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Sinopse

Elias e Clara são casados. Eles começam a cometer crimes hediondos a fim de garantir o futuro esplendoroso previsto por uma bordadeira. Aos pouco, acabam se tornando vítimas do próprio destino.

Crítica

Após sua conturbada estreia na tela grande em A Hora e a Vez de Augusto Matraga (2011), premiado como Melhor Filme no Festival do Rio, mas lançado nos cinemas quatro anos depois por problemas legais com as herdeiras de Guimarães Rosa, autor do conto original, o diretor Vinícius Coimbra volta ao evento carioca com mais uma adaptação de uma grande obra literária. Só que desta vez, ao invés de promover uma transposição literal do universo proposto no texto, com A Floresta que se Move ele traz o clássico Macbeth, de Willian Shakespeare, para um cenário urbano e contemporâneo, possível de transcorrer em qualquer grande cidade brasileira – a referência imediata é São Paulo, é claro, ainda que essa informação nunca chegue a ficar clara. E se nesse processo ele dá alguns tropeços e toma algumas decisões no mínimo questionáveis, por outro lado merece reconhecimento a iniciativa de exercer por aqui um tipo de cinema ao qual não somos muito afeitos, mas cujo gênero é bastante comum em países de cinematografia mais diversificada.

Os cenários são os mais limpos e assépticos possíveis: muitas linhas retas, decoração minimalista e ambientes impessoais. A economia está também nos espaços ocupados: há apenas a diretoria do grande Banco Andrade e a bela residência de Elias (Gabriel Braga Nunes) e Clara (Ana Paula Arósio), com salas amplas, muitas paredes de vidro e ocupações impessoais – você só sabe que está numa cozinha porque lá está a empregada, pois nada mais denuncia sua funcionalidade. A esposa até ocupa seus dias comandando uma galeria de arte, mas isso é mais um passatempo: seu verdadeiro interesse está no crescente poder do marido dentro da estrutura interna do trabalho que exerce. Ele desfruta de total confiança do patrão, o presidente Heitor (Nelson Xavier), assim como tem como braço direito um amigo de muitos anos, César (Ângelo Antônio), e é íntimo do filho – e herdeiro natural – do chefe, Pedro (Fernando Alves Pinto), uma relação que mantém com interesse, principalmente para garantir que este não possua entre seus objetivos seguir os mesmos passos do pai.

A frieza refletida na paisagem está em conflito com a fervente ambição desenfreada dos protagonistas. Ao chegarem de uma viagem de negócios, Elias e César se deparam com uma bordadeira que lhes faz uma profecia: hoje eles irão ser promovidos, e amanhã poderão ir além, mas não sem pagar um preço por isso. Assim que entram no escritório, a previsão começa a se concretizar: o antigo vice-presidente foi pego em um esquema de corrupção e Elias é designado para ocupar seu cargo, com César sendo convocado para a posição anterior do amigo, como Diretor Financeiro. A surpresa é dividida com a companheira, que lhe pergunta: por quê parar por aí? Diante de uma oportunidade aparentemente única, os dois acabam assassinando Heitor, não sem ela minar até onde foi possível a mente do marido. Os dados foram lançados, o que foi feito não pode mais ser desfeito, e a partir de agora precisarão ir até o fim, custe o que custar.

Coimbra, apesar de experiente profissional da televisão, ainda está dando seus primeiros passos nesse novo formato – este é recém seu segundo longa-metragem. A necessidade de dominar a linguagem é perceptível, mesmo sendo visível sua competência em criar imagens marcantes – como a chuva de sangue que lava os pesadelos de Elias e Clara. No entanto, esta mesma sequência perde sua força logo em seguida, quando um artifício similar dá cabo de um personagem na banheira. O vermelho do sangue, que toma conta de suas culpas e visões, está representado, porém através do uso de certos artifícios um tanto óbvios – a mão que nunca fica limpa, por exemplo, ou o evidente resquício na cena do crime, algo já clichê no gênero. No entanto, sua habilidade em manter o espectador atento ao desenrolar da história é notável, mesmo que essa tenha uma conclusão já sabida – o que importa é como é feito, e não onde irá ter seu encerramento. E é justamente nisso em que o diretor se destaca.

Com participações interessantes de nomes de respeito como Juliana Carneiro da Cunha e Emiliano Queiroz, A Floresta que se Move perde um pouco do seu controle no registro de Ana Paula Arósio – por demais descontrolada, sempre à beira do exagero – e em algumas referências simplistas, como a que dá título ao filme. O trio masculino principal – Gabriel, Ângelo e Nelson – está bem equilibrado, preocupados em manter a dinâmica de suas relações e promover a tensão que surge entre eles. E entre acertos e deslizes, Vinícius Coimbra entrega um filme genérico, mas não que isso seja necessariamente ruim. Afinal, sua universalidade é seu maior bem, e com uma postura mais objetiva na condução da trama e sem perder tempo em algumas opções duvidosas, se teria em mãos um resultado mais relevante. Ou seja, se está no caminho. Só não se chegou lá, ainda.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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