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Sinopse

Nas montanhas da Colômbia vive a família Madrigal, onde cada membro é dotado de um superpoder, que vai da força extraordinária à capacidade de cura. A única exceção é Mirabel, garota nascida sem poder nenhum. No entanto, quando a magia do vilarejo é ameaçada, a filha "normal" será a única capaz de salvá-los.

Crítica

Por décadas os Estúdios Disney tem dado desenvolvimento a uma franquia informal, baseada em suas protagonistas femininas: as “princesas”, como gostam de chamar, sejam elas provenientes de famílias reais ou não. Encanto se afiliaria a essa linhagem pela segunda via, mais pela proximidade temática do que por uma leitura rígida do termo. E se é válido o esforço em diversificar as origens e características dessas figuras, como feito também nos recentes A Princesa e o Sapo (2009) – a primeira negra – e Moana: Um Mar de Aventuras (2016) – a primeira maori – a impressão levada ao espectador é que esse é o máximo de ousadia que a produção poderia comportar. Pois a despeito da cor da pele e dos cenários, os moldes da aventura que experimenta em cena são bastante convencionais, assim como também se apresentam as lições expostas, emolduradas por mensagens familiares há muito conhecidas.

Mirabel faz parte de uma linhagem afortunada no interior da Colômbia. Após terem sido expulsos da própria terra, durante uma jornada incerta em busca de um lugar para novamente chamarem de seu, Alma e seus trigêmeos vivenciaram, quase que de forma simultânea, uma tragédia e uma bênção. Se por um lado o marido, na tentativa de defendê-los, acabou vítima dos agressores, por outro os espíritos que os circundam decidiram recompensar os sobreviventes de uma forma especial: uma vela mágica, que não só criou as condições necessárias para que um vilarejo surgisse – com uma casa muito particular no alto do morro, onde os Madrigal foram morar – como também deu início a uma tradição específica: cada membro da família, quando atingisse a idade certa, seria abençoado com um dom próprio. Algo único, extraordinário e completamente inesperado.

Todos os Madrigal ganharam essa habilidade, com uma notável exceção: Mirabel. Mas ela não se deixou abalar, ou ao menos é o que tenta transparecer aos seus pais, tios, primos e avó. Pois por trás do sorriso constante, o que nela se esconde é um esforço contínuo em agradar, em ajudar, em se fazer presente. Como se a casa – e os laços entre os que nela habitam – dependessem apenas dela para seguirem firmes e fortes. É interessante como os diretores Jared Bush e Byron Howard (os mesmos do oscarizado Zootopia, 2016) são perspicazes em evitar um didatismo expositivo para oferecer essa ambientação através de canções e exemplos vindo antes das imagens do que das palavras. A elaboração da residência dos Madrigal, por exemplo, é perfeita em oferecer esse conceito: tudo que se precisa saber sobre ela e os que nela habitam é percebido pelas ações que empreende, sem necessidade de pontuações ou maiores esclarecimentos.

Se o roteiro – criado pelos realizadores em parceria com Charise Castro Smith (de séries como A Maldição da Residência Hill, 2018) a partir de um conceito de Lin-Manuel Miranda, que ficou focado nas belas canções do enredo – é criativo ao evitar soluções óbvias, por outro se revela redundante por não conseguir ir além do conceito original. Uma vez que ter apenas um olho numa terra de cegos é considerado privilégio, ser a única sem poderes num clã formado por pessoas além do normal seria um mérito ou uma desvantagem? Ao invés de se focarem nela, portanto, a narrativa acaba abrindo espaço para um subterfúgio – a presença (ou, melhor dizendo, ausência) do tio Bruno, aquele cujo dom seria prever o futuro, e com isso, antever tanto as conquistas como os tropeços pelos quais terão que passar em conjunto. Como ninguém está preparado para os maus agouros, a solução foi culpar o mensageiro, ao invés de encarar de frente a mensagem por ele revelada. Um equívoco que terá consequências, sendo a principal um mal-estar há muito sentido justamente no elo mais fraco.

Em uma história tão feminina, seria somente curioso, não fosse decepcionante, o fato da resolução do desafio proposto recair nas mãos do personagem masculino. Encanto é, de fato, deslumbrante aos olhos e ouvidos, por mais que algumas passagens musicais possam soar um tanto extensas para os menos afeitos ao gênero. Mas é a reflexão que propõe, defendida através de uma família por demais convencional e ilustrada através de um formato não apenas padrão, mas antes disso antiquado, que se termina por desperdiçar discussões elevadas, como exploração social, emigrações forçadas, abuso de poder e a necessidade da união dos mais fracos frente ao poder institucional. Talvez as rápidas pinceladas que oferecem a partir destes temas sejam vistas como suficientes para o público ao qual o longa, enfim, acaba se dirigindo. Uma visão paternalista que fala mais sobre os que a emitem do que a respeito dos quais acabam por ela afetados.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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