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Sinopse

Falido, abandonado pela esposa e filha, e ainda espancado e deixado para morrer, Augusto Matraga é encontrado por um casal. Cuidado e completamente mudado, ele deixa o local depois de cinco anos, agora um homem temente a Deus, até que seu passado resolve confrontá-lo.

Crítica

Peça fundamental da literatura brasileira, A Hora e a Vez de Augusto Matraga é também um clássico do cinema nacional. Levado às telas pela primeira vez em 1965, a adaptação do texto de Guimarães Rosa foi o grande vencedor do Festival de Brasília – premiado como Melhor Filme, Direção (Roberto Santos), Ator (Leonardo Villar) e Roteiro – e selecionado para o Festival de Cannes do ano seguinte. Pois agora, exatamente cinquenta anos depois, uma nova versão da história de penitência e glória de um cangaceiro pelo sertão mineiro entra em cartaz. E o melhor: sem fazer feio diante de seu antecessor.

Talvez ainda mais curioso do que o que se passa diante às câmeras foi o ocorrido por trás delas. Esse A Hora e Vez de Augusto Matraga atual marcou a estreia de Vinicius Coimbra como realizador e teve sua primeira exibição pública durante o Festival do Rio de 2011 (!). Na ocasião, foi premiado como Melhor Filme, Ator (João Miguel), Ator Coadjuvante (José Wilker), com o Prêmio Especial do Júri pela atuação de Chico Anysio e com o troféu da Escolha da Audiência. De lá pra cá, infelizmente, tanto Wilker quanto Chico Anysio faleceram. Já Coimbra realizou dois novos longas (participou do coletivo Love Film Festival, 2014, e dirigiu A Floresta que se Move, 2015) e muita coisa mudou, menos o impacto desta história. Depois de disputas judiciais envolvendo os direitos da obra e a interferência de descendentes do autor, o filme foi finalmente liberado e entrou em cartaz. Espera-se, agora, que o público faça sua parte e vá atrás desta que tem tudo para ser uma dos melhores opções nacionais do ano.

Realizado com impressionante esmero e cuidado, A Hora e a Vez de Augusto Matraga começa quando o protagonista era apenas Augusto (João Miguel, sempre no limite), um homem violento e decidido. De fala forte e sem aceitar desfeitas, acaba se indispondo com os poderosos da região onde mora, obrigando-o a enviar a esposa e a filha para longe. A intenção era garantir a segurança das duas, mas no caminho a mulher, cansada dessa vida de incertezas, acaba deixando-o e ir viver com outro. Perdido em sua própria angústia e desespero, decide confrontar aquele que acredita ser a causa de sua desgraça, o major Consilga (Chico Anysio, em participação contida e prazerosa), que não só o contém como manda seus capangas darem um filme nele. Abandonado como morto, se recupera com a ajuda de um casal de estranhos. Muitos anos depois, envolto pela fé destes que lhe deram uma nova vida, se depara com o poderoso Joãozinho Bem-Bem (José Wilker, em sua última grande aparição nas telas, saindo de sua zona de conforto e entregando um personagem de grande presença). Os dois travam amizade, mas o destino se encarregará de colocá-los um contra o outro em uma batalha de sangue.

Chama atenção no elenco a participação discreta de nomes que se destacariam neste intervalo entre as filmagens e o lançamento nos cinemas. Irandhir Santos (Quim Recadeiro) e Julio Andrade (um dos jagunços de Bem-Bem) permitem vislumbrar, ainda que em passagens rápidas, um pouco do potencial que explorariam melhor em trabalhos futuros – os dois estiveram juntos, por exemplo, no recente Obra (2014), premiado no Festival de Havana. Vanessa Gerbelli (também co-autora do roteiro) cumpre à contento o que lhe é exigido, mas este é um filme de homens, e tão logo ela sai de cena o foco volta ao protagonista. Matraga é uma figura múltipla, de profunda construção e envolto em controvérsias e desesperos, sentimentos de vingança e justiça que tanto lhe atentam como acalmam. João Miguel defende com empenho seu personagem, dotando-o de força e maleabilidade, a ponto de deixar de ser apenas uma figura emblemática para se tornar tão real quanto a ficção permite.

Com impressionantes cuidados também na direção de arte, figurinos e fotografia, A Hora e a Vez de Augusto Matraga sai mais uma vez das páginas de Sagarana (livro de contos lançado em 1946) e se defende com vigor, mantendo-se ereto e longe da sombra tanto do viés literário quanto da adaptação cinematográfica anterior. Tem-se um filme poderoso, bem realizado e conduzido por atores que agarram com desejo seus personagens, dotando-os de uma universalidade que somente algo tão específico poderia prescindir. Uma brasilidade única, elaborada com cuidado e precisão, indicado tanto aos já familiarizados com seu enredo como também aos que agora se preparam para se aventurar por este mundo bruto e violento, mas também repleto de inesquecíveis surpresas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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