Crítica


3

Leitores


19 votos 6.6

Onde Assistir

Sinopse

Depois de seu marido perder quase completamente a mobilidade em decorrência de um acidente de carro, uma mulher se envolve com outro homem ao se sentir rejeitada no seu casamento.

Crítica

Ninguém poderá acusar Vinícius Coimbra de não ser um cineasta ambicioso. De carreira consolidada na televisão, tendo dirigido na Rede Globo projetos de imenso sucesso, como as novelas Desejos de Mulher (2002) e Novo Mundo (2017), é de se lamentar, porém, que não consiga alcançar o mesmo padrão de excelência em suas incursões pela tela grande. A Hora e a Vez de Augusto Matraga (2011), adaptação do clássico de Guimarães Rosa, foi premiado no Festival do Rio, pela APCA e no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, mas amargou anos até conseguir um lançamento comercial. Seu longa seguinte, A Floresta que se Move (2015), era baseado em ninguém menos do que Shakespeare (trata-se de uma versão de Macbeth), e ao mirar tão alto, foi quase inevitável frustrar as expectativas. Mesmo sentimento identificado em O Amante de Júlia, seu mais recente esforço. Afinal, trata-se de um longa que, aparentemente, tem tudo no lugar certo: um elenco de renome, ambientação cuidadosa, fotografia límpida e trilha sonora não intrusa. Porém, o evidente descuidado em relação ao tom das atuações e os tropeços pelos quais o roteiro enfrenta durante quase duas horas de projeção se encarregam de minimizar qualquer possibilidade.

Inspirado no romance O Amante de Lady Chatterley, de D.H. Lawrence, obra já adaptada diversas vezes – a primeira data de 1955, feita na França com Danielle Darrieux, até uma que está sendo filmada agora em 2022, com Joely Richardson e Jack O’Connell como os apaixonados do título – O Amante de Júlia, como o título antecipa, não deixa nada nas entrelinhas. Pelo contrário, se preocupa em oferecer o máximo se exposição possível, indo até o limite entre o didatismo e a subestimação da perspicácia do espectador, que na maior parte do tempo deverá ficar indeciso entre o “sério que precisava de tanta explicação?” e a previsibilidade em demasia. Uma decepção que se torna ainda maior quando se remete a uma das versões mais consagradas – ainda que não assumida – dessa mesma sinopse: Ondas do Destino (1996), de Lars von Trier. No que nesse filme era visto como um embate demolidor de paixões e identidades, por aqui se transforma em birra e vingança, como se cada reação fosse apenas medida pela ação anterior, em movimentos óbvios e com retornos imediatos.

No roteiro de Luiz Alberto Abreu (parceiro frequente da diretora Eliane Caffé, em filmes como Narradores de Javé, 2003, e Era o Hotel Cambridge, 2016), Júlia (Bianca Bin, carente de orientação para qual caminho guiar sua personagem) é uma mulher recém-casada. Porém, no dia seguinte à cerimônia, seu marido (Romulo Estrela, provavelmente o que oferece a construção mais rasa, entregando um personagem plano e dotado apenas das motivações lineares) resolve praticar um esporte radical do alto de uma montanha, e o resultado é drástico: acaba imobilizado da cintura para baixo. O que era para ser o início de uma vida feliz a dois, logo se configura em uma jornada tortuosa e doentia de um casal que parece não mais encontrar motivos para permanecer unido. Por mais que ela tente se aproximar, o homem repudia até mesmo seus toques, recolhendo-se em uma postura sisuda e distante. O que não o impede, porém, de permitir os avanços da massagista terapêutica (Priscila Steinman, também coautora do roteiro, assumindo duas funções, sem cumprir nenhuma a contento). Pela visão de Coimbra, aquilo condenável na postura feminina é visto como natural pelo lado masculino.

Se parece não restar afinidades entre os dois, uma derradeira se manifesta de forma inesperada – e inapropriada: ele acredita ser o momento de ambos terem um filho. Seria adequado pensar numa inseminação artificial – afinal, trata-se de pessoas de alto poder aquisitivo e capazes de bancar tal técnica – ou mesmo em processos de adoção, ele acaba sugerindo algo pelo qual e esposa não esperava: que ela tenha relações com outro homem. O sugerido é Sandro (Matheus Nachtergaele, em participação mínima, mas não menos constrangedora), o amigo gay deles. Esse, aliás, é mais um dos tantos clichês pelos quais a trama não se preocupa em desviar, como trata também de abraçá-los com entusiasmo. Quando a dupla principal discute, termina com o homem esbofeteando a mulher. A melhor amiga dela (Mel Lisboa), por se declarar ninfomaníaca – praticamente no primeiro diálogo – é também apaixonada por Júlia – sem nenhuma consequência para o restante da trama. Fernanda Rodrigues surge apenas para cumprir a posição de ouvido: pouco tem a acrescentar, se contentando em ouvir os desabafos da protagonista. Luísa Arraes e Marcelo Serrado aparecem quando faltam não menos do que uns quinze ou vinte minutos para o fim – o que evidencia uma montagem desequilibrada e um enredo que não privilegia seus atores – apenas para envergarem situações vergonhosas (em ambos os casos). Mas nada se compara à presença de Sergio Guizé.

Alçado à condição de galã, é anunciado como tal desde o início, por mais que tal posição soe inadequada. Ao se apresentar como jardineiro, é aquele pelo qual todas – literalmente – da ala feminina da história se derretem de amores e desejos. Chama atenção, portanto, que demore mais da metade do desenrolar dos acontecimentos até assumir a posição descrita no título do filme. E se uma leitura poderia antecipá-lo como protagonista – ou, ao menos, dono do ponto de vista principal – engana-se quem apostar suas fichas nessa ótica. Entre idas e vindas desprovidas de lógica – uma hora está empregado, na seguinte não mais, para em seguida voltar às atividades originais – que se espelham na inconstância da esposa atormentada – que tem liberdade para sair de casa quando quiser, por mais que tenha apreço em se declarar “aprisionada” pelo casamento – e outros momentos que tendem mais ao riso do que ao drama (Lu Grimaldi poderia ter se poupado de uma cena de masturbação às escondidas por detrás das janelas) e diálogos machistas (“vocês, mulheres, são curiosas, pois são como éguas esperando ser montadas”), O Amante de Júlia é equivocado do início ao fim, seja pela previsibilidade dos eventos que enumera, pela inadequação de sua postura diante do drama no qual deveria se aprofundar e, principalmente, pelo pastiche que se encarrega de transformar um conto que ambiciona reflexões mais intensas do que o soft porn que aqui se verifica.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Grade crítica

CríticoNota
Robledo Milani
3
Francisco Carbone
1
MÉDIA
2

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *