Crítica


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Sinopse

Sofrendo com a falta do pai, um menino deixa sua aldeia e descobre um mundo fantástico dominado por máquinas-bichos e estranhos seres.

Crítica

O menino no mundo. O mundo de um menino. O mundo do menino. O menino diante do mundo. O mundo que existe em um menino. O menino que está mundo. O jogo de palavras é infinito, assim como são também as possíveis interpretações e leituras de O Menino e o Mundo, um dos mais belos e emocionantes trabalhos de animação já feitos no Brasil. Escrito e dirigido por Alê Abreu – também responsável pela definição do simpático traço e da montagem final – este é um filme dono de muitos méritos, os quais podem não ser revelados à contento em uma primeira impressão. É uma obra que fala com as crianças das mais diversas idades, e se emociona e envolve com muita competência os pequenos, irá encantar e surpreender os adultos que decidirem se aventurar por este mundo colorido, mágico e revelador, mas também cruel e verdadeiro.

A história de O Menino e o Mundo é aparentemente simples, da mesma forma como devem ser todos aqueles que se dirigem a um universo amplo e em constante mutação. O Menino mora num lugar que existe só em sua imaginação. Porém, como não se vive apenas da fantasia, chega o dia em que o Pai precisa sair de casa para conquistar uma vida melhor para os seus. Sozinho, tendo apenas a Mãe como companhia, a criança dá início a uma viagem por conta própria. Ele também quer explorar o mundo, descobrir coisas novas e se maravilhar com o que está a sua espera. Mas, mais do que tudo, quer ver sua família unida novamente. É a saudade que o move, assim como os anseios e a curiosidade natural de qualquer um da sua idade. E com uma mala debaixo do braço, carregado do seu bem mais precioso, partirá atrás daquele sem o qual não conseguirá viver: ele próprio.

É de deixar qualquer um de queixo caído quando, já na metade do desenrolar da trama, percebemos que nem uma única palavra foi dita até aquele momento. E assim continuará até o fim. Quer dizer, mais ou menos. Até existem um ou outro diálogo, porém num dialeto muito especial e aparentemente sem significado – na verdade, trata-se no nosso velho e conhecido português, porém dito de trás para frente. Não que o nosso Menino carregue o mundo dentro da cabeça e embaixo de uma panela – como O Menino Maluquinho – ou que se preocupe apenas com as brincadeiras infantis – como a Turma da Mônica. Ele apenas está crescendo, e neste processo irá se deparar com uma realidade que, muitas vezes, parece mais estar de cabeça para baixo. Ou literalmente ao contrário.

A falta de um texto compreensível não prejudica em nada o entendimento do filme. Aliás, o efeito é inverso. Cria-se, assim, um movimento libertador, com significados ainda mais amplos e múltiplos. No seu caminho rumo ao reencontro o Menino irá se deparar com os mais diferentes tipos, reflexos dele mesmo e também impressões de uma sociedade crítica e descartável, que desfaz dos seus sem maiores considerações. Mas se esse é o seu – o nosso, o dele, o meu – Mundo, é preciso aprender como lidar e, assim, tirar o melhor proveito. A jornada, como muito já se falou, deve valer por si só, e não apenas pelo destino final.

Premiado nos festivais de Ottawa, Havana, São Paulo e Rio de Janeiro, O Menino e o Mundo é também a comprovação do amadurecimento do gênero no Brasil. Trata-se de uma obra completamente independente e, acima de tudo, universal. Um trabalho impressionante, que em sua simplicidade guarda uma profundidade singular que permanece com o espectador até muito tempo após o término da sessão. Um filme que, a despeito de poder soar pessimista em alguns momentos, tem completo domínio do seu ritmo e aponta para uma direção alguns passos adiante, como se afirmasse: “a partir de agora é com você, Menino”. E com vocês também.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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