Crítica


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Sinopse

Estamos nos aproximando da virada do século. Diane e Roma levam uma vida aparentemente normal, mas precisam lidar com a rebeldia da filha adolescente. Cleve, por outro lado, estuda a possibilidade de adotar uma criança abandonada pelos pais, enquanto que Ken segue em sua jornada pelo inferno, após ter perdido todas as suas referências após a morte do companheiro.

Crítica

Entre as noites II e III, ou seja, ao passarmos do episódio 4 para o 5, a minissérie When We Rise promoveu um pulo no tempo de uma década. O efeito mais imediato dessa decisão foi a troca de todos os seus principais intérpretes. Os protagonistas, portanto, até então interpretados pelos novatos e desconhecidos Austin P. McKenzie (Cleve Jones), Emily Skeggs (Roma Guy), Fiona Dourif (Diane Jones) e Jonathan Majors (Ken Jones) – por favor, os Jones aqui citados não são parentes, e suas interações, na maior parte do tempo, são meramente circunstanciais – passaram a ser defendidos pelos consagrados Guy Pearce, Mary-Louise Parker, Rachel Griffiths e Michael Kenneth Williams, respectivamente. Isso, por um lado, elevou a qualidade das atuações – não que os mais jovens fossem ruins – muito pelo contrário – mas colocou em evidência a carga dramática de atores competentes envolvidos em personagens com os quais o público já tinha familiaridade. Num primeiro momento, é natural que tais substituições tenham causado estranheza. Agora, neste sexto capítulo – Noite III: Parte V – o espectador que tem acompanhado o desenrolar de cada uma destas tramas já não sente tanto a diferença, podendo, enfim, mergulhar melhor no drama vivido por estes tipos, envoltos por uma realidade de mais dor e sofrimento do que poderiam ter imaginado dez anos antes.

Estamos em 1997, já próximos do final do milênio. O Governo Clinton pouco fez para mudar o cenário da comunidade LGBT, a despeito do seu discurso inicial. Cada um dos nossos personagens principais estão num ponto diferente de suas vidas. No episódio anterior, tanto Cleve quanto Ken perderam seus companheiros. O primeiro segue sua militância junto a grupos organizados, e um breve flerte com Richard Socarides (Charles Socarides), adjunto da presidência para assuntos LGBT, tanto o coloca mais próximo das discussões nacionais como, também, oferece a esse um certo protagonismo na série – a cena dele assumindo-se, enfim, gay, ao pai, um psicólogo homofóbico de discurso desagregador, é particularmente devastadora. Cleve, no entanto, terá outra preocupação logo a seguir: um vizinho de apartamento, um viciado, foge, deixando para trás o filho ainda bebê. Jones não só se afeiçoa a criança – a quem resgata num momento tenso – como, aos poucos, decide levar adiante um plano de adoção. O desenrolar destas intenções se revelará uma dura prova para ele, ainda que um pouco extremista pela forma como explorado em cena, mas chocante por quão verdadeira essa mesma sequência poderá ter se sucedido na vida real.

Diane e Roma levam uma vida de casal estabelecido, e seus problemas maiores parecem, nesse ponto de suas vidas, estarem sendo proporcionados pela filha adolescente. Se antes ela estava inquieta por não conhecer o pai, agora sua rebeldia se revela em faltas à escola e desobediência em casa. Como resultado, acaba sendo matriculada em um colégio de freiras, muito mais rígido e de normas que as próprias mães passarão a questionar. O modo da menina lidar com essa nova realidade será bastante indicativa sobre as mudanças dos tempos – afinal, estamos, nesse ponto, quase no século XXI. “Pensei que não deveríamos nos preocupar tanto com o que os outros pensam”, reflete a garota. Será o momento daqueles tão habituados a ensinar pararem, nem que por um instante, e reconhecerem que também precisam aprender?

Porém, quem está no fundo do poço é o até então altivo e combatente Ken. “Perdi tudo: meu amante, meu trabalho, minha casa”, diz ele, como se nada mais tivesse. A proximidade com David (Balthazar Getty), um colega do grupo de ajuda, irá levá-lo a uma rota vertiginosamente prejudicial. Este é casado, com filhos, mas, assim como Ken, sofre com os fantasmas da guerra. Ainda que aparentemente heterossexual, se aproxima do novo amigo, e os dois encontrarão um no outro alguém para desabafar. Esse relacionamento, ao invés de ajudá-los, os leva a um caminho de destruição. Assim, outra estrutura até então inabalável do Tim Sam passa a ser questionada. A religião já foi motivo para confronto no roteiro de Dustin Lance Black tanto na juventude de Cleve Jones como na atual condição vivida por Diane e Roma. Agora chega a vez do exército, que faz uso de seus homens apenas para abandoná-los logo em seguida. Ken é o exemplo a ser evitado, aquele que mais mudou nessa etapa de sua existência. Ficar ao lado dele será uma tarefa difícil, e poucos serão os que se identificarão aptos para esse sacrifício – tanto na ficção como no lado de cá da tela.

Uma expressão bastante empregada neste episódio é o termo “intruso”. Annie (Gideon Adlon) se define assim, por ser filha de um casal de lésbicas e morar em um bairro predominantemente latino. Cecilia Chung (Ivory Aquino) também se sente dessa forma, primeiro no próprio corpo, depois a cada necessidade de relembrar sua condição de transexual. Cleve sofre um baque quando percebe que o fato de ser um ‘estranho’ àquela realidade lhe impedirá de alcançar um dos seus maiores sonhos. Diane se sentirá uma intrusa na reunião de pais e mestres, Ken é a presença viva deste fato por não encontrar mais seu lugar neste mundo. Suas dúvidas, preocupações, medos e esperanças é que permitirão que sigam em frente. Estamos nos aproximando do fim da minissérie, e o nível tem crescido a ponto de atender quaisquer expectativas. O caminho trilhado até aqui, mesmo com um ou outro tropeço, é instigante e perturbador. As vitórias existem, é claro. Mas nem por isso devem significar descanso, pois ainda há muito a ser percorrido.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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