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Sinopse
Uma diligência transportando uma prisioneira é obrigada a parar em um estabelecimento remoto em meio a uma nevasca. Porém, quando os homens lá descobrem quanto vale a recompensa pela assassina, as coisas começam a ficar mais tensas.
Crítica
Números são importantes para Quentin Tarantino. Em Cães de Aluguel (1992), seu longa de estreia, a trama girava em torno de cinco homens e a suspeita sobre qual deles teria traído os demais. Seis filmes depois (sendo um deles, Kill Bill, dividido em Volume 1, 2003, e Volume 2, 2004), o cineasta está de volta ao mesmo ambiente, porém numa dimensão ampliada. Os Oito Odiados, seu mais recente trabalho, é quase uma releitura de sua experiência original – e tal suposição é assumida pelo realizador – porém acrescida de uma vivência de mais de vinte anos envolvido na máquina de cinema hollywoodiana. O resultado é uma maturidade surpreendente, diálogos ainda mais afiados e um conjunto de atuações de respeito. Sem deixar de lado, felizmente, aqueles elementos tão característicos do diretor, que o tornaram conhecido, aclamado e de fácil identificação no mundo todo. Sim, é mais do mesmo. E como isso é bom.
Samuel L. Jackson. Esta é a sexta colaboração do ator com Tarantino, uma parceria que começou no fenomenal Pulp Fiction: Tempo de Violência (1994) – que rendeu até então a única indicação ao Oscar do ator – e passou pela participação especial em Kill Bill: Volume 2 (ele é o pianista do casamento da Noiva) à narração não-creditada em Bastardos Inglórios (2009). E se seu desempenho havia sido eclipsado em Jackie Brown (1997) – pelos retornos de Pam Grier (indicada ao Globo de Ouro e ao SAG Award) e de Robert Forster (indicado ao Oscar) – e em Django Livre (2012) – pelos histrionismos de Christoph Waltz (que injustamente ganhou seu segundo Oscar) e de Leonardo DiCaprio (indicado ao Globo de Ouro e premiado no National Board of Review), dessa vez ele assume, finalmente, o total protagonismo da trama que se desenvolve. Uma responsabilidade que lhe chega tardia, mas a qual desempenha com incrível deleite e precisão.
Jennifer Jason Leigh. Há sete homens em cena e uma mulher. Essa, a assassina que está sendo levada por um caçador de recompensas à forca, apanha e é maltratada a todos instante, em um comportamento que suscitou críticas ao filme de misoginia. Puro exagero. Num dos papeis femininos mais disputados da temporada – nomes como Hilary Swank, Michelle Williams, Robin Wright, Geena Davis, Demi Moore e Evan Rachel Wood chegaram a ser considerados – Leigh exibe verdadeiro prazer ao defender uma personagem tão rica de intenções e segredos, que domina a situação pela maior parte do tempo, mesmo sem a ciência dos demais em cena. Ela faz gato e sapato com o que lhe é oferecido, e por presentear seu público com um desempenho primoroso já seria suficiente prestar-lhe atenção redobrada.
Faroeste. Após investir em tramas de gângsteres, bandidos de aluguel, mercenários em tempos de guerra, assassinos em série e traficantes de ocasião, Tarantino parece ter encontrado sua praia no bom e velho faroeste, um dos gêneros mais clássicos de Hollywood. Sua primeira incursão foi no consagrado Django Livre (Oscar de Melhor Roteiro Original), e agora ele retoma a mesma ambientação – a proximidade é tanta que o próprio realizador chegou a afirmar que ambas histórias se passam num mesmo universo ficcional, ainda que uma não seja sequência da outra. Porém, Tarantino não é um artista óbvio. E se antes ele nos ofereceu um protagonista negro, dessa vez apresenta um deserto de neve encerrado em um mesmo ambiente, abrigados durante uma terrível nevasca. Nunca espere dele a solução mais evidente. A palavra de ordem é originalidade, porém sem deixar de lado evidentes reverências – e referências, é claro.
Violência. De todos os elementos caros ao cinema de Tarantino, talvez a violência seja o mais frequente. Ela não está ausente de Os Oito Odiados. E novamente sem se apresentar de forma gratuita ou glorificada, mas pertinente à trama que está sendo contada e de relevância crucial ao conto em curso. Tal recurso até pode demorar para entrar em cena, mas quando surge vem com força total, surgindo, talvez, na versão mais radical de toda a sua filmografia. Não sobra pedra sobre pedra, literalmente, e as razões para isso estão expostas na tela.
