Crítica
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Sinopse
Hebe Camargo ficou consagrada como uma das maiores apresentadoras da televisão brasileira. Com uma carreira que passou por diversas mudanças ao longo dos anos, foi durante a década de 1980, período de transição da ditadura para a democracia, que ela, ao 60 anos, tomou uma decisão importante: passou a controlar a própria carreira e, independentemente das críticas machistas, do marido ciumento e dos chefes poderosos, revelou para o público uma mulher capaz de superar qualquer crise.
Crítica
Hebe Camargo foi, sem dúvida, uma figura ímpar no cenário artístico brasileiro. Tendo vivido sob os holofotes por mais de meio século – desde sua estreia, como atriz, na comédia Quase no Céu (1949), até seu falecimento, em 29 de setembro de 2012, nunca saiu de cena o suficiente para ser esquecida por seus milhares de fãs – também foi responsável por um sem número de polêmicas e casos mal resolvidos, principalmente nos que diziam respeito ao seu posicionamento político. Por mais controversa que pudesse ser, era dona de um carisma admirável, que mesmo seus detratores eram obrigados a reconhecer. Pois é justamente nessa que era uma das suas mais fortes características em que se apoia Hebe: A Estrela do Brasil, cinebiografia de Maurício Farias que chega aos cinemas com múltiplas missões, que vai desde a obrigatoriedade de renovar o gênero na cinematografia nacional até manter em alta o nome da apresentadora, dentre tantos outros projetos similares. Objetivos esses que, felizmente, são atingidos em grande parte.
Há dois caminhos possíveis – ou, ao menos, mais comuns – quando se decide transpor a vida de uma personalidade real para a tela grande: ou se segue um molde mais tradicional, percorrendo do início ao fim de uma história repleta de altos e baixos, ou se escolhe um ponto específico dessa jornada, torcendo para que esse momento seja representativo o bastante par dar conta da personalidade em questão. Pelas dificuldades intrínsecas ao segundo modelo, compreende-se os motivos do formato inicial ser o mais procurado – basta lembrar, apenas neste ano, de títulos como Minha Fama de Mau (2019), sobre Erasmo Carlos, Kardec (2019), sobre Alan Kardec, ou Simonal (2018), sobre Wilson Simonal, que insistiam nestes mesmos passos. Felizmente, Farias e a roteirista Carolina Kotscho optaram pelo risco de algo mais direcionado e menos abrangente. Com isso, acertam tanto em potencializar o talento da protagonista, interpretada com brilho por Andréa Beltrão, como no conjunto fílmico pelo qual exercem sua investigação, resultando em uma obra concisa e que, se não encerra o assunto ‘Hebe Camargo’, é eficiente em tratá-la com respeito e dignidade, sem escapar, por outro lado, de assuntos mais ‘espinhosos’, por assim dizer.
Kotscho, que tem se tornado uma especialista neste tipo de cinema – é dela o roteiro do bem-sucedido 2 Filhos de Francisco (2005) – volta a acertar com Hebe: A Estrela do Brasil, após o irregular Flores Raras (2013), sobre a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares e a poetisa norte-americana Elizabeth Bishop – e o fraco Não Pare na Pista: A Melhor História de Paulo Coelho (2014). O resultado pode ser indício da sua mudança de abordagem – se os três longas anteriores eram mais convencionais, esse aqui assume uma postura mais ousada. Não lhe interessa de onde Hebe Camargo veio, quais foram suas aspirações artísticas, o que lhe motivava profissionalmente e para onde queria ir. Aliás, o filme promove uma interessante confusão entre as personas pública e privada da apresentadora. Ao contrário do recente Chacrinha: O Velho Guerreiro (2018), que estimulava uma visão maniqueísta entre o sucesso na televisão contra o naufrágio familiar, aqui estes dois lados andam em conjunto, de modo quase indissociável.
Hebe era na frente das câmeras a mesma mulher que se portava quando estava em casa, seja com o marido, o filho ou as amigas. A atenção que dedica ao herdeiro (Caio Horowicz, em composição eficiente) – desenhado de maneira frágil e sensível – ganha oposição ao relacionamento que tinha com o marido, Lélio (Marco Ricca, excelente em alternar passagens de grande carinho com um ciúmes quase incontrolável), tão necessário para a energia da artista como desgastante em suas seguidas crises. Justamente por estar tratando de uma personalidade tão atraente, muitos daqueles que a cercaram ganham não mais do que citações – como o ex-marido (Gabriel Braga Nunes), o empresário e patrão Silvio Santos (Daniel Boaventura), ou as amigas Dercy Gonçalves (Stella Miranda) e Lolita Rodrigues (Karine Teles). Outros igualmente próximos, no entanto, ganham representações mais significativas, como o cabeleireiro Carlucho (Ivo Müller), importante para dar um novo significado à sua dedicação às minorias sociais, ou o cantor Roberto Carlos (Felipe Rocha), que surge para oferecer um olhar à fã que existia dentro desta que era ela própria tão admirada por tantos.
Focando sua ação a não mais do que alguns poucos anos, entre o final dos anos 1980 e o início dos 1990, Hebe: A Estrela do Brasil é também um espetáculo à parte graças ao talento superlativo de Andréa Beltrão, uma das mais seguras intérpretes em atividade no Brasil. Deixando claro não estar preocupada em copiar trejeitos, olhares e posturas de Hebe Camargo, ela revela sua eficiência ao criar uma Hebe muito própria, como somente ela poderia fazer, sem nunca, no entanto, deixar de remeter à homenageada, seja em pequenos detalhes – como figurinos e comportamentos – como também no discurso, forte e impositivo em suas visões de mundo, por mais aleatórios e provocativos que pudessem parecer num primeiro momento. Este é um filme que serve tanto àqueles que não a conheceram, como uma porta de entrada ao seu universo, e que deverá servir para estimular um maior aprofundamento na sua história, como também para os que a acompanharam por muito tempo, que terão a oportunidade de mais uma vezes celebrarem uma trajetória nunca fácil, mas de muito sucesso e conquistas. Eficaz no que se propõe, e também feliz em ir além do que promete.
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