Julgando pelos críticos do Papo de Cinema e dos veículos amigos, a produção mais empolgante que chegou às salas desde 2001 pertence ao cinema de gênero. Quando pedimos aos colegas que enviassem suas listas de melhores filmes dirigidos por cineastas estreantes no século XXI, a maioria esmagadora dos resultados pertencia ao terror, à fantasia, à ficção científica. Ao cruzarmos as listas para estabelecer os quinze melhores, chegamos a um resultado que felizmente contempla diversas diretoras mulheres, um diretor negro, filmes de temática LGBT e produções de países variados, incluindo Argentina, Hungria e França. Sem surpresa, a maioria pertence aos Estados Unidos.

Entre os critérios, pedimos que os filmes constituíssem o primeiro longa-metragem do cineasta em questão, excluindo a produção prévia de médias-metragens, curtas-metragens, videoclipes ou segmentos dentro de longas antológicos. Mesmo assim, dúvidas sobre as primeiras produções sempre persistem: Lady Bird: A Hora de Voar (2017) teria entrado na lista, exceto pelo fato que Greta Gerwig dirigiu o pouco conhecido Nights and Weekends em 2008, enquanto o belíssimo drama brasileiro Tatuagem (2013) teria ficado no top 3 desta lista, no entanto não pôde ser incluído devido à experiência prévia de Hilton Lacerda como diretor de longas-metragens em Cartola: Música para os Olhos (2007).

Participaram desta lista Robledo Milani (editor-chefe do Papo de Cinema), Marcelo Müller (editor do Papo de Cinema), Bruno Carmelo (editor do Papo de Cinema), Leonardo Ribeiro (colaborador do Papo de Cinema), Lucas Salgado (Cinepop), Sarah Lyra (Elviras), Daniel Oliveira (À Pala de Walsh), Nayara Reynaud (Nervos) e Alysson Oliveira (Cineweb).

 

15º Pequena Miss Sunshine (EUA, 2006), dir. Jonathan Dayton e Valerie Faris

O último lugar da lista também representa a única comédia da seleção. A dupla de diretores possuía ampla experiência com curtas-metragens e videoclipes musicais desde os anos 1980, mas foi com este feel good movie que se lançaram em Hollywood. O filme sobre uma família disfuncional fazendo uma viagem juntos, incluindo Toni Collette, Steve Carell e Paul Dano, foi indicado a 4 Oscars, vencendo as categorias de melhor ator coadjuvante (Alan Arkin) e melhor roteiro original.

“Este retrato de uma fatia bastante particular da sociedade norte-americana, os ‘losers’, aqueles que não conseguiram se ajustar dentro de um padrão publicitário de sucesso, vai além das superfícies, conferindo profundidade a cada personagem. Ao tornar seus dramas tão verossímeis quanto universais, facilita a identificação”. Leia na íntegra a crítica de Robledo Milani.

 

14º Madame Satã (Brasil, 2002), dir. Karim Aïnouz

O primeiro filme do diretor cearense foi citado por diversos críticos dentro de uma lista que permitia incluir produções do mundo inteiro. A biografia de Madame Satã, interpretado por Lázaro Ramos, já tinha participado da nossa lista de melhores filmes brasileiros do século XXI, e volta a se destacar graças às atuações primorosas e à energia com que o cineasta registra a marginalidade do personagem, sem julgá-lo moralmente.

“No cotidiano de uma Lapa tão charmosa quanto instável, ele se manifesta por meio da brutalidade, reagindo como animal ferido por toda sorte de infortúnios oriundos do mundo que lhe vira as costas, sobretudo, por ser negro, pobre e homossexual. É um pária, vivente à margem”. Leia na íntegra a crítica de Marcelo Müller.

 

13º Custódia (França, 2017), dir. Xavier Legrand

Este drama familiar provocou furor quando estreou nos cinemas e festivais, vencendo o prêmio César e provocando filas gigantescas na Mostra Internacional de São Paulo. O cineasta aborda o dilema sobre um pai agressivo pelas ferramentas do suspense. Em cenas longas, Legrand revela o peso da violência doméstica, caminhando a um final asfixiante.

“Abdicando de reviravoltas de roteiro, o diretor trabalha sobre a concretização das expectativas construídas e, mesmo sem contar com o fator surpresa, consegue habilmente sustentar a aura de suspense e incitar os sentimentos desejados. Essa capacidade de criar uma experiência imersiva apenas jogando com a sugestão/materialização pode ser observada em sequências exemplares”. Leia na íntegra a crítica de Leonardo Ribeiro.

 

12º O Ato de Matar (Reino Unido/Dinamarca/Noruega, 2012), dir. Joshua Oppenheimer

O único documentário da lista pertence à experiência perturbadora promovida pelo cineasta norte-americano. Ele viaja à Indonésia e pede a matadores do genocídio local, jamais responsabilizados por seus crimes, que reencenem a matança para as câmeras, numa metaficção. Orgulhosos de seus atos, os assassinos convidam os familiares das vítimas a posarem para a reconstituição perversa. Antes deste longa-metragem, Oppenheimer tinha ampla experiência com curtas e médias-metragens.