Roteiro. Assim como clássicos como Festim Diabólico (1948) ou 12 Homens e uma Sentença (1957), Tarantino reduz ao máximo as distrações externas, concentrando-se na maior parte do tempo nos oito personagens do título e no único cenário que os reúne. Com essa opção, ele privilegia a narrativa, dotando-a de diálogos precisos e atuações comprometidas. Além da condenada e daquele que a capturou (Kurt Russell), há ainda um militar renegado (Jackson), o xerife (Walton Goggins), o carrasco (Tim Roth), um general aposentado (Bruce Dern), um viajante (Michael Madsen) e o mexicano que está cuidando do armazém no qual estão se abrigando (Demián Bichir). O homem em busca da recompensa pelo pescoço da prisioneira acredita que um daqueles homens – ou mais de um, ou todos – não é quem diz ser, que não está ali por acaso, e que estaria mancomunado com ela para libertá-la. Estabelece-se, a partir deste ponto, um mistério digno dos melhores momentos de Agatha Christie ou Sherlock Holmes. Porém com sangue. Muito sangue.
Excelência. Ao aprimorar sua arte, percebe-se que o diretor tem ficado cada vez mais exigente, não apenas consigo, mas também com aqueles ao seu lado. Isso se percebe desde a escolha de Sam Jackson como protagonista – seu parceiro mais frequente – como a retomada de outros nomes que lhes são caros, como Roth e Madsen (ambos de Cães de Aluguel, o segundo presente também em Kill Bill), Dern e Goggins (ambos de Django Livre) e Russell (de À Prova de Morte, 2007), entre outros. Sem se contentar com as estrelas em frente às câmeras, retomou parcerias com o compositor Ennio Morricone (que após Django Livre chegou a afirmar que nunca mais trabalharia com o diretor), o fotografo Robert Richardson (vencedor de três Oscars e responsável pelo impressionante visual do filme, fotografado em câmeras Ultra Panavision 70 process, técnica em extinção atualmente e empregada em épicos como Ben-Hur, 1959, e A Maior História de todos os Tempos, 1965) ou o montador Fred Raskin (de campeões de bilheteria como Guardiões da Galáxia, 2014, e a série Velozes e Furiosos), responsável por imprimir um dinamismo tal ao desenrolar dos acontecimentos que mal percebemos transcorrer quase três horas de ação.
Teatro. Ao voltar ao básico, eliminando grande parte das distrações neste processo, Tarantino remete sua obra também ao meio clássico que privilegia, antes de qualquer coisa, boas atuações e histórias envolventes. Os Oito Odiados é um argumento original – tanto que, quando uma primeira versão do roteiro chegou a vazar na internet ainda durante a pré-produção, o diretor por pouco não desistiu do projeto – e mesmo que tenha sido pensado para o cinema, o que encontramos é uma grande peça filmada, porém desenvolta através do que de melhor o cinema pode oferecer – jogos de câmera, manipulação do tempo, flashbacks, narração sem excesso, suspense pontuado. Com menos, consegue-se muito mais, e nessa equação ninguém sai perdendo.
Surpresa. Ao contrário de diretores como M. Night Shyamalan, que construiu sua carreira baseando-se apenas em esforços para ludibriar a audiência, Tarantino não quer enganar ninguém – e ainda assim consegue surpreender. Basta analisar a participação de Channing Tatum em Os Oito Odiados – sua presença não é nenhuma novidade, afinal seu nome está anunciado logo nos créditos de abertura, mas não há quem fique indiferente quando ele finalmente aparece. O diretor, que também é roteirista de seus filmes – os dois Oscars que já recebeu foram nessa categoria – brinca como poucos com o domínio do enredo que está desenvolvendo e manipula a atenção da audiência a seu bel prazer, direcionando-a de acordo com seus interesses – e com o desenrolar dos acontecimentos. Cada um de seus filmes é uma diferente surpresa, e dessa vez não foi exceção.
Os Oito Odiados é, como o título já antecipa, o oitavo longa de Quentin Tarantino. Em entrevistas recentes, ele afirmou que encerrará suas atividades após o décimo filme, quando acredita que sua obra estará completa. Pelo que temos visto repetidamente em cada a cada novo trabalho, resta apenas esperar que ele seja do mesmo time de Steven Soderbergh, que já anunciou aposentadoria em mais de uma ocasião, mas segue trabalhando. Autoral sem ser hermético, Tarantino é um mestre no que faz, e como poucos cultiva um grupo cada vez maior de fãs e admiradores – e não sem merecimento. E aqui temos mais um excepcional exemplo disso.
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Boa noite...o filme éé simplesmente maravilhoso...interpretações brilhantes...e acrescento o quão perfeita ficou a dublagem brasileira...assistam...imperdível.
Acho a obra toda de Tarantino um poço de referencias e de técnicas de cinema a serem cavadas e reviradas pelos cinéfilos, só esqueceram de dizer que menos é mais no cinema e sua verborragia e redundancia tornam seus filmes chatos...lindos e chatos...já vi isso em O Mestre de P.T.Anderson uma aula de cinema, mas um filme chato, redundante, parado, sem objetivo.
"Há sete homens em cena e uma mulher. Essa, a assassina que está sendo levada por um caçador de recompensas à forca, apanha e é maltratada a todos instante, em um comportamento que suscitou críticas ao filme de misoginia. Puro exagero." Puro exagero, disse o homem.