Neste 19 de junho, Dia do Cinema Brasileiro, a redação do Papo de Cinema decidiu se lançar num exercício tão prazeroso quanto difícil: determinar os 21 melhores longas-metragens brasileiros do século XXI, ou seja, os melhores projetos lançados comercialmente desde 2001. Cada membro da equipe elaborou, a duras penas, sua lista de trinta títulos preferidos, que foram combinados para determinar os favoritos do site. O resultado demonstra a variedade de épocas e estilos, desde os dramas clássicos aos filmes iconoclastas, da animação às fusões entre documentário e ficção.

Karim Aïnouz, Kleber Mendonça Filho e Eduardo Coutinho foram citados mais de uma vez dentro da lista que inclui obras de duas mulheres veteranas (Laís Bodanzky e Anna Muylaert). Em paralelo, novos talentos do cinema contemporâneo (Adirley Queirós, Fernando Coimbra, Affonso Uchôa, João Dumans) tiveram seus trabalhos reconhecidos. Concorda com os nossos filmes preferidos?

 

21º Madame Satã (2002), de Karim Aïnouz

Karim Aïnouz é líder absoluto em menções na lista: são três filmes entre os 21 preferidos da redação, além de três outros títulos citados que não entraram na lista final. Madame Satã tornou o diretor conhecido no Brasil e no resto do mundo, além de confirmar o imenso talento de Lázaro Ramos no papel-título do personagem histórico que enfrentava o racismo e a homofobia no Rio de Janeiro dos anos 1930.

Madame Satã busca sustento nessa natureza geniosa do protagonista vivido por Lázaro Ramos. O ator baiano dá intensidade à personalidade que flertou com a criminalidade em seus 76 anos de vida. Desorientado por uma incapacidade de aquietar-se, fruto de uma configuração social amplamente desfavorável, João Francisco alterna instantes de cólera e afetuosidade”. Leia na íntegra a crítica de Marcelo Müller.

 

20º Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro (2010), de José Padilha

Um dos títulos controversos da lista é Tropa de Elite 2. Enquanto conquistava um recorde de bilheteria para a época, despertava intensos debates sobre o ponto de vista da direção: o filme defenderia as atitudes violentas do Capitão Nascimento (Wagner Moura)? Ou faria uma bela crônica das relações promíscuas entre Estado, política e mídia?

“É a constante luta quase solitária do homem contra o gigantismo do sistema, seja ele qual for. Por isso Nascimento é visto por parte do público como o herói que se ergue contra o que há de podre no reino da terra brasilis”. Leia na íntegra a crítica de Marcelo Müller.

 

19º Santiago (2007), de João Moreira Salles

O diretor sempre demonstrou carinho e distanciamento ao fazer crônicas sobre sua família, inserindo a posição economicamente privilegiada dentro de um contexto mais amplo. No belo documentário, ele se dedica à vida de Santiago Badariotti Merlo, mordomo da família Moreira Salles durante 30 anos. Que relações se constroem entre empregados e empregadores nestas circunstâncias?

“O resultado é arrebatador. [João Moreira Salles] aproveita-se do fazer cinematográfico para discutir servilismo, cultura, sociedade e até mesmo política, mas sempre através de um viés contemplativo, mais no campo das idéias do que da prática”. Leia na íntegra a crítica de Robledo Milani.

 

18º O Lobo Atrás da Porta (2013), de Fernando Coimbra

Um raro suspense entre os títulos selecionados, este projeto serviu para lançar o diretor Fernando Coimbra entre os nomes mais promissores da nova geração. Apropriando-se da história real da “Fera da Penha”, ele coloca Leandra Leal contra Milhem Cortaz, ambos em estado de graça, numa fábula violenta sobre machismo, miséria social e impunidade.

O Lobo Atrás da Porta conquista a atenção do espectador ao deixá-lo em constante interrogativa […].  O surpreendente clímax reitera a principal qualidade do filme: a coragem pouco comum para concluir uma história por caminhos pouco convencionais, porém muito mais tortuosos”. Leia na íntegra a crítica de Conrado Heoli.

 

17º Temporada (2018), de André Novais Oliveira

Os belos longas-metragens da produtora Filmes de Plástico estão representados nesta seleção pelo drama estrelado por Grace Passô. Ela interpreta uma inspetora de saúde pública, cujo trabalho consiste em entrar na casa das pessoas e detectar possíveis focos de dengue. Enquanto desempenha o serviço com pouco entusiasmo, espera a chegada do marido, vindo de outra cidade, e esconde um segredo no passado. O imenso talento do cineasta se reflete nas cenas cotidianas e num humanismo ímpar.

