Crítica
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Sinopse
Dalva, uma menina de 9 anos, se torna responsável por sua casa quando o pai, o pedreiro Jorge, fica doente. Órfã de mãe, precisa deixar de lado a infância, enquanto que o homem, por sua vez, tem que lidar com a frustração de perder aspectos de sua paternidade.
Crítica
Dalva está sozinha, mas tem um monte de gente ao seu lado. Aquela que mais lhe compreendia, no entanto, se foi: a mãe. Sobrou-lhe a tia, agora a única mulher na sua vida. E o pai, que mal conhece. Mas há mais. A menina pode não ter nem dez anos, porém já possui uma compreensão grande da realidade. Tanto daquela ao seu redor, na qual é possível colocar o pé no chão, como também de outra, mais etérea e não tangível. Dalva, afinal, possui um dom. E descobrir como usá-lo – e, principalmente, como o emprego dele irá afetar quem ela ama e quem por ela vive – fará parte dessa jornada de crescimento. Em A Sombra do Pai, a diretora Gabriela Amaral Almeida segue em sua investigação pelo cinema de gênero, porém se em O Animal Cordial (2017) o excesso terminava por ditar a regra, o caminho dessa vez é mais discreto e subliminar. Não por acaso, também mais permanente e intenso.
A tia está apaixonada pelo novo namorado, mas uma briga boba parece ter colocado fim ao casal. “Não se preocupe, ele vai voltar”, lhe afirma a menina. Dito e feito, logo estará não apenas mais uma vez nos braços dele, mas de mudança após aceitar o pedido de casamento do moço, que se vê mais envolvido do que nunca. Obra do destino? Talvez, mas certamente com um apoio especial. “Muito obrigado”, a mais velha diz para a menor, reconhecendo que tal reencontro não teria sido possível sem a interferência da sobrinha. É assim, portanto, que a diretora vai desenvolvendo seus personagens e revelando suas verdades à audiência: eles podem parecer tipos simples, mas há mais sobre eles a ser descoberto. O que cada um é capaz, e mais do que isso, o que sentem falta e o que estarão dispostos a fazer para recuperar aquilo que foi perdido, é a base na qual essa trama irá se sustentar.
E se Dalva é uma personagem que não vê problemas em se abrir – seja em casa, na rua ou na escola – o pai é o oposto. Um homem fechado, que se trancou dentro de si e que não permite nenhum tipo de aproximação. Pelo contrário, tem os seus, e não admite deles se desfazer. Reluta contra a perda da mulher, rechaça com galhofa a partida da irmã, e não aceita que a filha possa ser algo diferente daquilo imaginado. Em certo momento, sem saber como reagir a tudo que percebe acontecer – mas que não consegue explicar – decide levar a criança à força para um passeio. “Vamos fazer como uma família normal”. A sequência a seguir, com os dois em uma praça, entre brinquedos infantis, beira o grotesco, seja pelo inadequado da situação ou pelo anacronismo imposto por tais personagens em um ambiente ao qual não se encaixam, nem pertencem. A força de ambos está justamente na estranheza, e aceitar esta característica e abraçá-la como parte dos seus seres é o que os tornará unidos, nem que seja numa última – e irreversível – instância.
Trazer esse elemento estranho ao convívio das figuras aqui desenhadas, portanto, é a tarefa a qual a diretora se dedica com afinco. Em seu filme, nada parece estar fora do lugar. Da trilha sonora, que surge como impositiva apenas nos momentos mais cruciais, preferindo assumir uma posição complementar durante a maior parte do processo, à edição precisa, que busca evitar desencontros – e na maioria das decisões se revela feliz – para colaborar nesse crescente de angústia e desespero ao qual estes indivíduos se encontram. A Sombra do Pai é uma viagem muitas vezes sem volta, na qual o naturalismo das situações e a introdução do fantástico caminham lado a lado, de mãos dadas, sem sustos ou tropeços. São realidades distintas, porém complementares. Aceitá-las nem sempre será fácil, mas aprender com elas é o que fará a diferença entre vida e morte, entre resistir ou se entregar.
Dentro desse cenário tão limitado, seja de afetos perdidos ou carências à flor da pele, Gabriela deposita em dois talentos singulares a condução da sua história. A pequena Nina Medeiros (As Boas Maneiras, 2017) possui determinação no olhar, enquanto que estará nas costas de Julio Machado o peso deste mundo em desconstrução, que precisa aprender como e por onde seguir. Será nele em que o espectador encontrará apoio, seja pela identificação, ou pelo espanto. Para tanto, muito do carisma de um grande intérprete é colocado em cheque, alcançando resultados surpreendentes. A Sombra do Pai é um juntar de cacos, é sair da escuridão e assumir seu lugar à luz de outros e inéditos acontecimentos. Nem sempre esperados, mas com certeza ansiados. Refazer-se, afinal, ainda que pareça ser uma mera decisão, pode representar um desafio nem sempre à altura dos esforços exigidos. Por isso importante não apenas saber lidar com o que se tem, mas também aceitar o que se conquista, sejam estas vitórias reais ou não.
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