Crítica
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Sinopse
A classe média habitante de uma rua da zona sul do Recife é protegida por uma milícia que lhe oferece segurança particular. A presença dos homens traz paz a uns, inquietude a outros. Concomitantemente, Bia precisa encontrar uma forma de lidar com os latidos estridentes do cachorro do vizinho.
Crítica
Experiente enquanto crítico de cinema, Kléber Mendonça Filho também é tarimbado na realização de filmes, pois construiu ao longo dos anos uma sólida carreira como curtametragista. São dele alguns títulos como Recife Frio (2009), no qual faz a insólita dedução de como seria a capital pernambucana caso o calor fosse subitamente trocado pelo frio mais comum aos brasileiros do Sul. Aliar sua erudição cinéfila à vontade e ao talento para produção iria, hora ou outra, desembocar na seara do longa-metragem ficcional (ele já havia dirigido o longa documental Crítico, 2008). Dessa maneira, O Som ao Redor é o debut de Kléber no formato. Vem angariando prêmios e aplausos em diversos festivais pelo mundo. Será que “perdemos” um crítico arguto e “ganhamos” um cineasta não menos interessante?
Em O Som ao Redor, há a observação do cotidiano de uma vizinhança recifense, com todas as diferenças existentes entre seus moradores. Na verdade, o foco se estreita sobre uma rua que passa a ser monitorada por determinado serviço particular de vigilância, conseqüência da necessidade de proteger-se contra a violência urbana desenfreada das cercanias e do próprio vandalismo de alguns moradores. Mesmo calcado num choque social evidenciado por alguns (e reveladores) planos aéreos que delineiam na tela os limites entre a classe média amedrontada e a vida pobre crescente no entorno dessas propriedades duramente supervisionadas, O Som ao Redor passa ao largo do mero impacto, até por que não se restringe formalmente ao contraponto social. Então não espere algo como “ricos versus pobres”, pois a observação dos desníveis dessa natureza apenas sublinha a construção, não a definindo inteiramente.
Estamos novamente diante das diversas histórias amalgamadas, tão caras ao cinema contemporâneo. A estrutura multiplot funciona em O Som ao Redor, pois Kléber não busca criar ou investigar rigorosamente seus personagens, mas registrar à sua maneira um “estado das coisas”, abstraindo qualquer significância mais tonalizada de seus tipos em prol de algo mais abrangente. É percorrendo essa corda bamba, sem perder o equilíbrio, que o filme instaura-se na deliciosa zona de risco habitada enquanto lhe convém, para logo a transpor quase com habilidade de veterano. Assim sendo, não é indicado deter-se em demasia aos núcleos encerrados em si, mas sim entendê-los como frações indivisíveis de um todo. O rapaz que cuida dos imóveis do avô, um anacrônico senhor do engenho enclausurado em suas propriedades, é tão importante ao filme quanto a mulher de cotidiano perturbado por um cachorro que late intermitentemente, afeita a cigarros de maconha e simples afazeres domésticos.
Chama a atenção o desenho sonoro de O Som ao Redor, aliás, título mais que pertinente a um filme construído muito fora do quadro, justamente por meio dos sons e ruídos de um bairro orgânico mesmo que inserido num contexto puramente cinematográfico. O uso expressivo da sonoridade mostra a pulsão da vida na rua e confere um tom acima do real ao encenado. O filme, então, fica circunscrito num espaço físico determinado, mas o transcende pelos barulhos externos infiltrados nos planos. Numa cinematografia como a nossa, pelo menos me valendo de olhar retrospectivo recente, não lembro algo empenhado dessa maneira em utilizar as sonoridades, sobretudo os ruídos, com caráter tão significativo.
O Som ao Redor é uma obra madura, impressionante tecnicamente, assim como exemplar no rigor proposto por seu diretor que, mesmo ainda tateando a identidade criadora, mescla experiências com sensibilidade. O filme é bastante pensado, mas não soa distante como muitos por aí, e isso se deve, em grande parte, à maneira como os personagens são dinamizados na trama. As referências a alguns filmes que volta e meia passeiam na tela, não apoiam o criador como se fossem muletas ou elementos de afago aos espectadores, surgindo mais como piscadelas discretas àqueles que compartilham da paixão pelo cinema. O final evoca de maneira engenhosa a tradição nordestina do coronelismo e dos jagunços vingativos que tanto povoam nosso imaginário relacionado àquela região do país. Kleber Mendonça Filho quase chega a ser brilhante em O Som ao Redor, certamente um belo cartão de vistas (como se precisasse) de alguém que ajuda a construir cinema enquanto escreve e desempenha a crítica quando filma.
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Parabéns pela crítica, acabei de assistir ao filme aqui na 36 mostra de São Paulo, realmente um ótimo filme. Abraço!
Olá Dario, tudo bem? Primeiro, obrigado pelo elogio ao meu texto, escrito na correria do Festival, e que espero tenha conseguido passar um pouco da minha empolgação com o filme. Lerei seu texto e comento por lá mesmo. Abraços
Ótima crítica, Marcelo. Fiz também uma logo após ter visto o filme em Gramado semana passada. http://cineenlavena.blogspot.com.br/2012/08/com-todos-os-tons-e-sons-ao-redor.html Grande abraço .DarioPR