28 mar

Oscar 2022 :: A celebração da mediocridade

Antes de mais nada, importante esclarecer aos leitores como funciona a votação do Oscar. O sistema é tão confuso e intrincado, com diferentes regras para a escolha dos indicados e outras para determinar quais serão os vencedores, e distintos métodos de contagem entre as próprias categorias, com algumas separadas das outras, que o importante nesse momento é que fique claro que, para que se eleja o Melhor Filme, todos os mais de sete mil membros da Academia são convidados a votar. Segundo, ninguém precisa comprovar ter visto todos os candidatos: ou seja, pode apostar no que mais gostou, ou no que é mais amigo, ou naquele que o vizinho recomendou, ou rifar seu voto entre os que acredita ter mais chances – não há como ter controle algum nessa etapa.

Depois, com a votação encerrada, há o próprio sistema de apuração. Pois não é eleito aquele com mais votos, já que não se trata de uma escolha simples: cartela com dez concorrentes, escolhe-se o favorito e pronto. Bom seria, mas o processo é diferente. Cada votante precisa elencar todos os indicados em ordem de preferência. Destes, cada nota 1 (ou seja, o melhor) é “eliminada” por cada nota 10 (o pior). Ou seja, se for um título na linha “ame ou odeie”, para cada espectador que aposte nele, esse mesmo será descartado por cada um que tenha o sentimento contrário, ou seja, que tenha odiado a experiência. O que isso acarreta? Não grandes paixões, mas pelo contrário: será eleito aquele que mais “ficar na média”, ou seja, que mais notas 3, 4 ou 5 arregimentar. Não precisa ser o favorito de ninguém. Só não precisa ser desprezado pela maioria.

A equipe de “No Ritmo de Coração” recebendo o troféu de Melhor Filme

Essa é a lógica por trás da escolha de No Ritmo do Coração como Melhor Filme do Oscar 2022. Tendo recebido apenas três indicações, ganhou em todas as disputas: levou ainda as estatuetas de Melhor Roteiro Adaptado e de Melhor Ator Coadjuvante, para Troy Kotsur. O longa dirigido por Sian Heder sequer foi indicado em Melhor Direção ou Montagem – duas categorias vitais ao apontarem a qualidade de uma obra no seu todo. Como pode o “Melhor Filme” sequer estar entre os melhores dirigidos? Ou mesmo não estar entre os melhores editados, que apresenta as sequências mais lógicas de cenas e desenvolvimento de sua narrativa? Parece absurdo, não é mesmo? Pois é justamente o que o Oscar 2022 atestou como o seu escolhido da última temporada.

Por outro lado, um filme bem mais divisivo, Ataque dos Cães, recebeu 12 indicações (numa etapa da premiação na qual as escolhas são feitas por quem realmente entende do assunto, ou seja, atores votam em atores, técnicos de som votam em técnicos de som, figurinistas votam em figurinistas e assim por diante), mas recebeu apenas uma estatueta: a de Melhor Direção. Segundo a Academia, portanto, eis aqui o título mais bem dirigido, e ponto. Não é o melhor em mais nada. Bizarro, certo? Talvez o mais correto fosse mudar a forma de chamar cada escolha. Ao invés de “melhor”, diga apenas que é o “favorito”, ou o “mais querido”, o “mais amado”, enfim. Qualquer coisa parece mais apropriada. E o pior: como isso pode ter acontecido exatamente um ano após Nomadland (2020) ter ganho? Um filme igualmente arriscado e não disposto a concessões. Parece ser efeito-ressaca. Acertaram tanto em 2021, que agora resolveram se redimir voltando ao curso equivocado que parece marcar a maioria das apostas da premiação.

