Crítica


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Sinopse

Laurie Strode chega ao seu confronto final com Michael Myers. A figura mascarada a assombra desde 1978, quando ela escapou por pouco de sua matança na noite do Dia das Bruxas.

Crítica

Há três linhas narrativas distintas na saga Halloween, que acompanha o pouco criativo assassino em série Michael Myers, aquele que aos seis anos de idade matou a sangue frio a própria irmã adolescente – só porque ela tinha recém feito sexo com o namorado – e desde então nunca mais parou. A primeira teve início com Halloween: A Noite do Terror (1978) e seguiu até Halloween: Ressurreição (2002), num total de oito filmes. A segunda responde pelos remakes comandados por Rob Zombie – Halloween: O Início (2007) e H2: Halloween 2 (2009) – que recriam basicamente a mesma trama, porém com um elenco distinto. Este Halloween versão 2018 dá início a uma terceira via, que, aliás, começa no mesmo Halloween: A Noite do Terror, porém ignora todas as sequências e refilmagens posteriores, posicionando-se como um ‘capítulo 2’ do original. A questão, no entanto, é uma só: tantas possibilidades abertas, no final das contas, faz alguma diferença? Absolutamente não.

Michael Myers passou os últimos quarenta anos encarcerado, sem pronunciar um único som durante todo esse tempo. “Ele pode falar, apenas não quer”, revela seu psiquiatra. Tamanha barbárie e mistério a respeito de suas motivações levantaram um culto ao seu redor, seja de curiosos, admiradores ou estudiosos. Entre eles estão dois pesquisadores que desejam entrevistá-lo para uma futura publicação a respeito. Como o assassino segue em sua mudez, o próximo passo é ir atrás de Laurie Strode (Jamie Lee Curtis, o verdadeiro ícone em cena, dona de carisma suficiente para justificar o investimento aqui feito), a única das suas vítimas em potencial a ter escapado viva dos seus ataques. Ela mora isolada, sem ninguém por perto, em uma casa no meio do mato transformada em uma verdadeira fortaleza: fechaduras, cadeados, câmeras, alarmes e um armário carregado de munição é o que a cerca.

Feito exatamente aos moldes das produções que tanto sucesso fizeram nos anos 1980, o novo Halloween dá um passo além do quesito reverência, não reproduzindo apenas o espírito daqueles títulos, mas também seu formato e ambição. A edição repleta de fade ins e fade outs, a trilha sonora exagerada e pontuada, as atuações propositalmente canastronas: tudo se faz presente. O problema é que, ao invés de apenas servir como homenagem, o filme escrito pelo comediante Danny McBride e dirigido pelo irregular David Gordon Green termina por se curvar ao objeto ao qual deveria se espelhar, resultando não em uma recriação, mas em uma cópia: não mais do que um pastiche, que acaba resvalando nos mesmos problemas e equívocos dos seus antecessores. Afinal, quatro décadas se passaram, e por mais que se tente emular a mesma experiência de antes, o público já não é mais o mesmo, e não há discurso sem que se estabeleça uma boa sintonia entre interlocutor e ouvinte/receptor.

Assim sendo, a originalidade é mandada para o espaço e o espectador é convidado a se deparar com as mesmas fórmulas de quase meio século atrás. Loiras com o tesão em alta são eliminadas sem cerimônia, o monstro que se recusa a correr ou mostrar seu verdadeiro rosto segue implacável e do seu olhar (quase) ninguém escapa, sem falar na incompetência generalizada daqueles que deveriam mantê-lo sob controle: o médico que ao invés de tratá-lo como um caso perdido prefere vê-lo como um exemplo a ser seguido, a polícia que não consegue identificar uma boa pista na frente do nariz e oficiais aparentemente incapazes até mesmo de disparar suas armas na direção correta, servindo mais como próximas vítimas do que como homens da lei e da segurança. Há, aqui e ali, tentativas de modernizar a trama – o casal de adolescentes que prefere ela se vestir de menino e ele de garota na festa à fantasia, os policiais que discutem técnicas culinárias durante a tocaia – mas tudo tão insípido que pouco reflexo exerce sobre o resultado final.

Mas há um elemento, ao menos, que é potencializado: o empoderamento feminino. Pois Laurie não está mais sozinha, e agora possui a ajuda da filha, Karen (Judy Greer, que convence até na reviravolta de última hora), e da neta, Allyson (Andi Matichak, vista antes na série Orange is the New Black, 2015). Ainda que um tanto anticlimático – é preciso muito sofrimento até que o bem (aparentemente) triunfe – tanto pela rapidez em seu desfecho como pela resolução anunciada com antecedência e sem surpresas. Mesmo assim, é gratificante ver um trio de mulheres, de diferentes gerações, dando uma merecida lição a uma besta sem perdão. No mais, resta a certeza de que David Gordon Green – que assinou sucessos como a comédia Segurando as Pontas (2008) ou os dramas Joe (2013) e Prince Avalanche (2013), pelo qual chegou a ser premiado no Festival de Berlim – segue em um curso derivativo de sua carreira, mantendo o ritmo problemático dos anteriores Especialista em Crise (2015) e O Que Te Faz Mais Forte (2017). Afinal, a nostalgia é bacana no começo e mantem-se por alguns minutos, mas nada que resista por quase duas horas de mais do mesmo, literalmente.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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