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Sinopse

Dois homens cujas histórias são afetadas por uma noite de ação violenta da polícia racista num baile black. Um visitante do futuro vem tentar encontrar provas para denunciar o Estado e amenizar a opressão no futuro.

Crítica

A relação do brasileiro com o seu espaço urbano segue uma ordem política desde cedo. Seja pela ausência do Estado, como em muitas cidades do interior em que a estrutura básica é dada à sorte, seja pela presença forçada, como na construção de Brasília, em que a capital, produto racional da arquitetura moderna, está longe de se ver legitimada por quem a usa. No cinema, a contundência do assunto se tornou evidente com o reconhecimento em larga escala de O Som ao Redor (2012), em que Recife se torna refém da verticalização e da especulação imobiliária. Intrigante, Branco Sai, Preto Fica continua a temática, mas pressiona os limites da narrativa em um projeto extremamente ousado.

O título é a palavra de ordem dita por um policial ao entrar em um baile de música black, nos anos 1980. O que encontraremos em tela será o resultado deste momento, um trabalho que alterna entre o documentário (a abordar o acontecimento) e a ficção, na medida em que este complementa aquele, e aquele ganha sentido diante da evolução deste. No plano documental, temos o cotidiano de dois sobreviventes do acontecimento, um de cadeira de rodas e outro com a perna amputada. No ficcional, um agente do futuro é enviado para juntar provas do ocorrido a fim de processar o Estado. Na transição entre os dois momentos, o roteiro de Adirley Queirós encontra espaço para fundir os gêneros a fim de criar uma situação pseudo-meta-real (a hifenização fica por motivos de clareza), em que os dois personagens habitam uma cidade politicamente marginalizada, cuja entrada e saída é controlada através de um passaporte.

Em todo caso, dar conta de explicar o enredo – que cedo ou tarde ficará claro ao espectador – é menos importante do que chamar atenção para o trabalho do diretor em relação à construção e disposição da forma cinematográfica. Se houvesse uma segunda oportunidade de assistir ao filme, talvez a melhor posição seria a de voyeur do público enquanto o longa é projetado. Tal é a especulação narrativa proposta pelo filme de Queirós que as reações são como o ricochetear de uma bala, em que você pode ser atingido antes ou depois, desde que permaneça no espaço do seu alcance. O espectador dedicado perceberá que o avanço de Branco Sai, Preto Fica se dá como um deslizamento, em que as camadas vão se completando, ora por sincronia, ora por subversão, ironia ou hipérbole. Do momento em que bonitas fotos do baile são mostradas em tela, apertando o realismo do filme, passamos para o investigador do futuro trepidando em sua missão – que os mais pessimistas diriam impossível – ou para a barganha de documentos, em que o auxílio para gravar uma música pode servir como caminho ao direito de ir e vir – aqui meramente suposto como direito.

A inventividade de Queirós é reedificante. Os caminhos pelos quais procura trilhar o seu cinema são mais difíceis, em muitos sentidos, porque mais arejados. Como alérgico ao conforto, Branco Sai, Preto Fica desvia de uma ou outra falha em que incorre – como ao passar por períodos de pouca dinâmica e fôlego – para assumir uma posição rara dentro de qualquer cinematografia – a de farol.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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