“A câmera não tem uma proposta a ser perseguida, não vem com agenda pronta e nem possui uma tese a qual se exija uma comprovação. Ela, pelo contrário, está ali apenas para acompanhar essa jornada de transformação de uma mulher prestes a refazer sua história”. Leia na íntegra a crítica de Robledo Milani.

 

16º Amarelo Manga (2002), de Cláudio Assis

O cinema pulsional de Cláudio Assis, movido por sexo, sangue e morte, está bem representado por esta coletânea de histórias que se cruzam: o sujeito religioso e conservador que mantém uma amante, o jovem homossexual apaixonado por um açougueiro, um homem obcecado pela dona do bar. Leona Cavalli, Dira Paes, Chico Diaz e Matheus Nachtergaele são alguns dos nomes que brilham no elenco.

“O cenário de Amarelo Manga é uma Recife que não está nos circuitos de turistas. É o lado podre, sujo, fedido e ardente, latejante e colorido. É uma cidade que poderia estar em qualquer lugar do mundo, mas que foi retratada como só alguém que a conhece bem poderia idealizar”. Leia na íntegra a crítica de Robledo Milani.

 

15º Serras da Desordem (2006), de Andrea Tonacci

Este projeto gerou surpresa e admiração quando foi lançado nos cinemas. O diretor, afeito às lutas humanitárias, decidiu investigar o massacre dos índios Awá-Guawá durante mais de dez anos, recorrendo a reencenações e às imagens em primeira pessoa. Tonacci ensinou Carapirú, seu protagonista, a manusear a câmera de modo a retratar sua vivência sem o filtro do homem branco.

“Presentes no enredo, ação e observação alteram-se como dois grandes fios condutores para a composição desse bonito percurso de retorno à casa. Dominado por um caráter humano, o filme tem o poder de permitir a reflexão sem se tornar um mártir da causa”. Leia na íntegra a crítica de Willian Silveira.

 

14º Branco Sai, Preto Fica (2014), de Adirley Queirós

A curiosa frase que justifica o título vem de um caso real: durante uma batida policial num baile popular dos anos 1980, as forças da ordem exigiram que os brancos saíssem do local para atacarem exclusivamente os frequentadores negros. O racismo estrutural é criticado pela mistura de fatos e ficção distópica, incluindo um personagem vindo do futuro para comentar a situação.

“O espectador dedicado perceberá que o avanço de Branco Sai, Preto Fica se dá como um deslizamento, em que as camadas vão se completando, ora por sincronia, ora por subversão, ironia ou hipérbole. Do momento em que bonitas fotos do baile são mostradas em tela, apertando o realismo do filme, passamos para o investigador do futuro”. Leia na íntegra a crítica de Willian Silveira.

 

13º Como Nossos Pais (2017), de Laís Bodanzky

Em meio a tantos filmes brutais, é um prazer encontrar o naturalismo afetuoso de Laís Bodanzky na seleção. A diretora se dedica ao retrato de três gerações de uma família contemporânea, confrontando-se entre problemas matrimoniais, incompreensões entre mães e filhas e segredos no passado. A diretora demonstra as falhas e as conquistas de um núcleo progressista dentro de um Brasil em transformação.

Como Nossos Pais toca em pontos universais, com os quais todos nos deparamos ao longo da vida. A tensão geracional estabelecida entre Rosa e Clarisse é tão bem construída que se transforma numa espécie de linha-mestra”. Leia na íntegra a crítica de Marcelo Müller.

 

12º A Vida Invisível (2019), de Karim Aïnouz

O mais recente entre os filmes do top 21 é este drama recompensado com o prêmio máximo da mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes. Carol Duarte e Júlia Stockler interpretam duas irmãs muito diferentes no Rio de Janeiro dos anos 1940. A vida acaba afastando as duas, que passam anos tentando se reencontrar. Fernanda Montenegro faz uma aparição curta, porém comovente neste “melodrama tropical”, como definiram os criadores.

“Uma obra madura, feita por um diretor que abraça vigorosamente as possibilidades do gênero melodrama para discorrer sobre a invisibilidade das mulheres num tecido social que acolhe e respeita praticamente tudo do macho”. Leia na íntegra a crítica de Marcelo Müller.

