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Sinopse

Juliana está se mudando de Itaúna, no interior do estado, para a periferia de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, para trabalhar no combate a endemias na região. Em sua nova atividade, conhece pessoas e vive situações pouco usuais que começam a mudar sua vida. Ao mesmo tempo, enfrenta as dificuldades no relacionamento com o marido, que também está prestes a se mudar para a cidade grande.

Crítica

Juliana recém chegou, mas já sabe o que fazer: assumir o cargo para o qual foi chamada após ter sido aprovada em um concurso público. O trabalho é importante, porém pouco reconhecido: passa a agir como agente de saúde no combate à dengue. Assim, ao lado de colegas mais experientes, leva seus dias visitando casas e residências de bairros menos favorecidos de Contagem, na periferia de Belo Horizonte. O salário é baixo, mas há a segurança do serviço público. Seria, portanto, o período de estabilização que há tanto procurava. Mas, provavelmente, não mais do que isso. Afinal, é apenas uma Temporada na vida dessa mulher, que muito deixou para trás, mas tanto mais espera conquistar logo à frente.

O diretor e roteirista André Novais Oliveira é conhecido pelos filmes quase caseiros, artesanais, nos quais o pouco que exibe tem muito a revelar. Acostumado a trabalhar entre amigos e com a família – os pais estrelaram o curta Quintal (2015), o irmão e a namorada foram premiados pelo longa Ela Volta Na Quinta (2015) – em Temporada ele não abre mão dessa rede de segurança por completo – os rostos familiares seguem presentes, porém em participações diminutas – mas toma um passo importante ao oferecer seu filme a um atriz com A maiúsculo: Grace Passô. De longa história no teatro e premiada por seu desempenho arrebatador em Praça Paris (2017), oferece aqui outra performance segura como Juliana. Ela está em praticamente 100% das cenas, e se há muito a se comemorar a respeito do olhar aqui proposto, é porque ele se direciona a ela, e a mais ninguém. É ela a força, quem leva a trama adiante e quem justifica a atenção depreendida pela audiência a uma história repleta de mínimos, que juntos compõem um cenário maior do que o imaginado num primeiro instante.

Após sair de Itaúna, onde morava com o marido e próxima às pessoas que conheceu a vida toda, Juliana vê um mundo novo se abrir diante dela ao chegar nessa cidade que até então lhe era estranha, mas que agora chama de sua. Uma prima distante lhe arruma uma casa bastante simples para alugar, e o emprego lhe toma todo o tempo disponível. Entre o convívio com os colegas e as tentativas de estabelecer contato com aqueles que ficaram para trás, começa a vislumbrar como será dali em diante. Por quê o marido não lhe atende? Onde estão suas coisas? Aquele lugar, que ela mesma chama de ‘barraco’, poderá se tornar um lar? Mais do que essas preocupações instantâneas, no entanto, começa a se abrir para algo até então inédito: a possibilidade do afeto. Aos poucos vamos descobrindo as ranhuras de sua existência prévia. É por isso que um convite para jogar Playstation, uma festinha no fim de semana ou até mesmo um passeio ao centro – que pode, inclusive, terminar com um corte de cabelo – podem ter tanto significado. É no pouco que a diferença se impõe. Afinal, para quem nunca teve nada, qualquer coisa oferecida pode representar algo inédito.

A câmera do diretor André Novais Oliveira não tem uma proposta a ser perseguida, não vem com agenda pronta e nem possui uma tese a qual se exija uma comprovação. Ela, pelo contrário, está ali apenas para acompanhar essa jornada de transformação de uma mulher prestes a refazer sua história. Ao se posicionar de forma estática, sem se aproximar, nem mesmo se afastar, mais do que o necessário, assume a responsabilidade da observação. E o que vemos através dela é essa personagem se desnudando, se revelando sem pressa, mas com uma contundência impressionante. A cena em que revela uma gravidez interrompida, por exemplo, é o retrato do nada que muito tem a dizer. Os mais desatentos poderão passar por ela de forma batida. Já os que aceitarem esse convite encontrarão ali um vislumbre de tudo o que já foi, que precisa ser refeito e a direção a se tomar a partir daquele ponto. Muito pela segurança do realizador, mas fundamentalmente por causa do talento de uma intérprete que não apenas compreende o que tem a fazer, mas também assume para si tal figura a ponto de nela mergulhar sem chance de retorno.

Temporada, portanto, é isso: o momento de dar adeus ao que não mais tem volta e de preparo para aquilo que vem a seguir. Novais até se arrisca a um passeio pelo passado, apenas para nos depararmos com indiferença e abandono. Mas e o próximo passo, qual será? Juliana chega a afirmar em determinado momento: “eu nunca tive amigos”. Essa é uma experiência que está vivendo pela primeira vez, pessoas ao seu redor com algo a lhe oferecer, sem exigir não mais do que o mesmo em troca. Está nessa empatia, no se colocar no lugar do outro, o segredo das relações que envolvem estes personagens. Partir ou ficar não tem mais tanta importância, pois o ganho está naqueles momentos, nas trocas possíveis e na configuração dessa mulher que está surgindo quase que das cinzas. Pois, como diz o ditado, nem todo passo precisa ser para frente. Às vezes, é preciso ir para trás, nem que seja para pegar o impulso necessário para seguir adiante.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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