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Sinopse

Pauline acaba de herdar uma casa de sua tia e decide morar lá com suas duas filhas. Mas, logo na primeira noite, o lugar é atacado por violentos invasores e ela terá que fazer de tudo para proteger as crianças. Dezesseis anos depois, as meninas, agora já crescidas, voltam para a casa e se deparam com coisas estranhas.

Crítica

A melhor tradução para “incidente” é “que incide, sobrevém, tem caráter acessório, secundário, incidental, superveniente”. Também pode ser entendido como sinônimo de “acontecimento, acidente, evento, ocorrência, circunstância”. Nada mais longe, portanto, do que acontece em A Casa do Medo: Incidente em Ghostland. Talvez seja por isso o acréscimo desse pré-título genérico, que já batizou diversas outras produções do gênero – literalmente, como A Casa do Medo (2015) ou A Casa do Medo (1989) – ou similares – como A Casa do Espanto (1985), A Casa do Horror (1985), Ghost House: A Casa do Horror (1988) ou A Casa dos Mortos (2015), entre tantos outros. E se concordamos que “incidente” é um tanto forçado – ou um paliativo sem a menor serventia – não seria mais apropriado um olhar atento ao tal de Ghostland, ou Terra de Fantasmas, em tradução direta? Pois basta estar ciente deste batismo para que a suposta surpresa do enredo se desfaça, afinal, é um dos maiores e mais óbvios spoilers da história cinematográfica recente.

No filme escrito e dirigido pelo francês Pascal Laugier – o mesmo de joias raras como Mártires (2008) eO Homem das Sombras (2012) – as protagonistas são Pauline (a cantora Mylène Farmer) e suas duas filhas, a expansiva Vera (Taylor Hickson, de Deadpool, 2016) e a introspectiva Beth (Emilia Jones, de No Topo do Poder, 2015), que se mudam para a velha casa de uma parente recém falecida. Exatamente no dia em que chegam, quando ainda estão com a porta da frente aberta para descarregar as coisas, uma van estaciona em frente. De lá sai um homem gigantesco, praticamente um ogro, que sem falar nem nada, invade o lugar e decide atacá-las até a morte. O ódio pelo simples fato de serem mulheres fica logo evidente. O objetivo dele é reduzi-las a nada, a ponto de transformá-las em bonecas inanimadas, que não apenas deixam de representar uma ameaça, como também se tornam algo com o que ele pode “brincar”. No seu encalço está um travesti de voz soturna que parece ser o único capaz de domá-lo: “melhor não resistir, assim ele acaba mais rápido”, alerta para uma das vítimas.

Mais de uma década se passa, e agora Beth (Crystal Reed, de Amor a Toda Prova, 2011) é uma bem-casada – com um marido amoroso e um filho pequeno – e bem-sucedida escritora de livros de terror, que está prestes a lançar seu mais aguardado volume, justamente aquele que narra o tal ‘incidente’ que teria lhe acontecido tanto tempo atrás. Ela, aparentemente, não apenas superou o ocorrido, como também fez da escrita uma terapia que a ajudou a enfrentar esses ‘fantasmas no armário’. Sua irmã, no entanto, vive situação oposta. O trauma daquela noite fatídica segue com ela até hoje, e apenas a mãe consegue mantê-la razoavelmente calma. Beth foi embora, construiu sua vida longe de tudo aquilo. As outras duas, no entanto, seguem presas no mesmo cenário da maior desgraça das suas vidas. Qual a razão de terem ficado para trás? Não saíram de lá por que não quiseram... ou simplesmente por que não lhes era permitido?

Bom, se já não ficou bastante óbvio o que está acontecendo – lembre-se, em uma ‘terra de fantasmas’, nem sempre se pode acreditar naquilo que se vê – assim que Beth retorna à casa materna para um reencontro familiar, tudo fica bastante claro. Não há mistério, nem suspense. A mesma noite passa a ser revivida vez após outra. Como se recuperar de um evento trágico, se o mesmo nunca chega ao fim? Esse parece ser o maior desafio da protagonista. No entanto, para o realizador, o que se percebe é apenas o uso desse fiapo de roteiro como meio para destilar toda a sua misoginia e preconceito. A Casa do Medo: Incidente em Ghostland nada mais é do que uma sessão de quase duas horas de tortura ininterrupta, com mulheres apanhando, sendo violentadas e sofrendo além da conta sem nenhuma razão aparente além do prazer sádico daqueles que as assistem. Para completar, os culpados por tamanha bestialidade são um deficiente mental e um transexual, duas minorias que merecem respeito e atenção, mas que aqui servem apenas como bode expiatório.

É visível a intenção do realizador em dotar seu filme de uma reviravolta ao melhor estilo M. Night Shyamalan. Laugier, no entanto, não possui nem competência para criar algo à altura daquele no qual se espelha, muito menos originalidade para pensar em algo diferente. A tal mudança de rumo que propõe é antecipada a quilômetros de distância, e nada parece ser mais óbvio do que aquilo que está tentando emular, evidentemente sem efeito. Sem provocar sustos nem medo, toda a emoção que consegue obter é a repulsa, seja pelas atrocidades que expõe em cena, seja pela ineficácia em se manter minimamente dentro dos padrões mais convencionais do gênero ao qual se dedica. Além disso, menospreza a perspicácia da audiência, fazendo questão em explicar didaticamente cada um dos seus passos, de forma expositiva e redundante. Enfim, um desastre descarrilhado que merece não apenas o desprezo, mas também o protesto e a rejeição.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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