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Sinopse

Django é um escravo conhecido pelo histórico brutal com os seus ex-senhores. Isso o coloca diante do caçador de recompensas alemão, dr. King Schultz, que está a procura dos sanguinários irmãos Brittle, e Django é o único que pode levá-lo à sua recompensa. Mesmo com o objetivo alcançado, e a promessa cumprida, os dois permanecem juntos, caçando os criminosos mais perigosos dos EUA. Enquanto isso, Django está a procura de sua esposa, levada pelo tráfico de escravos.

Crítica

Quentin Tarantino é um cineasta acima do bem e do mal. Um dos poucos “autores” de verdade no cinema hollywoodiano, possui uma fiel legião de fãs sempre ávidos por cada novo trabalho anunciado. E com Django Livre, seu oitavo longa metragem, a situação não foi diferente. Felizmente, a espera esteve à altura do recebido, pois esta é talvez a obra mais completa do realizador, com alta relevância social, extremamente bem humorada, com um elenco afiadíssimo, um roteiro inteligente, diálogos muito inspirados e um condutor em pleno domínio do seu exercício. Um prazer de raro deleite, que merecidamente foi reconhecido com cinco indicações ao Oscar, inclusive à Melhor Filme.

A inspiração inicial de Django Livre são spaghetti westerns como Django (1966), de Sergio Corbucci e estrelado por Franco Nero (que agora faz uma ‘participação carinhosa’), do qual pegou ainda o nome do protagonista, vivido por Jamie Foxx, mas possui também fortes referências à cultura alemã (como a ópera O Anel dos Nibelungos, de Richard Wagner). Django é um ex-escravo que trabalha ao lado de um caçador de recompensas. Esse o libertou em troca de ajuda para encontrar assassinos procurados pela lei e que são conhecidos do alforriado. Em troca, o novo colega concorda em colaborar em uma jornada quase impossível: ir em resgate da esposa dele, que foi vendida para um violento fazendeiro.

Django Livre é composto por três atos, mais um prólogo e um epílogo. A estrutura ambiciosa e monumental pode assustar os novatos, ainda mais diante de quase três horas de produção. Mas, acredite: tudo o que se vê é absolutamente necessário. Se no começo descobrimos como Django e Dr. King Schultz (Christoph Waltz, refazendo a parceria com o diretor após Bastardos Inglórios, 2009) se conheceram, logo o filme tem de fato início com a peregrinação dos dois à cata de fugitivos da lei. “Matar brancos e ainda ser pago por isso? O que poderia ser melhor?”, se pergunta Django. E é a partir de ironias como essa que a história se desenvolve, com cada segmento possuindo incríveis surpresas, situações elaboradas e novos e divertidos perigos. É nessa parte inicial que conhecemos, por exemplo, Big Daddy (na iluminada presença de Don Johnson, anos-luz após seu estrelato na série de televisão Miami Vice, de 1984). Mas este é apenas um aperitivo, pois o melhor ainda está por vir.

Uma vez estabelecidos, os dois amigos partem em busca do que lhes realmente interessa: Broomhilda (Kerry Washington, que já havia feito par com Foxx no oscarizado Ray, 2004). Eles elaboram um plano para se aproximarem do Sr. Calvin Candie (Leonardo DiCaprio, assombrosamente irreverente), o atual dono dela. Disfarçados de milionários atrás de um bom mandingo (negros usados para lutas até a morte apenas para o entretenimento dos seus proprietários), eles se conhecem durante um destes combates sangrentos e estabelecem um acordo de mútuo interesse: Calvin concorda em vender um dos seus lutadores por uma quantia absurda, ao mesmo tempo em que convida Schultz e Django para uma visita em sua casa – oportunidade ideal para encontrarem a amada.

É quando começa o terceiro momento do enredo, na Candylandia, como a fazenda do vilão é chamada. Ali conhecemos o preto velho Stephen, encarnado com maestria por Samuel L. Jackson, que consegue criar um tipo totalmente estereotipado e ao mesmo tempo dono de camadas insuspeitas de profundidade. Negro e extremamente preconceituoso, será ele que perceberá algo errado nas intenções dos visitantes, levando a uma conclusão visualmente agressiva e nunca menos do que a esperada em uma obra de Tarantino. O sangue irá jorrar por todos os lados, sem desculpas para grosserias, nudez, discussões explosivas e muitas reviravoltas.

O que vemos em Django Livre são gênios trabalhando. É difícil apontar qual o melhor coadjuvante – Waltz, indicado ao Oscar, DiCaprio, premiado no National Board of Review, ou Jackson, indicado ao Image Awards – pois todos possuem seus instantes de singular brilho. Jamie Foxx é, por sua vez, o herói contrariado, aos moldes clássicos daqueles que só querem paz e descanso e que mesmo assim são levados ao conflito por motivos externos – no caso, o próprio sistema escravagista dos Estados Unidos de alguns séculos atrás. Sucesso de bilheteria – é o campeão de público da carreira do diretor – e aclamado pela crítica especializada, é um daqueles filmes que não queremos que acabe, de tão fascinante que é vivenciar sua trama. O cineasta mais uma vez refaz a cronologia histórica oficial aos seus moldes, reciclando o recorrente personagem em busca de vingança, tantas vezes explorado em sua obra, mas nunca tão bem justificado e preciso. Quentin Tarantino é o mestre dessa realidade, e nós todos só temos a ganhar com isso.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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