Crítica
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Sinopse
Antes de falecer, o milionário Sir Reginald Hargreeves adotou sete crianças a fim de treiná-las para combater o mal. Depois que morre misteriosamente, esses jovens habilidosos unem suas forças para seguir o caminho para o qual seu pai adotivo os criou e acabam se envolvendo em um mundo muito mais perigoso do que imaginavam ser possível.
Crítica
Famílias de super-heróis não chegam a ser, exatamente, uma novidade no universo das histórias em quadrinhos e adaptações do gênero. Portanto, o anúncio de que The Umbrella Academy seria adaptada em formato de série pela Netflix pode não ter deixado todos os aficionados nervosos de ansiedade. Porém, ao contrário do que geralmente acontece nestes casos, o que acompanhamos durante os dez episódios desta primeira temporada é uma trama completa, com início, meio e (quase) fim, ao invés do que simplesmente uma história de origem, um desfile de personagens exóticos ou mesmo um compêndio de aventuras isoladas. Tem-se aqui, portanto, um tomo inaugural, algo que deverá, imagina-se, ser melhor explorado nos anos seguintes, mas que, ao mesmo tempo, se mantém em pé por méritos – e esforços – próprios, além de conseguir, com certa habilidade, subverter algumas das convenções mais utilizadas por esta linha de entretenimento. E por isso, além de outros elementos à parte, a atenção dispensada durante as quase dez horas de sua trama terminam por justificar tamanho mergulho.
Adaptado para a televisão por Jeremy Slater – roteirista de desastres como Quarteto Fantástico (2015) e Death Note (2017) – The Umbrella Academy é baseado na graphic novel escrita por Gerard Way (vocalista da banda My Chemical Romance) e desenhada pelo brasileiro Gabriel Bá, vencedora do Prêmio Eisner (o ‘Oscar’ dos quadrinhos) como Melhor Minissérie em 2008. Essa primeira temporada é baseada, em sua maioria, no volume inicial da saga, chamado de A Suíte do Apocalipse. Nela, somos apresentados a um universo alternativo no qual, em meados do século XX, quarenta e três crianças foram geradas espontaneamente num mesmo dia – naquela manhã suas mães não estavam grávidas, mas antes do anoitecer se encontravam em trabalho de parto. Sete delas foram adotadas pelo milionário Sir Reginald Hargreeves (Colm Feore), que passou a treiná-las para que conseguissem desenvolver habilidades especiais. Luther, o número um, tem superforça, enquanto que Diego, o dois, possui uma mira certeira. Allison, a três, é capaz de fazer com que qualquer pessoa a obedeça, enquanto que Klaus, o quatro, tem o dom de falar com os mortos. O Número Cinco consegue se deslocar no tempo e espaço, enquanto que Ben, o seis, possui um monstro dentro de si. Vanya, a sete e última, é a única, aparentemente, desprovida de talentos extraordinários.
Após uma rápida – e eficiente – apresentação, somos jogados no centro do enredo: Hargreeves está morto, e os filhos adotivos, que há muito haviam abandonado a Academia e atualmente levavam vidas em separados, se veem, mais uma vez, reunidos sob um mesmo teto. Luther, também conhecido como Spaceboy (Tom Hopper, de Game of Thrones, 2017) volta, literalmente, da lua, transformado em um gigante com aspecto semelhante a um gorila. Diego (David Castañeda, de Sicario: Dia do Soldado, 2018) é o único que segue na luta contra o crime, enquanto que Allison (Emmy Raver-Lampman) abandonou seu poder e hoje é reconhecida como uma grande estrela de Hollywood. Klaus (Robert Sheehan) é tão atormentado pelos espíritos ao seu redor que prefere se refugiar no mundo das drogas, enquanto que Ben (Justin H. Min) morreu misteriosamente – e o irmão é o único com quem ele pode se comunicar. E se Cinco (Aidan Gallagher) está desaparecido, é curioso ir descobrindo, aos poucos, o verdadeiro valor de Vanya (Ellen Page), que se afastou do resto da família e agora é uma violinista em busca de reconhecimento.
Quando Cinco retorna, após mais de uma década sem dar sinal, com o mesmo aspecto infantil de tantos anos atrás, uma novela de idas e vindas no tempo começa a ser revelada. O mais importante, no entanto, é o que ele viu no futuro: um apocalipse que colocará fim a tudo o que conhecem, inclusive a eles próprios. Para isso, possuem poucos dias para evitar que tal tragédia aconteça. Como pistas para guiá-los, ele trouxe consigo um olho protético ainda não fabricado, e pouco além disso. Ao mesmo tempo, precisam lidar com suas diferenças, como a eterna disputa por liderança em Luther e Diego, a o desprezo com que todos tratam Klaus, o amor que esse perdeu numa realidade alternativa, a separação de Allison e o afastamento dela da filha única, a mãe-robótica que segue tratando a todos como se fosse crianças e o macaco inteligente que conhece os segredos de cada um deles, mas segue agindo como se estivesse em meio a uma intrincada partida de xadrez.
Mas há mais, e quando Hazel (Cameron Britton, de Mindhunter, 2017) e Cha-Cha (Mary J. Blige) surgem no encalço do Número Cinco, logo fica claro que ele não está revelando tudo o que sabe. Assim como a presença da representante dos Consultores do Tempo (Kate Walsh, de Grey’s Anatomy, 2005-2012) ou o novo namorado de Vanya, Leonard Peabody (John Magaro, de Carol, 2015), cuja verdadeira agenda nunca chega a ficar clara. Esse, aliás, parece ser o maior problema de The Umbrella Academy: um excesso de personagens, sendo que nem todos demonstram ter verdadeira função no desenrolar dos acontecimentos. Por outro lado, somente o fato de não termos um vilão declarado, e de que a verdadeira ameaça acaba por surgir de dentro do ambiente familiar, e não vinda de um contexto externo, por mais previsível que a partir de determinado ponto isso se revele, é antes de mais nada uma mudança atraente, que injeta dinamismo na narrativa e aumenta o potencial em relação aos desdobramentos futuros.
Se Ellen Page é o nome mais conhecido do elenco, ela demonstra segurança para garantir essa condição. Por outro lado, é de se questionar o que teria motivado Mary J. Blige a aceitar esse convite, ainda mais logo após sua dupla indicação ao Oscar no ano passado. Entre os demais, Robert Sheehan se sai melhor aqui do que na fantasia Máquinas Mortais (2018), enquanto que tanto Cameron Britton quanto o jovem Aidan Gallagher são boas surpresas, garantindo um interesse renovado cada vez que surgem em cena. Ainda assim, por mais que os roteiristas e diretores se esforcem para não deixar (muitas) pontas soltas em sua resolução, é evidente que o desfecho oferecido serve apenas para aumentar a curiosidade em relação ao que deverá acontecer com cada um dos sobreviventes em uma eventual – e esperada – segunda temporada. Enquanto isso, o que se tem é um conto – até certo ponto divertido – de sobrevivência e, acima de tudo, convivência, muito mais entre personalidades tão distintas do que a respeito delas com o resto do mundo. Um ponto de vista muitas vezes excludente, mas, ainda assim, capaz de produzir de feitos singulares. E por isso, antes de qualquer outra coisa, o investimento se confirme digno de atenção.
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