 

11º Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo (2009), de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz

Este é um dos projetos mais singulares do cinema brasileiro recente, porque as imagens nasceram antes da ideia do filme. Gomes e Aïnouz reuniram muitas horas de materiais captados ao longo de diversos anos, de maneira informal e despretensiosa, imaginando então a saga de um geólogo obrigado a passar muito tempo na estrada enquanto sofre com a distância da mulher que ama.

“Dois fatos são importantes durante o desenrolar do discurso: o fato de nunca vermos o rosto do condutor – não temos ideia dos seus olhos, das suas expressões, do seu linguajar corporal – e de só ouvirmos o que ele nos conta, sem presenciar suas interações com outros personagens. Temos que acreditar no que nos é dito, ou o princípio estará na própria desconfiança do espectador?”. Leia na íntegra a crítica de Robledo Milani.

 

10º O Menino e o Mundo (2013), de Alê Abreu

A única animação da lista representa muitíssimo bem todo o gênero. Trabalhando com um estilo único de desenho, cores e movimentos, o cineasta apresenta a trama de um garotinho que abandona a vida no campo e vai atrás do pai, que partiu para a cidade grande e nunca mais voltou. A desigualdade social, o abandono e a ditadura militar são retratados através de uma linguagem lúdica, e por isso mesmo, ainda mais forte.

“Uma obra que fala com as crianças das mais diversas idades, e se emociona e envolve com muita competência os pequenos, irá encantar e surpreender os adultos que decidirem se aventurar por este mundo colorido, mágico e revelador, mas também cruel e verdadeiro”. Leia na íntegra a crítica de Robledo Milani.

 

O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho

O primeiro longa-metragem de ficção do diretor já traz as bases que viriam a constituir seu estilo pessoal: o naturalismo das falas e das atuações combinando-se com o prazer evidente pelo cinema fantástico e de terror. A bela mistura ajuda a tecer um complexo discurso político, no caso, a respeito das tensões entre classes sociais no Recife contemporâneo.

“O Som ao Redor passa ao largo do mero impacto, até por que não se restringe formalmente ao contraponto social. Então não espere algo como ‘ricos versus pobres’, pois a observação dos desníveis dessa natureza apenas sublinha a construção, não a definindo inteiramente”. Leia na íntegra a crítica de Marcelo Müller.

 

Edifício Master (2002), de Eduardo Coutinho

Um dos maiores mestres do documentário brasileiro, Coutinho se consagrou pela abordagem humanista, conversando com anônimos das cidades e do campo, colocando-se em cena para compartilhar histórias pessoais. Neste filme, ele convive com os moradores de um edifício no Rio de Janeiro, descobrindo seus sonhos, remorsos e desejos.

“Por mais que o tema seja direto e objetivo […], o resultado é tão superior a qualquer uma das expectativas envolvidas que é praticamente impossível não se deixar levar por essa imensa avalanche de sentimentos e humanismo contidos em depoimentos tão sinceros e, por que não dizer, inesperados”. Leia na íntegra a crítica de Robledo Milani.

 

Arábia (2017), de Affonso Uchôa e João Dumans

O diário de um operário falecido permite a um adolescente traçar o percurso de um sujeito invisível, e no entanto repleto de sonhos e desejos. Aristides de Souza interpreta um metalúrgico solitário, obrigado a alternar entre empregos precários e alimentar relacionamentos amorosos frágeis ao longo da vida, enquanto percorre as estradas e cidades de Minas Gerais.

“O que torna Arábia uma produção singular dentro da nossa recente cinematografia é a interseção entre o íntimo e o social, a fertilidade do produto dessa equação resolvida de forma absolutamente sensível e terna”. Leia na íntegra a crítica de Marcelo Müller.

 

Que Horas Ela Volta? (2015), de Anna Muylaert

Não mexe no sorvete do Fabinho! Com doses generosas de drama e comédia, este projeto escancarou de modo claro, porém complexo, os abismos que separam os patrões dos empregados, e os filhos dos ricos dos filhos dos pobres. Regina Casé comprovou o grande talento para as artes dramáticas, que o cinema não aproveitava há anos, enquanto a diretora conseguiu a façanha de construir um “filme do meio”, projeto capaz de agradar em igual medida aos críticos e ao público médio.

