Crítica
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Sinopse
Marcello Mio é a história de uma mulher chamada Chiara. Ela é atriz, filha de Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve. Durante um verão em que vê sua realidade desmoronar, Chiara decide viver como o pai. Ela se veste como ele. Ela fala como ele. Ela respira como ele. A incorporação de Chiara é tão convincente que as pessoas começam a acreditar. Elas a chamam de “Marcello”.
Crítica
Era para ser uma homenagem. Provavelmente, das mais bonitas. Afinal, se fala de um dos maiores atores de todos os tempos, rosto-símbolo de uma geração. E para assumir esse discurso, ninguém menos do que sua única herdeira, alinhada com aquela que, de igual estatura, talvez tenha sido o maior dos amores dele. No entanto, quem está à frente do projeto, por mais que também responsável pela ideia, no discorrer do percurso proposto se mostra mais afeito ao hoje, do que ao ontem. E assim, acaba se perdendo entre o olhar nostálgico e as possibilidades de uma parceria que já rendeu bons frutos no passado, mas que agora se apresenta esgotada, entre a necessidade da renovação e o desespero por um suspiro. E o que se vê são figuras munidas das melhores intenções, mas despreparadas para tamanho desafio. Marcello Mio almeja o grande, mas termina por se contentar com pouco mais do que meros sorrisos constrangidos, entremeados por um ou outro momento de, aí sim, genialidade.
Christophe Honoré colocou mãe e filha para cantarem juntas em Bem Amadas (2011) - o que agora repete. Além disso, entregou um dos melhores filmes de toda a carreira de Chiara Mastroianni (Quarto 212, 2019, que valeu a ela o prêmio de melhor atriz na mostra Um Certain Regard do Festival de Cannes, além de uma indicação ao César). Este, afinal, é nada menos do que o sétimo longa dos dois juntos, então a sintonia entre criador e criatura – diretor e protagonista – é perceptível desde o primeiro frame. Mas em Marcello Mio, a proposta é ir além de uma mera parceria. O foco está no pai dela, Marcello Mastroianni. Vítima de uma ironia genética, Chiara é fruto da união do astro com uma das mulheres mais lindas de todos os tempos – a diva francesa Catherine Deneuve – porém, seus traços remetem mais ao lado masculino desse encontro. A semelhança entre os dois é impressionante. E o que nasceu como uma provocação – “você poderia atuar mais como seu pai, e menos como sua mãe?”, lhe pede uma diretora durante um teste de elenco – acaba sendo incorporado como doutrina de vida.
Chiara se transforma em Marcello sem muito esforço. Basta um casaco preto, um chapéu bem colocado, óculos de grossos aros negros e um bigode postiço e, voilá – ela continua sendo uma mulher. Mas isso não a impede de começar a agir como se homem fosse. A ponto de exigir ser chamada pelo nome paterno. Há, nesse ponto, uma encruzilhada. A discussão poderia encaminhar para Freud e os traumas familiares, a ponto dela abandonar a si para se ver nele. Ou para a disfunção de identidade sexual, quando uma figura ostensivamente feminina requer que a sociedade a veja pelo viés masculino, e assim passa a ser atendida. Mas não é esse o ponto, nem um, muito menos o outro. Tudo é uma grande brincadeira. Da ida ao restaurante favorito ao convite para participar de um programa de televisão italiano, sabe-se que a farsa não irá durar para sempre. Mas até quando?
O mais divertido de Marcello Mio – “meu”, do público, ou “meu”, numa postura mais íntima, daquela que até hoje carrega consigo o sobrenome e as cobranças de tal herança? – são figuras de imenso talento atuando como versões de si mesmos. Chiara é cada vez menos uma surpresa e mais uma confirmação de que o talento pode, sim, ser transmitido pelo sangue. Porém, como ela bem sabe, é difícil – tanto entre seus iguais, como perante o público – esquecer de onde ela vem para vê-la apenas como a atriz que agora se apresenta. Deneuve, por outro lado, parece abraçar com gosto a piada, divertindo-se com a confusão proporcionada por sua trajetória tanto pessoal, quanto pública. A carência de Fabrice Luchini, o destempero de Melvil Poupaud ou a irritação de Nicole Garcia são temperos curiosos que adicionam graça a essa mistura. Ouro mesmo, no entanto, se vê na rápida participação de Stefania Sandrelli, tão deslumbrante hoje quanto em Divórcio à Italiana (1961), quanto atuou ao lado de um irresistível Mastroianni.
Da recriação de pequenos gestos – o baixar dos óculos escuros, o cigarro na ponta dos lábios – às citações mais evidentes, como a reproduções de figurinos que ele tornou clássicos ou a fatídica visita à Fontana di Trevi, Marcello Mio é exigente com o espectador, ao mesmo tempo em que se mostra mais interessado em acompanhar Chiara nessa jornada de afastamento de si, quase ao ponto de se perder. Ela não chega a tanto, principalmente pelos que estão ao seu lado, mas o mesmo não pode ser dito do filme, visto de Honoré sabe como iniciar esse quebra-cabeça, mas demonstra nítido despreparo em como lhe oferecer um desfecho. E assim, cansativo e confuso, ainda mais quando não se mostrava necessário tantas e idas e vindas para uma ideia que se acusava tão óbvia, o conjunto vai desperdiçando o tanto da boa vontade que ainda remanescia com a audiência. Oportunidade perdida, que talvez não se recupere mais.
Filme visto durante a 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2024
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