A iniciativa é das melhores: a realização de uma premiação que reconheça o melhor do cinema nacional. Quem seria contra uma ideia como essa? Aliás, só a favor, não é mesmo? Todo país dono de uma cinematografia de peso realiza sua cerimônia, a começar pelo Oscar (que é voltado ao cinema norte-americano, e não mundial, como muitos pensam) e passando pelo Goya (Espanha), Bafta (Inglaterra), David (Italia), Ariel (México), Condor (Argentina), César (França) e tantos outros. Então, vivas ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro! Mas após sua décima nona edição, realizada no último domingo, 11 de outubro, algumas questões voltam a rondar os (poucos) atentos não apenas aos resultados, mas ao projeto como um todo. Estará ele realmente servindo aos seus propósitos declarados? E, em caso contrário, quais os motivos de tantos desencontros, por assim dizer?
A começar, o nome já é complicado, por ser longo e de difícil colocação: “Grande Prêmio do Cinema Brasileiro”. Qual a razão de tanta pompa e circunstância? Não seria melhor chamá-lo de apenas “Grande Otelo”, que não apenas é o nome de um dos nossos maiores artistas, como também é o batismo escolhido para a estatueta distribuída aos vencedores? Enfim, que seja “a entrega do Grande Otelo”, e ponto final. Mas é aqui que mora o perigo. Quem determina essa denominação é a instituição responsável pelo evento. E essa se chama “Academia Brasileira de Cinema”. Seria ela, e seus membros, evidentemente, que precisariam ser convencidos da necessidade de qualquer mudança. Um processo lento e truncado, que nem sempre aponta para o desfecho esperado. Pois essa Academia é formada por um grupo de realizadores – veja bem, não são críticos, jornalistas, especialistas, estudiosos. São cineastas, atores, técnicos. Ou seja, colegas de trabalho. Uma vez que tudo se apoia na camaradagem, e um precisa do outro para continuar trabalhando, quem estaria disposto a comprar uma briga gratuita que poderá lhe render prejuízos pessoais no futuro?
Tendo isso em mente, é possível entender as diversas incongruências apresentadas apenas nos resultados deste ano. Os prêmios foram, em sua maioria, divididos entre Bacurau e A Vida Invisível, que foram, de fato, os dois grandes filmes brasileiros de 2019. Mas se o nosso escolhido para concorrer ao Oscar foi o segundo (o que, em tese, apontaria o nosso “melhor candidato”), como que as principais categorias do GPCB – Melhor Filme e Direção – foram para o primeiro? Muitos apostavam numa provável divisão, que acabou não acontecendo. Essa repartição, no entanto, acabou vindo na categoria de Melhor Ator, que se viu dividido entre Fabrício Boliveira, de Simonal, e Silvero Pereira, de Bacurau. Enquanto um é total protagonista, o outro aparece em menos de meia-hora de uma trama coletiva, repleta de personagens importantes, com raros protagonismos. Claro que o Lunga virou um marco cultural, um símbolo da produção. Mas não seria melhor reconhecê-lo como coadjuvante, como de fato é?
Em mais de 90 anos de Oscar – que também é um prêmio da indústria – houve apenas um empate nas categorias de atuação – Ator, Atriz, Ator Coadjuvante e Atriz Coadjuvante. Em duas décadas de GPCB, este foi o quinto caso de dois concorrentes serem premiados juntos! É muita vontade de distribuir troféu pra todo mundo. Divergências, no entanto, podem ocorrer: os dois escolhidos ficaram à frente de Marco Nanini, por Greta, que era disparado o melhor dos indicados. Mas, ao menos, estava na disputa. Agora, o que dizer na categoria feminina, em que Andrea Beltrão, por Hebe: A Estrela do Brasil, foi escolhida a melhor do ano – e ela está, de fato, excelente – sendo que a grande atuação feminina da última temporada – Grace Passô, por Temporada, vencedora do Festival de Brasília por esse desempenho – sequer foi lembrada pelos votantes, ficando de fora da lista de finalistas? Um ocaso desses só enfraquece o resultado.
Fernanda Montenegro, por A Vida Invisível, foi eleita a Melhor Atriz Coadjuvante, e disso ninguém tinha dúvida. Mas Chico Diaz, por Cine Holliúdy 2: A Chibata Sideral, merecia mesmo ganhar seu segundo Grande Otelo (fora premiado antes, também como coadjuvante, por O Contador de Histórias, 2009)? Tudo bem que o melhor coadjuvante masculino do ano estava na categoria errada – Silvero Pereira, como comentei acima – mas entre os lembrados tínhamos ainda Caco Ciocler, por Simonal, em um belo esforço de composição, e Julio Machado, por Divino Amor – que deveria ter concorrido como protagonista por A Sombra do Pai, então poderia ter levado como compensação.
Outras incongruências: o prêmio de Melhor Filme pelo Júri Popular foi decidido pelo voto na internet entre os quinze concorrentes nas categorias de Melhor Longa de Ficção, Melhor Longa Documentário e Melhor Longa de Comédia (?!?). A pergunta que fica é: por quê os indicados a Melhor Longa Infantil e Melhor Longa de Animação ficaram de fora dessa disputa? Afinal, não são “melhores filmes” em suas categorias também? Agora, surpresa mesmo foi a eleição de Eu Sou Mais Eu, um fracasso de crítica e de público que levou pouco mais de 100 mil espectadores aos cinemas. Como esse título pode ter sido mais bem votado do que concorrentes como Minha Mãe é uma Peça 3, que teve uma audiência de mais de 10 milhões de espectadores, ou mesmo Bacurau, com mais de 800 mil espectadores – e premiado como Melhor Filme pelo júri oficial? Não teria sido resultado apenas da influência da protagonista de Eu Sou Mais Eu, a youtuber e influencer Kéfera Buchmann? Ou seja, se dependeu mais da campanha de um ou de outro ao invés de uma disputa equilibrada, melhor seria nem contar com essa categoria, não é mesmo?
Com tantas disparidades, o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro termina por soar irremediavelmente mais como uma ‘ação entre amigos’ do que como uma verdadeiro parâmetro de qualidade da produção nacional. Alguns acertos – Bacurau, Fernanda Montenegro, Turma da Mônica: Laços (Melhor Longa Infantil), os prêmios técnicos de A Vida Invisível – não chegam a configurar nenhum mérito, tamanha era a obviedade que os circundavam. Assim, acaba chamando muito mais atenção pelos deslizes, muitos questionáveis, outros tantos simplesmente absurdos. Somados a isso o atraso em sua realização – premiado em outubro os melhores do ano anterior é muito descaso – e toda e qualquer relevância que a premiação poderia almejar se perde no ar. O necessário seria uma renovação nos membros da Academia Brasileira de Cinema e uma organização mais séria, atenta às demandas de cada categoria e à diversidade da produção nacional, tanto étnica quanto geográfica. Assim, talvez, o nosso querido Grande Otelo consiga, quem sabe, encontrar seu rumo.
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