Crítica


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Sinopse

Antes de falecer, o milionário Sir Reginald Hargreeves adotou sete crianças a fim de treiná-las para combater o mal. Depois que ele morre misteriosamente, os jovens habilidosos unem forças para seguir o caminho para o qual seu pai adotivo os criou e acabam se envolvendo em um mundo muito mais perigoso do que imaginavam ser possível.

Crítica

Quando estreou, em 2019, The Umbrella Academy chegou ao catálogo da Netflix como uma das apostas mais altas da gigante do streaming. E não apenas por ser mais uma série com protagonistas adolescentes – quer dizer, ao menos alguns deles estão nessa faixa etária – mas também por abordar o universo dos super-heróis, tão em alta após o sucesso do Universo Cinematográfico Marvel e já visitado pela produtora em outras de suas produções originais, mas compartilhadas com a Casa das Ideias, como Demolidor (2015-2018) e afins. Como essas devem abandonar a plataforma num futuro não muito longe – afinal, Disney+ vem aí, não é mesmo? – era mais do que urgente a consolidação de marcas próprias que fizessem uso de elementos similares. Não por acaso, somente em 2020 longas como The Old Guard e Power já foram lançados, ambos com resultados consideráveis. É neste cenário, portanto, que a segunda temporada chega, não mais como desbravadora buscando preencher um espaço que logo estaria vago, mas como carro-chefe de um mercado cada vez mais congestionado.

Criada pelo norte-americano Gerard Way – cantor e compositor, líder da banda My Chemical Romance – e pelo brasileiro Gabriel Bá, The Umbrella Academy venceu o Prêmio Eisner (o “Oscar” das histórias em quadrinhos) de Melhor Minissérie em 2008. Com apenas 15 edições – há promessas de que outras deverão ser publicadas em breve – é compreensível que a maior parte das histórias ilustradas nos gibis tenham sido aproveitadas no primeiro ano do programa. Com isso, essa segunda leva tinha um novo desafio: partir de personagens conhecidos – o que os livrou do fardo de passar mais uma vez pelas enfadonhas tramas de ‘origem’ – mas com a missão de inseri-los em um contexto novo, não explorado nem mesmo nos desenhos. Esse feito é atingido apenas em parte. Se por um lado o espectador é convidado a vê-los mais soltos e à vontade com seus poderes, também acaba se deparando com enredos circulares, que demoram em abandonar decisões anteriores e se jogarem por estradas não percorridas.

A Academia do Guarda-Chuva foi concebida por Reginald Hargreeves (Colm Feore), um milionário excêntrico, e era formada por sete órfãos, todos nascidos no mesmo dia, que adotou como se fossem seus filhos. Luther (Tom Hopper, de Game of Thrones, 2017) é o homem-macaco, pois teve seus genes misturados com os de símios, e além da superforça e da aparência peluda, também passou grande parte da sua existência na Lua. Diego (David Castañeda, de Sicario: Dia do Soldado, 2018) é um exímio lutador, além de capaz de alterar as probabilidades a seu favor. Allison (Emmy Raver-Lampman, de A Million Little Things, 2018) consegue alterar as vontades de qualquer pessoas e obrigá-las a fazer o que deseja apenas ao pronunciar as palavras “eu ouvi dizer que...” e sua ordem logo em seguida. Klaus (Robert Sheehan) é capaz de falar com os mortos – literalmente – e Ben (Justin H. Min, de New Amsterdam, 2020), além de guardar um polvo gigante dentro de si, está morto, então é a pessoa ideal para provar o dom que o irmão possui. Por fim, temos ainda o Número Cinco (Aidan Gallagher, visto em Modern Family, 2013), que consegue se deslocar no tempo e no espaço, em “pulos” no estalar de dedos, e Vanya (Ellen Page), a mais poderosa de todos – e este é o grande ‘segredo’ que agora todos estão a par.

Afinal, se na temporada 01 o fim do mundo acontecia justamente pela explosão de Vanya, que foi levada a acreditar que era diferente dos irmãos, desprovida de qualquer habilidade especial, porque o pai não sabia como lidar com o potencial da garota, dessa vez o temor do grupo segue o mesmo – um apocalipse que se anuncia – porém em cenário, e condições, bastante diversas. Ao viajarem no tempo no último segundo, conseguiram fugir dos caos que colocaria fim em tudo no ano de 2019. Acontece que foram parar, cada um de um jeito diferente, em épocas e situações distintas do Texas do início dos anos 1960. Quando se reúnem, estão às vésperas de um dos assassinatos mais famosos da história – o do presidente Kennedy. Se evitarem o crime, mas o atentado ainda acontecer, o governo colocará a culpa nos russos – lembre-se que este período era o ápice da Guerra Fria – e uma Terceira Guerra Mundial eclodirá, com bombas atômicas sendo lançadas por ambos os lados. No entanto, também não podem ficar de braços cruzadas esperando que o pior aconteça – além da necessidade de voltarem para a casa e para o ano de origem deles. Para complicar mais, há os laços que estabeleceram naquele período específico, complicando – e incrementando – a passagem deles por ali.

É neste ponto em que The Umbrella Academy ganha pontos em relação ao ano anterior. Pois se antes tudo era novo, e cada descoberta precisava ser revelada com parcimônia, agora este é um receio que não mais existe. Eles estão juntos, e precisarão aprender a conviver como irmãos, pois possuem um interesse em comum maior do que qualquer uma das suas particularidades – por mais que essas sigam existindo. Estas, por outro lado, foram potencializadas e ajustadas de acordo com o perfil deles. Klaus abraçou uma hipersexualidade latente, Diego se envolveu com uma paixão como nenhuma outra, Allison participará ativamente de movimentos de igualdade racial e Vanya irá se apaixonar pela primeira vez – e, agora, de verdade, sem mentiras ou segundas intenções. Número Cinco, vivido pelo mais jovem dos sete atores, é também o mais maduro dos personagens, e usa presença na liderança torna a dinâmica entre eles mais interessante. Por fim, não se pode esquecer da participação hipnotizante de Kate Walsh, que como a Gestora deixa de ser apenas uma figura curiosa – e dona de figurinos mais deslumbrantes do que os do elenco de Jogos Vorazes – para assumir o posto da vilã-mor, o que lhe cai muito bem, aliás.

Sem conseguir uma divisão harmônica entre todos, alguns acabam sendo privilegiados – como os que ganham linhas narrativas próprias – enquanto outros são colocados a escanteio – como Luther, praticamente sem ter o que fazer durante os dez episódios, ou mesmo Reginald, que apenas no final volta a se manifestar com a mesma importância do primeiro ano, como que num indício do que poderá acontecer caso a série seja novamente renovada. Se isso esvazia um pouco a força do conjunto, por outro explora com sagacidade aqueles com maior potencial, sem falar que o enredo não fica reduzido a apenas uma única ameaça a ser controlada – ou eliminada. Há outros temas em debate, alguns urgentes – homofobia, racismo – e outros mais pontuais – autismo, distanciamento social – mas todos com igual relevância em um momento ou outro. No conjunto, The Umbrella Academy se apresenta ainda mais coeso nesta segunda temporada, indo além das promessas iniciais e apontando para um futuro não apenas promissor, mas também merecidamente instigante.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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CríticoNota
Robledo Milani
7
Edu Fernandes
8
MÉDIA
7.5