Depois do golpe militar de 1964, o Brasil mergulhou numa crise social enorme. Embora alguns revisionistas tentem chamar aquele movimento de “revolução”, ele se tratou notavelmente de um golpe contra a democracia que levou o país a um regime austero, agressivo e repressor que durou mais de 20 anos. Assim como todas as demais formas de expressão, o cinema sofreu o pão que o diabo amassou nas mãos do regime, especialmente na dos funcionários encarregados de analisar as obras e conferir os pareceres vindos do Serviço de Censura de Diversões Públicas.
O golpe de 1964 reorganizou a censura a fim de que ela servisse aos interesses ideológicos dos militares no poder. E não à toa os “analisadores” eram motivo de chacota recorrente por sua ignorância revestida com um fino verniz de erudição e erros de português frequentes nos pareceres. Selecionamos alguns pitorescos para que o leitor tenha uma ideia do que esses funcionários (geralmente mal preparados) falaram de grandes filmes brasileiros:
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Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha
(…) Deus e O Diabo na Terra do Sol pode ser classificado de ‘regular’, mergulhando no ról interminável das películas nacionais feitas para atrair bilheteria, levando às casas de espetáculos o público adépto de filmes do tipo ‘Cangaço-misticismo’. Em face da existência de algumas cenas de violência e “lesbianismo”, a película presta-se unicamente para exibição a público adulto, fixando-se a sua impropriedade”.
A Falecida, de Leon Hirszman
“Em vista do filme e o julgamento acima, o mesmo não deve receber BQ [selo de Boa Qualidade] e nem mesmo ser liberado para exportação porque irá depor quanto à indústria cinematográfica brasileira que já sofre das deficiências permanentes tanto técnica como artística”.
Terra em Transe, de Glauber Rocha
“Captamos em seu contexto frases, cenas e situações com propaganda subliminar. Mensagens negativas e contrárias aos interesses da segurança nacional. Aspectos de miséria e de luta entre classes, além de uma bacanal e de cenas carnavalescas e de amor são outros pontos inseridos no roteiro – com a finalidade única de enriquecê-lo e torná-lo suscetível ao grande público ávido de novidades na tela. Alguns diálogos chegam a ser agressivos, com insinuações contra a verdadeira e autêntica democracia. Outros fazem apologia à luta entre ricos e pobres. Várias mensagens têm origem nos conhecidos chavões de propaganda subversiva. A figura de um padre é colocada em situação comprometedora e até certo ponto ridícula (…) Consideramos o filme portador de mensagens contrárias aos interesses do País, motivo pelo qual deixamos de liberá-lo, aconselhando seja o mesmo examinado por elementos do Conselho de Segurança Nacional e pela Douta Chefia do SCDP [Serviço de Censura de Diversões Públicas] e Direção-Geral do DFSP [Departamento Federal de Segurança Pública]”.
Os Fuzis, de Ruy Guerra
“A história se situa no Nordeste brasileiro, em época pré-revolucionária (1963), ocasião em que as populações daquela região passavam por sérios problemas sociais em conseqüência de ensaios de reforma agrária mal orientada e de seca (…) O tema é adulto, para público maduro. A gravidade dos problemas abordados – suscetíveis de má-interpretação – e algumas tomadas carregadas de violência, em primeiro plano, desaconselham a exibição do filme para menores”.
Jardim de Guerra, de Neville D’Almeida
“A película é inteiramente contra as instituições de nosso país, com chamamento à ‘revolução sangrenta’ em nosso país, que segundo afirmam em algumas cenas está prestes a eclodir (…) O mesmo contraria todas as Leis de Segurança e o próprio Código penal (que ainda não foi modificado, pelo menos legalmente). Filme interditado”.
Fonte de pesquisa
PINTO, Leonor E. Souza. O cinema brasileiro face à censura imposta pelo regime militar no Brasil – 1964/1988. Disponível em: < http://www.memoriacinebr.com.br/ >
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