O Ato de Matar passa longe de um documentário sobre o ocorrido na Indonésia em determinada época e toma a potência de um relato pessimista sobre a condição humana, mais impactante que qualquer assombro literário ou genealogia da moral”. Leia na íntegra a crítica de Willian Silveira.

 

11º Cinco Graças (Turquia, 2015), dir. Deniz Gamze Ergüven

Este drama se constrói como fábula: cinco irmãs decidem brincar com os amigos meninos no lago local. A atividade seria banal se não acontecesse dentro de uma sociedade ultraconservadora, onde o contato entre meninas é meninos é moralmente proibido. A partir deste momento, a família das garotas decide casá-las o quanto antes. O filme foi indicado ao Oscar, BAFTA e Globo de Ouro, além de vencer um prêmio em Cannes.

“Com um olhar atento e uma câmera que se movimenta com fluidez, Ergüven registra os momentos de cumplicidade entre as personagens com bastante delicadeza, o que faz com que suas descobertas – sobre o sexo, paixão, desilusão, perda – surjam com naturalidade. Essa interação espontânea entre as cinco atrizes é a principal ferramenta que a cineasta dispõe para tornar sua narrativa envolvente e sincera”. Leia na íntegra a crítica de Leonardo Ribeiro.

 

10º O Abutre (EUA, 2014), dir. Dan Gilroy

Neste suspense sombrio, Jake Gyllenhaal interpreta um sujeito obsessivo que descobre seu talento dentro do jornalismo policial, do tipo que faz reportagens sensacionalistas sobre cadáveres, roubos e assassinatos. Cansado de esperar que os crimes aconteçam, ele decide provocar os acidentes e mortes para poder filmá-los. O diretor foi indicado ao Oscar de melhor roteiro original.

“A imagem de Gyllenhaal que ficará marcada na memória do espectador, neste que é um dos seus melhores desempenhos. O olhar frio que beira o psicótico, cada ato milimetricamente calculado, a consciência de suas limitações e seu constante esforço para ampliar suas capacidades formam um conjunto capaz de impressionar qualquer um”. Leia na íntegra a crítica de Robledo Milani.

 

O Babadook (Austrália/Canadá, 2014), dir. Jennifer Kent

Este impressionante filme de terror combina as narrativas bastante inofensivas dos livros para crianças com as histórias de monstros. O que acontece quando a figura da literatura começa a se materializar dentro de casa? A diretora brinca habilmente com a paranoia e o medo, fugindo dos clichês habituais de filmes sobre casas mal-assombradas.

“O filme, claro, aprofunda-se em uma trama sobrenatural, criando um terceiro ato tenso, principalmente graças às ótimas performances da dupla protagonista. Mas é importante notar como qualquer explicação nos é negada – ou melhor, poupada”. Leia na íntegra a crítica de Yuri Correa.

 

Hereditário (EUA, 2018), dir. Ari Aster

O diretor despertou tanta admiração quanto repulsa com este longa-metragem sobre a herança maldita passando por três mulheres da mesma família. Com a morte da avó, a filha (Toni Collette) e a neta (Milly Shapiro) passam por experiências inexplicáveis de morte. Cenas perturbadoras envolvendo um acidente de carro e um incêndio dentro de casa marcaram os fãs de terror.

“Há uma casca bem envernizada em Hereditário, que sustenta inicialmente a impressão de uma estrutura narrativa forte o suficiente para impactar. […] Milly Shapiro se destaca, sendo ajudada pela forma como a câmera de Ari Aster se detém em seus desconcertantes silêncios”. Leia na íntegra a crítica de Marcelo Müller.

 

O Lobo Atrás da Porta (Brasil, 2013), dir. Fernando Coimbra

O filme brasileiro de melhor posicionamento na lista é este suspense baseado em fatos. Ele se inspira na história da “Fera da Lapa”, quando a amante (Leandra Leal) de um homem casado (Milhem Cortaz) recusa o fim do relacionamento e passa a ameaçar a família, até receber uma resposta igualmente violenta. A narrativa se constrói como uma espiral de agressões, rumo ao final chocante.

“O drama, que flerta de perto com um cinema de gênero pouco praticado no Brasil, revela a maturidade de um cineasta que já chamava a atenção para seu talento como curta-metragista. […] Os demorados planos com câmeras estáticas, quando dedica sequências aos atores e diálogos, é um dos artifícios mais adequados ao clima que pretende imprimir no longa”. Leia na íntegra a crítica de Conrado Heoli.

