Crítica


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Sinopse

Ken Jones segue em sua jornada em reabilitação, agora apoiando-se mais uma vez na religião. A fé num futuro melhor também irá mover Cleve Jones, que decide voltar a São Francisco para seguir lutando por direitos iguais, agora visando derrubar a Proposta 8, que impede o casamento homoafetivo na California. Enquanto isso, Diane e Roma precisam lidar com uma família que não para de crescer: a filha delas não só está grávida, como decide se casar com seu namorado.

Crítica

Estamos no início da quarta e última noite de When We Rise, minissérie sobre o movimento LGBT nos Estados Unidos criada por Dustin Lance Black, cineasta vencedor do Oscar pelo roteiro de Milk: A Voz da Igualdade (2008). Nada mais justo, portanto, que após ter contado com os talentos de Gus van Sant, Dee Rees e Thomas Schlamme, o próprio Black assumisse a direção destes dois últimos capítulos, dando ao projeto a conclusão que sempre desejou. O avanço no tempo está mais significativo, e neste ponto estamos em 2008 – menos de uma década atrás, portanto. Barack Obama foi recém-eleito presidente dos Estados Unidos – o primeiro afro-americano a ocupar este posto – e muito parece ter evoluído desde então. Mas, e para a causa gay, este avanço terá tido a mesma significância?

Essa é uma geração que cresceu com Ellen e Will & Grace, não sabe o que é lutar apenas para se ter o direito de ser quem é”, declara num misto de irritação e resignação Cleve Jones, aquele que nunca desistiu de protestar. Confrontando-se com militantes muito mais jovens, que desejam ver Lady Gaga falando por eles – como, de fato, veio a acontecer – Cleve terá não apenas que reaprender como enfrentar seus oponentes, mas também como se aliar àqueles do seu lado na batalha. Chad Griffin (T.R. Knight) é o admirador que terá a resposta para as suas maiores dúvidas: se o congresso não se mexe, que tal apelar para o judiciário e fazer valer, enfim, o que a lei diz? Pois se a constituição afirma que “somos todos iguais”, por que não colocar isso em prática?

Essa motivação surge logo após a definição da terceira grande bandeira a ser levantada. Lá nos anos 1970, quando Cleve era não mais do que um jovem rebelde, gays e lésbicas começavam a desenhar um futuro mais justo e igualitário quando um assassinato deu basta a essa curva ascendente. A morte de Harvey Milk, o primeiro político abertamente gay a ser eleito nos Estados Unidos, deu início a uma onda conservadora como poucas antes. E não demorou muito para que a AIDS surgisse, dizimando homens e mulheres de norte a sul do país – e no mundo todo, para ser bem claro. Mais de vinte anos se passaram, e agora eles estão unidos para defender um direito básico: o casamento homoafetivo. Ken Jones foi posto para fora de casa pelos parentes de seu companheiro logo após a morte deste. Como, então, garantir que tal situação não siga se repetindo com tantos outros?

Ken ainda não se recuperou, e após ter sido salvo por um grupo de beatas, ele irá encontrar mais uma vez na religião a força suficiente para seguir de cabeça erguida. Ao mesmo tempo, Diane e Roma seguem firmes com a família que criaram, não só abrindo espaço para mais um, como também dois: Cleve passa alguns dias morando com elas ao voltar para São Francisco, enquanto que Annie, a filha delas, engravida e decide casar com o namorado. Tamanha mudança não passa desapercebida, principalmente para Roma: é preciso um esforço maior em nome da saúde para todos, e não apenas gays, lésbicas, mulheres, negros, latinos ou qualquer outra minoria. Sem condições de sobreviver, que diferença fará a cor da pele ou com quem você vai para a cama?

Casamento gay, abalado pela vitória da Proposta 8, e um sistema público de saúde que veja aqueles que dele precisam sem distinções. Duas questões fortes e polêmicas, que Black, que até então só havia dirigido os pequenos e independentes The Journey of Jared Price (2000) e Virginia (2010), além de documentários, seriados e curtas-metragens, aborda com cuidado e determinação. Longe de ser encarado de modo panfletário, ele consegue falar de temas sérios e relevantes, sem deixar a emoção de lado, emulando entre estes debates as relações familiares, sociais e religiosas. E fechando com chave de ouro, temos, principalmente aqui, duas grandes performances, entregues por Mary-Louise Parker – que finalmente justificou seu nome nos créditos – e Guy Pearce, que tem neste programa provavelmente um dos melhores trabalhos de toda a sua carreira. O cenário está montado, cada parte está no seu devido lugar e o assunto não pode mais ser ignorado. When We Rise é um dos grandes acontecimentos deste ano na televisão. E que venha seu capítulo final para, enfim, chegar até os dias de hoje e mostrar que toda essa jornada, felizmente, não foi em vão.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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