Jane Campion, melhor direção por “Ataque dos Cães”

E que fique claro: No Ritmo do Coração está longe de ser ruim. Apenas não é essa maravilha que agora apontam. Num sistema de escolha mais rígido, é possível que não ficasse nem entre os dez finalistas. Trata-se de uma história emocionante, bem atuada, que levanta importantes questões de representatividade. Ao mesmo tempo, é composta por tantos clichês, resvala em tantas soluções fáceis e se contenta apenas em navegar pela superfície, sem nunca se aprofundar nos debates que propõe, que entende-se agradar a tantos, sem provocar desconforto em quase ninguém. É um retrato do mundo de hoje: o sucesso daquele que não ousa, não se arrisca, se aventura apenas entre os extremos e busca sobreviver sem chamar maiores atenções ou debates acalorados. Esse é o significado, aliás, da mediocridade: aquele que está no meio. Nem ruim, mas também não bom o bastante. Apenas OK.

Ariana DeBose, melhor atriz coadjuvante por “Amor, Sublime Amor”

Assusta perceber, ainda, que o longa mais premiado do ano – Duna, com 6 vitórias – também sequer foi indicado em Direção e, apesar de ter concorrido a Melhor Filme, nunca teve chances concretas de vitória na categoria principal. Os Olhos de Tammy Faye e King Richard: Criando Campeãs reconheceram seus protagonistas por seguirem a fórmula à risca, enquanto que Belfast (Roteiro Original), 007: Sem Tempo Para Morrer (Canção Original), Encanto (Longa de Animação) e Summer of Soul (Longa Documentário) reconheceram o óbvio, trilhando caminhos seguros. Se houve acertos na 94° edição dos Academy Awards, essas foram apenas duas: o japonês Drive My Car, como Melhor Filme Internacional (se bem que o norueguês A Pior Pessoa do Mundo também fosse merecedor), e a fulgurante Ariana DeBose, primeira intérprete assumidamente queer a ganhar um Oscar, como Melhor Atriz Coadjuvante por seu desempenho arrebatador em Amor, Sublime Amor. Ela, aliás, foi a primeira categoria a ser revelada da noite. Curioso pensar que, a partir dali, seria só ladeira abaixo.

Ah, e houve ainda a confusão com Will Smith e Chris Rock. Esse, ao subir ao palco para apresentar o prêmio de Melhor Documentário em Longa-metragem, fez uma piada infeliz com a esposa de Smith, a atriz Jada Pinkett-Smith, que está calva por sofrer de alopecia. Rock comentou que ela estaria pronta para estrelar Até o Limite da Honra 2 – improvável sequência de Até o Limite da Honra (1997), drama de guerra protagonizado por uma Demi Moore que precisou raspar a cabeça para compor sua personagem. A situação ficou desconfortável, e o comediante teria se saído melhor caso tivesse ficado de boca fechada. Foi inapropriado, e sua fala não teve a menor graça. Will Smith, no entanto, reagiu de forma desproporcional, subindo ao palco e dando um tabefe na cara do colega, que ficou sem reação. “Will Smith acabou comigo. Wow, cara, foi só uma piada”, comentou na sequência. Pra piorar a situação, pouco tempo depois Smith foi chamado ao palco – dessa vez de forma intencional – ao ser agraciado com o Oscar de Melhor Ator. Ao invés de se concentrar em agradecimentos e no trabalho em questão que estava sendo premiado, gastou a maior parte do seu discurso pedindo desculpas e alegando questões como “defesa da família” e “agir em nome de Deus” como razões para sua atitude extrema. O que já estava péssimo, ficou ainda mais constrangedor.

Will Smith atacando Chris Rock durante o Oscar 2022

A agressão de Will Smith contra Chris Rock entra para a história como um dos piores momentos dos 94 anos da premiação. É um embaraço superior à troca dos vencedores, quando Warren Beatty e Faye Dunaway anunciaram La La Land: Cantando Estações ao invés de Moonlight: Sob a Luz do Luar, cinco anos atrás, por exemplo. É, também, o que ficará de uma cerimônia desencontrada e tediosa, que ao invés de celebrar seus acertos, soube apenas parabenizar suas zonas de conforto, mais com gestos e menos com palavras.

Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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