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Sinopse

A família Crain se muda para a Residência Hill com o objetivo de reformá-la e, após alguns poucos meses, revendê-la ganhando um bom lucro em cima. No entanto, cada noite se revela um desafio para o casal e seus cinco filhos, graças à aparição de fantasmas e outras alucinações. Vinte anos depois, os membros da família, já adultos, se reúnem mais uma vez para lidarem com as consequências do tempo em que viveram na mansão, uma lembrança que os persegue até hoje.

Crítica

Histórias de casas mal-assombradas são tão comuns que correspondem quase por um subgênero à parte – para se ter ideia, na mesma semana em que A Maldição da Residência Hill teve seus dez episódios da primeira temporada lançados na plataforma de streaming Netflix, estreou nos cinemas brasileiros o terror A Casa do Medo (2018). Tal similaridade, no entanto, não se restringe a essa coincidência, pois os exemplos não faltam: de clássicos como A Casa dos Maus Espíritos (1959) ou Os Inocentes (1961) até sucessos populares como Mansão Mal-Assombrada (2003), chegando até os recentes A Colina Escarlate (2015) e A Maldição da Casa Winchester (2018), é fato que o tema volta e meia está em pauta junto aos aficionados. Mais raro, no entanto, é encontrar obrar dignas de atenção – Invocação do Mal (2013) parece ter sido uma das últimas merecedoras do interesse despertado. Pois mais incomum ainda é sairmos da seara cinematográfica e nos depararmos com produções pertinentes e voltadas para o público da telinha ambientadas nestes cenários. E a série criada por Mike Flanagan, surpreendentemente, é uma das mais bem-sucedidas neste propósito.

É surpresa pois, ainda que Flanagan tenha uma filmografia voltada ao gênero, nenhum dos títulos que assinou anteriormente é digno de nota – ou alguém lembra de longas como O Espelho (2013), O Sono da Morte (2016) ou Ouija: A Origem do Mal (2016)? Em A Maldição da Residência Hill, ele volta a trabalhar com a Netflix – para quem desenvolveu o igualmente esquecível Jogo Perigoso (2017) – mas o que fica claro desde o princípio é que mais tempo, um orçamento decente e maior controle sobre o que estava desenvolvendo só lhe fizeram bem. Ao adaptar para o formato televisivo o livro A Assombração da Casa da Colina, de Shirley Jackson, ele não apenas consegue se distanciar das versões cinematográficas anteriores – o tenso Desafio do Além (1963), de Robert Wise, e o patético A Casa Amaldiçoada (1999), de Jan de Bont – como também é feliz em apresentar algo cativante do início ao fim, ainda mais por se tratar, em uma análise apurada, de uma única história sendo narrada por quase dez horas de duração.

O argumento, no entanto, é ligeiramente diferente das adaptações anteriores. A família Crain se mudou recentemente para a Residência Hill com o intuito de reformá-la e, até o final do verão, revendê-la por um valor maior e assim seguir adiante com os planos de construir uma casa dos sonhos para o casal e seus cinco filhos. Na primeira cena, no entanto, acompanhamos os gritos desesperados da caçula Nellie (Violet McGraw, de Jogador N° 1, 2018), que afirma ter visto um fantasma em seu quarto: “é a Garota do Pescoço Quebrado, eu vi!”, grita em pânico. O que ela viu – ou pensa ter vislumbrado – tanto pode ser uma fantasia como um aviso, um perigo ou um alerta. Tais pistas podem ser identificadas por todo o desenrolar do roteiro.

Quem a acode primeiro são os irmãos, Steven (Paxton Singleton), o mais velho; Shirley (Lulu Wilson, de Annabelle 2: A Criação do Mal, 2017), a cética; Theodora (Mckenna Grace, de Um Laço de Amor, 2017), a rebelde; e Luke (Julian Hilliard), o gêmeo. Só depois chega o pai, Hugh (Henry Thomas), que é quem consegue acalmá-los. A mãe, Olivia (Carla Gugino), nem chega a acordar. Neste trecho rápido, ainda antes dos créditos de abertura, temos uma boa percepção de quem é quem naquele ambiente: os problemáticos, os que se recusam a acreditar, os que creem nas assombrações, e os que irão lutar para saírem dali vivos.

