados Unidos, ao retornar para seu país natal, submete-se rapidamente ao escroque “funcionamento das coisas”. Já sua esposa, Pinky (Priyanka Chopra), tem um pensamento bem mais progressista, embora não se furte de apresentar o comportamento irresponsável vedados aos pobres e facilitado aos ricos. Ainda que não substancie as contradições de um modo intenso, o cineasta Ramin Bahrani faz do casal uma porta de entrada ao protagonista, sobretudo ao entendimento (ou seria à dúvida?) entre o prazer por servir e a raiva pela necessidade de desempenhar um papel que a linhagem lhe impôs. O motorista testemunha o universo das grandes negociatas, dos políticos recebendo suborno para não acabar com discrepâncias beneficiárias dos abastados, de maneira crescente sendo levado a acumular frustração e ódio.

Orgulhoso de seus feitos, de ter chegado aonde nenhum outro de sua casta de doceiros chegou, Balram conta feitos ao estrangeiro como se apresentasse a ele uma carta de intenções de união agressiva do Oriente contra o Ocidente. Ramin Bahrani, cineasta norte-americano de ascendência iraniana, que vinha soterrado em projetos que não lhe permitiram imprimir personalidade, aqui concilia entretenimento e uma visão amarga da contemporaneidade. Diretor de filmes muito críticos e sensíveis, tais como Man Push Cart (2005) e Chop Shop (2007) – além de um dos produtores do brasileiro Sócrates (2018) –, ele constrói uma fábula que flerta com o realismo (ou seria, essencialmente, o contrário?) em que não defende ou critica o pensamento do protagonista, apenas permite que tenhamos contato com esse homem ciente de erros e acertos, mas cansado de sorrir e obedecer, ao ponto de entender o crime como via aceitável de mudança. Apesar de simplificar demais certas conjunturas, o realizador utiliza bem arquétipos e outros modelos em prol da deflagração da brutal insurreição que pode decorrer de séculos de opressão, uma ruptura da casca de civilidade que separa ricos e miseráveis.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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