 

Filho de Saul (Hungria, 2015), dir. László Nemes

A Segunda Guerra Mundial é narrada pela história de um homem judeu (Géza Röhrig) encarregado de limpar os cadáveres de seus conterrâneos dentro dos campos de concentração. Um dia, acredita ver na pilha de mortos o corpo de seu filho desaparecido. O diretor cria uma sensação de asfixia pela janela da imagem em formato próximo do quadrado, representando os horrores da guerra por sons e sugestões. O drama venceu o Oscar, Globo de Ouro e BAFTA de melhor filme estrangeiro.

“A rigorosa mise en scène imposta por Nemes é composta por elementos como longos planos-sequência, câmera em estilo documental, variação de foco, planos fechados nos rostos dos personagens – especialmente no de Saul, presente em praticamente todas as cenas, quase sempre centralizado na tela”. Leia na íntegra a crítica de Leonardo Ribeiro.

 

A Bruxa (Canadá/EUA, 2015), dir. Robert Eggers

Esta produção ficou em primeiro lugar na nossa lista de melhores filmes de terror do século XXI, e volta a aparecer com força entre as obras de estreia. O diretor impressiona por construir uma tensão asfixiante praticamente sem efeitos especiais (com exceção notável da cena final), fazendo o espectador sentir medo até de um pacífico bode preto.

“Não é filme para consumo barato e imediato, como tantos outros sucessos do gênero. Os esforços aqui reunidos revelam uma obra refinada, que brinca com o ato de assustar de forma responsável, com parcimônia e bastante cuidado, sem revelar nada além da conta e medindo com sabedoria cada nova revelação”. Leia na íntegra a crítica de Robledo Milani.

 

Donnie Darko (EUA, 2001), dir. Richard Kelly

O filme mais antigo da lista – empatado com o primeiro colocado – constitui um filme cult de mistério e fantasia. Jake Gyllenhaal interpreta o papel principal do garoto que passa a enxergar uma estranha criatura em forma de coelho, que o impulsiona a cometer atos impensáveis. Mistura de monstro e amigo imaginário, o coelho desencadeia uma série de eventos sobrenaturais.

Donnie Darko adquiriu status com o passar dos anos. Suas conjunturas envolvendo viagens no tempo foram, desde a estreia, o viés principal da maioria das análises, muitas delas realmente empenhadas em achar saídas para determinados labirintos, em solucionar alguns enigmas que soam nebulosos mesmo quando acaba a sessão”. Leia na íntegra a crítica de Marcelo Müller.

 

Ex_Machina: Instinto Artificial (Reino Unido, 2014), dir. Alex Garland

Esta obra de suspense e ficção científica tem apenas três personagens em cena durante quase toda a narrativa: um guru da tecnologia (Oscar Isaac), a inteligência artificial criada por ele (Alicia Vikander) e um jovem genial (Domhnall Gleeson), encarregado de encontrar no androide algum elemento que o diferencie dos seres humanos. Começa um genial jogo de gato e rato, onde nunca se sabe ao certo quem manipula quem, e quais são os objetivos reais dos personagens.

“Garland propõe uma composição visual deslumbrante, minimalista e funcional para as múltiplas camadas de sua história, que vai muito além do conto de suspense sci-fi antecipado em sua premissa. […] Gleeson e Isaac têm ótimas sequências juntos, mas o coração do filme tem o nome de Alicia Vikander“. Leia na íntegra a crítica de Conrado Heoli.

 

Corra! (EUA, 2017), dir. Jordan Peele

Poucos nomes surgiram com tanta força na cultura pop recente quanto Jordan Peele. Com apenas dois longas-metragens no currículo, o cineasta foi aclamado em grandes festivais de cinema e cultuado pelos espectadores. Este filme retrata os Estados Unidos através de uma perversa fábula sobre racismo, luta de classes e desigualdade de renda. Sangrento, divertido e reflexivo ao mesmo tempo.

Corra! é um daqueles filmes que nos preserva em permanente estado de alerta, interessados no destino dos personagens, especialmente no do protagonista, que se sente um peixe fora d’água num ambiente hostil à sua etnia. Os mal disfarçados indícios de preconceito permitem que tudo seja previamente assustador”. Leia na íntegra a crítica de Marcelo Müller.

 

O Pântano (Argentina, 2001), de Lucrecia Martel

Esta é certamente uma obra muito especial para a crítica de cinema: depois de ficar em primeiro lugar na seleção de melhores filmes sul-americanos do século XXI, a obra-prima de Martel lidera mais uma lista. A cineasta tinha bastante experiência com curtas-metragens, séries de televisão, médias-metragens e segmentos dentro de antologias, antes de passar a este perturbador estudo sobre a burguesia argentina.

O drama com toque de suspense foi premiado nos festivais de Berlim, Havana, Sundance e Toulouse, alavancando a carreira da cineasta entre os principais nomes do cinema independente contemporâneo. O Pântano também impressiona pelo grande elenco, que inclui as veteranas Mercedes Morán e Graciela Borges.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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