A trama de A Maldição da Residência Hill se passa em dois tempos: esse apresentado logo no começo, com as crianças pequenas e morando na mansão, e uns vinte ou trinta anos depois (são apontados como “Antes” e “Agora”), já com todos adultos. O que descobrimos no primeiro episódio? Que a mãe foi a única que não saiu de lá com vida – e o peso de sua morte recai sobre os demais até hoje. O pai (agora interpretado pelo vencedor do Oscar Timothy Hutton) está há anos afastado dos filhos. Steven (Michiel Huisman) fez carreira como escritor de livros... de terror, e seu maior sucesso é justamente A Maldição da Residência Hill– para desgosto dos irmãos. Ele parece ser o protagonista – afinal, a série começa e termina com ele, além de ser o nome mais conhecido do elenco – mas nada é desproporcional. É um condutor, sim. Mas nada que chegue a eclipsar a importância e o envolvimento dos demais.

Shirley (Elizabeth Reaser, da saga Crepúsculo) é a mais centrada: casada, com dois filhos, toca um negócio familiar (uma funerária, gerando uma ambientação que lembra – muito – a da série Six Feet Under, 2001-2005). Na casa dos fundos do seu terreno mora Theo (Kate Siegel, de A Brasileira, 2013), uma psicóloga lésbica e germofóbica – ou ao menos assim se diz. Luke (Oliver Jackson-Cohen, de O Que De Verdade Importa, 2017) é o garoto-problema da família – drogado, já fez promessas vãs a todos e agora se encontra internado em uma clínica de reabilitação. Por fim, Nell (Victoria Pedretti) é a mais frágil: o marido morreu há pouco, vítima de um aneurisma, e esse e outros problemas recorrentes, como as constantes alucinações que segue tendo, a leva a um confronto final, de volta à casa que há muito está fechada. Uma batalha que ela, ao menos, não sairá viva.

A volta de Nell à mansão Hill e sua morte se dá logo no final do primeiro episódio. Há mais nove adiante para entendermos o que está – e esteve – acontecendo naquele local. A edição é inteligente para mesclar as duas linhas narrativas de forma quase simultânea. Por exemplo, coisas, imagens e diálogos vistos no capítulo um, só farão sentido muito adiante. E estas mesmas sequências serão revisitadas posteriormente, porém sob outros pontos de vista, oferecendo e possibilitando novas interpretações. É como um grande quebra-cabeças, com pedaços espalhados ao longo das dez partes que compõem toda a série – ou seria melhor dizer, minissérie? Afinal, se houver uma sequência, deverá ser no formato antologia, com elenco e enredo diferentes, pois os aqui apresentados possuem um desfecho satisfatório e conclusivo.

Durante os dez capítulos, há alguns dedicados a apenas um ou outro irmão – como Touch, o terceiro, voltado para Theo, ou The Twin Thing, o quarto, sobre a relação de Luke e Nell. O ponto alto, no entanto, é Two Storms (E06), realizado quase que inteiramente por uma sucessão de impressionantes planos-sequências, em que presente e passado se confundem no aguardado encontro dos remanescentes da família Crain para o velório da caçula. Difícil apontar o que é mais hipnotizador, se a técnica empregada pelos realizadores ou o desempenho e comprometimento de todos em frente às câmeras.

Assustadora do início ao fim, A Maldição da Residência Hill também ganha pontos pela engenhosidade empregada pelo diretor Flanagan, que evita os sustos fáceis – sem efeitos sonoros gratuitos ou banhos de sangue genéricos – em troca de um clima de constante pavor que permeia toda a história. Há fantasmas por todos os lados – basta estar atento aos fundos dos cenários, principalmente nas cenas dentro da mansão – e nunca se sabe quando eles irão se manifestar de forma mais enfática. A história da casa – e a ligação do que ali aconteceu tantos anos antes – é a grande chave para o destino dos atuais residentes, e não será fácil para os que ali estão conseguirem se desligar dos que pretendem partir, assim como os que dali jamais sairão.

Uma das grandes novidades da televisão nesta temporada, A Maldição da Residência Hill é uma série indicada não apenas aos admiradores de histórias de arrepiar, mas também a todos interessados em bons dramas familiares, atento não apenas aos personagens, seus conflitos e sutilezas, mas também aos laços que os ligam e os afastam. Nada é revelado de imediato – e, no entanto, está tudo lá, em cena, bastando aos mais atentos irem desvendando cada segredo e mistério. Ao menos até se depararem com a porta da Sala Vermelha. Pois em aqui, mais do que prazeres, são desejos que serão atendidos. Tudo mediante o devido preço, é claro.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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