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Sinopse

A estrela pop Camilla vê todo o seu sucesso desaparecer misteriosamente ao voltar no tempo, mais precisamente para o ano de 2004. Agora ela precisa lidar com os dramas da adolescência, o bullying da inimiga Drica, as provas e trabalhos da escola… tudo de novo! Difícil mesmo vai ser convencer o seu melhor amigo, Cabeça, que ela veio do futuro e precisa da sua ajuda para descobrir como voltar.

Crítica

A temática da segunda chance não é necessariamente uma novidade. O cinema está repleto de histórias em que personagens ganham, seja de quem for, a possibilidade de refazer percursos e corrigir erros determinantes do passado. Em Eu Sou Mais Eu, Camilla (Kéfera Buchmann) é uma cantora de sucesso, verdadeira popstar que desde os primeiros momentos demonstra antipatia e fastio diante de admiradores, da empresaria, do namorado que constantemente faz publicidade com sua imagem de galã, enfim, da vida. Ela, portanto, não seria “merecedora” de tamanha visibilidade, pois uma pessoa nada humilde, mesquinha e que pensa somente em si, capaz de refutar chamadas telefônicas da mãe com a mesma veemência com que rechaça demonstrações de afeto vindas dos fãs. Nesse momento inicial, o longa-metragem de Pedro Amorim tenta sedimentar uma imagem de diva hiperssexualizada, algo expressado desconfortavelmente por Kéfera, intérprete que não dá conta de encarnar precisamente essa mulher fatal de sucesso e estilo comparáveis aos de Anitta e Lady Gaga.

O encontro de Camilla com Cabeça (João Côrtes), amigo das antigas, atualmente um crítico musical, traz à tona traumas da época escolar, na qual a então celebridade foi uma adolescente desajeitada, constantemente vítima de chacota. Por força de algum poder desconhecido, ela é arremessada justamente nesse período em que estava prestes a acabar o ensino médio, tendo a chance de recriar sua trajetória a fim de apagar humilhações. Apesar de seu carisma, Kéfera Buchmann não consegue estabelecer uma variação matizada entre as duas dimensões da personagem, ora apresentado trejeitos exagerados de quem era considerada pária estudantil, ora retomando a personalidade caracterizada por uma soma de excesso de confiança e mesquinhez. Eu Sou Mais Eu tenta escapar aos lugares-comuns atribuídos a esse tipo de enredo propício à instauração de lições de moral, num crescendo marcado por arrependimentos e aprendizados. Embora essa vontade seja louvável, o caminho alternativo não vinga, principalmente por conta da falta de consistência das sucessivas escolhas da protagonista. Há um problema estrutural, mais atrelado ao discurso frágil e limitador.

Diante do antagonismo de Drica (Giovanna Lancellotti), Camilla intui que conseguirá mudar o seu destino apenas se antecipar a postura arrogante do futuro. Ela, então, alisa o cabelo com o formol afanado, passando, como num passe de mágica, a atrair atenções. Essa falta de gradação no caminhar da personagem é, em parte, justificada pela experiência alocada num corpo de antes, o que geraria certas vantagens. Todavia, até a fase de adaptação à antiga e insólita realidade acontece de forma demasiadamente abrupta. As músicas se encarregam de oferecer a contextualização do primeiro quinquênio dos anos 2000, com a recorrência de Ragatanga, sucesso do grupo Rouge, hit que explodiu nas paradas de sucesso em 2002. Aqui, a canção-chiclete ganha uma simbologia especial. Ainda que intente escapar aos clichês, Eu Sou Mais Eu se vale deles, sobretudo, no que diz respeito ao crescente descarte do amigo considerado bizarro pelos colegas descolados. É ele que oferece à Camilla a possibilidade de se redimir subitamente, encaminhando um desfecho conciliatório e postiço.

Eu Sou Mais Eu é combalido exatamente por uma ausência de densidade na concepção dos personagens, bem como no que concerne às suas ações e reações. O bonito vínculo com o avô vivido por Arthur Kohl – disparado, o destaque positivo do elenco –, ensaia servir de âncora à Camilla, mas é tão subaproveitado quanto a dinâmica com as velhas desavenças que se bandeiam para seu lado tão logo a popularidade a alcança. Kéfera Buchmann acerta nos instantes em que não são necessárias nuances, quando a protagonista é marcada por atitudes descomedidas. Porém, a discrepância entre a superstar e a menina acanhada é, no mais das vezes, artificial, especialmente porque não há indícios residuais de uma na outra, o que cria um ruído considerável na unidade, uma bipartição contraproducente. O filme é incapaz de questionar o lugar da celebridade, a pressão que faz mulheres desdenharem umas das outras e, quiçá, sugere algo além do final feliz com todas as peças no devido lugar, em que uma suposta futilidade atrelada ao estilo musical é trocada pela “seriedade” da “arte”, com direito à "frustração" de ser crítico substituída pelo sucesso artístico, o que reforça um estereótipo bobo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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