“Destoando da preferência estética da maioria do cinema brasileiro, Que Horas Ela Volta? procura – e encontra – um registro realista complexo, composto da mescla de um discurso polido e a procura por uma simbologia própria, como na filmografia da diretora argentina Lucrecia Martel – que faz ecoar a tensão de O Pântano (2001) em cada cena da piscina”. Leia na íntegra a crítica de Willian Silveira.

 

Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda

Em plena ditadura militar, um grupo de artistas subversivos trata de preservar tudo o que o regime conservador censura: a liberdade dos corpos, o prazer, as artes, o profano. Quando o líder da trupe (Irandhir Santos) se apaixona por um jovem recruta (Jesuíta Barbosa) e tenta trazê-lo para o seu mundo, duas versões do Brasil entram em choque.

“Com referências à segunda fase do Cinema Novo e a produções pernambucanas em super 8, assistimos a um filme eufórico, de camadas que remetem à arte brasileira explodindo na tela, seja pelo espetáculo apresentado pelo coletivo ou ainda pela paixão com que Lacerda explora sua mise-en-scène”. Leia na íntegra a crítica de Renato Cabral.

 

Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho

Para além do belo drama em tela, este filme se tornou também um símbolo fora das salas de cinema. Com esta metáfora do capitalismo tentando devorar as artes e os indivíduos, o diretor construiu um discurso potente contra a ascensão da extrema-direita no país. Por este motivo, Aquarius foi adorado por alguns espectadores e detestado por outros antes mesmo de ser visto. Em cena, Sônia Braga brilha no papel de uma crítica de arte resistindo às pressões empresariais no Recife.

Aquarius dispara certeiramente em várias direções, tanto às sociais quanto às íntimas. Faz uma análise contundente acerca dos efeitos colaterais dos ditames do mercado, arrolando, ainda que timidamente, religião e jornalismo como cúmplices dessa realidade”. Leia na íntegra a crítica de Marcelo Müller.

 

Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles

Esta foi sem dúvida a escolha mais controversa entre os editores e redatores do Papo de Cinema. Enquanto três membros da redação colocam o filme no topo de suas listas, dois outros sequer o mencionam entre os 30 melhores preferidos. Na somatória, sobe no pódio com um honroso terceiro lugar pela maneira como o diretor representou, entre os códigos da fábula e do cinema de ação, a vida dos moradores da favela carioca.

“Ao entrar no mundo de Cidade de Deus, somos jogados no meio de um turbilhão de vida, de morte, de sonhos, de decepções. Como se fôssemos todos espectadores privilegiados de um acontecimento terrível, mas sem que esse mereça qualquer status especial – afinal, ali não há nada de excepcional, estamos diante o corriqueiro”. Leia na íntegra a crítica de Robledo Milani.

 

Lavoura Arcaica (2001), de Luiz Fernando Carvalho

O título mais antigo da lista constitui uma difícil adaptação literária, na qual o cineasta, adepto de desafios do gênero, busca transmitir a sensualidade e a prosa rebuscada de Raduan Nassar. Selton Mello interpreta o filho que abandona a família, devido às pressões do pai autoritário. Anos mais tarde, concede aos apelos da mãe e retorna, apenas para se descobrir apaixonado pela irmã mais nova (Simone Spoladore).

O diretor cria uma narrativa de tempo cíclico, onde as poesias visuais importam mais do que o jogo de causas e consequências. Ao final, o filme exigente de quase três horas de duração conquistou um sucesso considerável em circuito limitado, demonstrando o talento do cineasta à frente dos longas-metragens. Não por acaso, neste momento Carvalho se dedica a outra adaptação de um livro inadaptável: A Paixão Segundo G.H., de Clarice Linspector.

 

Jogo de Cena (2007), de Eduardo Coutinho

No topo do ranking se encontra um projeto instigante, divertido e híbrido entre ficção e documentário. Coutinho brinca ao mesmo tempo com a linguagem do cinema e com a manipulação do espectador: enquanto testemunhamos os relatos comoventes de Fernanda Torres, Marília Pêra, Andréa Beltrão e diversas mulheres anônimas, nos perguntamos quais histórias são reais e quais foram criadas para o propósito da ficção.

“Se há uma conclusão que pode ser obtida em Jogo de Cena é que a realidade é muito mais absurda do que a ficção. Uma precisa se fazer valer dentro de parâmetros pré-estabelecidos, para que o público acredite. […] Eduardo Coutinho tem plena noção destas fronteiras”. Leia na íntegra a crítica de Robledo Milani.

 

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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