Crítica
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Sinopse
Em Um Homem Diferente, Edward (Sebastian Stan) é um sujeito comumente rejeitado por sua aparência. Quando decide passar por um tratamento alternativo de reconstrução facial, visualiza a possibilidade de um futuro diferente para si. Com o novo rosto, conquista tudo o que sempre sonhou. Isso até surgir alguém com a mesma aparência.
Crítica
Todo trigo tem seu joio. E se as redes sociais possibilitaram o surgimento de novos profissionais da área da crítica de cinema, renovando esforços e abrindo espaço para interessados se aprofundarem no tema, ao mesmo tempo permitiu que uma leva de despreparados também pudesse disputar os mesmos holofotes. E, com esses últimos, surgiu uma nova modalidade de “especialistas”: aquele que não se interessa apenas na direção, roteiro ou elenco, mas acima de tudo na produtora que abraça cada projeto, como se algumas fossem, por si só, selos de qualidade indiscutíveis. Se há algum tempo a Blumhouse chegou a ocupar esse espaço, atualmente os olhares parecem estar voltados para a A24. Vencedora do Oscar com Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022), é responsável por outros títulos incensados, como Zona de Interesse (2023) e Aftersun (2022). O que não a impediu de resvalar no próprio ego, como aconteceu com o recente Garra de Ferro (2023) ou no irregular Midsommar (2019). Infelizmente, Um Homem Diferente está mais para o segundo caso. Um filme que chama atenção pela proposta inusitada, mas que acaba refém de sua própria estranheza, investindo em caminhos que levam a lugar algum ou, na melhor das hipóteses, a um discurso óbvio e redundante, vítima de uma vontade que não encontra base no cenário que elabora para si.
Aaron Schimberg era conhecido até então por longas como Go Down Death (2013) e Chained for Life (2018), obras de alcance restrito e pouco vistas, seja no Brasil como nos EUA ou em qualquer outro canto do mundo. Nada que o credenciasse, portanto, à expectativa gerada por Um Homem Diferente, selecionado para a mostra competitiva principal do prestigiado Festival de Berlim. Mais do que o conjunto que tinha em mãos, é a curiosidade despertada por um dos talentos reunidos que movimentou tamanho interesse. E a menção não diz respeito a Sebastian Stan, astro consagrado, super-herói da Marvel e ator indicado ao Emmy e ao Globo de Ouro. Não, dessa vez o foco estava no até então desconhecido Adam Pearson – cujo trabalho anterior de maior repercussão havia sido uma participação discreta no thriller Sob a Pele (2013), no papel do “homem deformado” (como foi identificado nos créditos). Pearson é portador de uma condição médica conhecida como neurofibromatose, uma rara deformidade genética que deixa a pele coberta por diferentes tumores, muitos deles espessos e capazes de provocar intensa dor. É também conhecida como “a doença do Homem-Elefante”, em referência ao clássico de 1980 dirigido por David Lynch.
Pois bem, apesar de viver na pele a realidade do protagonista de Um Homem Diferente, não é Pearson quem ocupa esse lugar. Edward é vivido por Stan, em cena enterrado sob forte maquiagem, praticamente irreconhecível. Sua presença é a de alguém atormentado por sua aparência, que se esforça em não chamar atenção, desejando a todo instante ser invisível – no metrô, ao cruzar com vizinhos pelo prédio onde mora ou mesmo no trabalho, nas poucas oportunidades que encontra como ator em campanhas de conscientização social. Ao mesmo tempo em que começa a se encantar pela moradora do apartamento ao lado (Renate Reinsve, de A Pior Pessoa do Mundo, 2021), aceita fazer parte de um tratamento estético alternativo, em busca de um visual mais “normal”, por assim dizer. A questão, no entanto, é justamente essa: quem dita o que é ou não aceito? Como os demais devem se parecer? E, no final das contas, o que importa: o que os outros veem ou aquilo que cada um guarda dentro de si? A discussão, como se percebe, é tão direta quanto clichê.
Pois bem, por meio de uma sequência grosseira e visualmente duvidosa, as deformidades de Edward começam a se derreter, e de dentro quem surge? Um irresistivelmente belo Sebastian Stan. Tanto é que, após a mudança ele não é mais reconhecido, e tudo em sua vida parece se transformar: consegue o papel principal em uma peça inspirada na sua própria trajetória, conquista o coração – e a cama – da diretora e arruma um emprego de sonhos, deixando para trás a quitinete escura e caindo aos pedaços onde se escondia da selvageria que lhe era dirigida diariamente. Mas a palavra-chave é “parece”. Pois, quando enfim alcança seus sonhos, eis que entra em cena Oswald (Pearson, tão à vontade quanto seu personagem), que mesmo com um rosto capaz de assustar qualquer desavisado, logo pega para si tudo que o outro a tanto custo angariou. A resposta para tal feito não é condescendência, mas confiança: a mensagem é escancarada em afirmar que pouca diferença faz o que os outros veem, e, sim, está na maneira como cada um se vende o segredo ou não da vitória. Ou seja, basta ser simpático, sorrir bastante, ter jogo de cintura e ser seguro de si para que tudo dê certo no final. Parece receita de livro de autoajuda, e de fato é.
Se Sebastian Stan não tem muito o que fazer em cena – no início sua postura corporal é tão ensimesmada que pouco lhe é ofertado, e posteriormente as atitudes que a ele competem serão tão despropositadas que haverá mais com o que se lamentar do que se surpreender – e Adam Pearson é não mais do que uma surpresa, o pouco charme de Um Homem Diferente reserva está sob responsabilidade de Reinsve, manipuladora e dedicada em medidas adequadas, dotando sua presença com carisma e repulsa (muito melhor que tanto Stan quanto Pearson conseguem fazer, cada um a seu modo). Mas se é o caos que parece guiar a maioria das decisões da trama, isso está na conta de Schimberg, que além de diretor é também quem assina o roteiro. Sem saber o momento certo de terminar seu conto reiterativo e esquizofrênico, percorre excessos investindo em um descontrole apelativo, levantando a bandeira do bizarro não como algo a ser superado, mas, pelo contrário, defendido e até mesmo pelo qual lutar. E quando as ações dos envolvidos passam a trair suas até então alardeadas convicções, o que ainda pode importar? Muito pouco, como a A24 parece estar se esforçando em deixar evidente.
Filme visto durante o 74º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2024
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 4 |
Carlos Helí de Almeida | 6 |
Daniel Oliveira | 7 |
Miguel Barbieri | 6 |
Francisco Carbone | 7 |
MÉDIA | 6 |
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