Crítica


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Sinopse

Mesmo relutante em deixar o marido e a filha para trás, uma astronauta norte-americana embarca numa missão perigosa, integrando uma tripulação internacional com objetivos absolutamente audaciosos no espaço.

Crítica

A premissa é curiosa. Afinal, quem não se interessaria em acompanhar a primeira viagem do ser humano até Marte? É um diferencial e tanto, ainda mais num cenário cada vez mais congestionado por jornadas espaciais – apenas nos últimos meses, enfrentamos as filosofias de High Life (2018) e de Ad Astra (2019), a comédia de Avenue 5 (2020) e de Space Force (2020), ou mesmo a realidade paralela de For All Mankind (2019), por exemplo. Away, porém, decide deliberadamente não fazer uso desse artifício, ignorando-o na maior parte da sua trama, optando, no lugar, por se concentrar nos dramas pessoais não apenas dos cinco tripulantes, mas também nas trajetórias daqueles que estes deixaram para trás. Ao se reduzir ao conceito da distância e da separação, restringe-se a um ambiente de muito trânsito, e que por isso mesmo, necessitaria de um olhar diferenciado para se mostrar válido. Algo que, infelizmente, termina por não se comprovar.

O roteirista e produtor Andrew Hinderaker, que no passado se envolveu com programas como Penny Dreadful (2016), agora deixa de lado a fantasia para se focar em assuntos mais terrenos – por mais que isso soe contraditório frente a uma série cuja maior parte da ação se passa no espaço. Isso porque, ao mesmo tempo em que há um enfoque na jornada, há também uma constante busca pelo balanço entre o lá e o cá, entre os que se foram e os que ficaram. Nenhum dos astronautas está totalmente isolado no mundo, e desde familiares até lembranças de entes queridos irão acompanhá-los nessa missão. A partir dessa estrutura, todos acabam tendo destaque no enredo, seja pela importância que vão assumindo dentro dos contextos apresentados, ou mesmo pelo cálculo quase matemático dos roteiristas em oferecer a cada nome do elenco o mesmo tempo em cena – ainda que nem todos mereçam esse esforço.

Uma das poucas atrizes vivas vencedoras de dois Oscar como protagonista, Hilary Swank nunca conseguiu aproveitar no cinema essa condição conquistada às duas penas. Tentou de (quase) tudo: dramas históricos (O Enigma do Colar, 2001), aventuras apocalípticas (O Núcleo, 2003), thrillers detetivescos (A Dália Negra, 2006), terror (A Colheita do Mal, 2007) e até cinebiografias (Amélia, 2009), mas nada parece ter funcionado muito bem. Depois de um tempo meio que desaparecida, em que fez não mais do que participações especiais em filmes como Logan Lucky (2017) e A Caçada (2020), retorna agora à telinha após a frustrante experiência de Trust (2018). Se esse projeto anterior contava com a direção de um cineasta também vencedor do Oscar (Danny Boyle) e a companhia de nomes como Donald Sutherland e Luca Marinelli, dessa vez o máximo que encontra ao seu alcance é a presença segura de Josh Charles, um veterano da televisão norte-americana. No papel do marido, ele por vezes ameaça assumir o centro das atenções, tão forte e catalisadora é a sua presença – algo que ela, infelizmente, não consegue alcançar com o mesmo impacto, seja pelo personagem fraco que tem em mãos, ou mesmo por sua inadequação diante dos desenlaces da trama.

Swank surge como Emma Green, uma astronauta que sempre sonhou com essa responsabilidade. Dedicada e comprometida, acaba sendo escolhida para liderar o grupo que inclui ainda o russo Misha Popov (Mark Ivanir, de The New Pope, 2019), a chinesa Lu Wang (Vivian Wu, de O Livro da Cabeceira, 1996), o inglês, nascido em Gana, Kwesi Abban (Ato Essandoh, de Contos do Loop, 2020), e o indiano Ram Arya (Ray Panthaki, de Segredos Oficiais, 2019). Como se percebe, não apenas deve comandar outras quatro pessoas bem diferentes dela, mas também ser capaz de coordenar esforços multinacionais, cada um atendendo a uma especialidade distinta: há o médico, o biólogo, o engenheiro, etc. Outra questão importante, não apenas para ela, mas para os demais envolvidos, é que tal passeio irá levar três anos, entre ida, estada e retorno. Como abandonar suas famílias, amigos, filhos e amantes por tanto tempo, numa viagem com grandes probabilidades de dar errada? É algo que não se pode – ou, ao menos, não se deveria – partir de uma decisão mal pensada.

No entanto, no primeiro sinal de adversidade, Emma logo vê suas convicções serem questionadas, num arrependimento que a toma por completo. Chega a dizer: “quero desistir, preciso voltar para casa”, como se tal gesto fosse possível. E se nem ela parece segura das suas decisões, como aqueles que deveria liderar seguirão tranquilos em suas posições? Ao mesmo tempo, a narrativa se divide com o que se passa em Terra. Emma precisa se preocupar com o marido, que por causa de um problema genético acaba ficando imobilizado da cintura para baixo em uma cadeira de rodas, além da filha adolescente, em volta com questões como rebeldia juvenil e a descoberta do primeiro amor. Misha tem uma relação complicada com a filha e com os netos, Kwesi foi criado por pais adotivos, Ram sonha com o irmão que morreu na adolescência e Lu se divide entre o filho e o marido, ambos na China, e uma nova paixão que descobriu durante o treinamento nos Estados Unidos. Além disso, há uma série de problemas que vão ameaçando a segurança dos viajantes, como falta de água, uma tecnologia que não funciona como o esperado, e por aí vai.

A questão é que, apesar da história aparentemente simples e de terem em mãos apenas 10 episódios para desenvolvê-la, Hinderacker e sua equipe tratam de recair em estruturas confortáveis, como “a crise da semana” ou o “episódio do fulano ou do beltrano”, e assim por diante. Tudo é muito dividido, sem excessos e nem maiores preocupações. Algo está sempre dando errado – seja no espaço, ou na Terra – mas nada é tão grave que não possa ser contornado até o final do capítulo. E sobre Marte, o que resta? A expectativa de uma segunda temporada, pois essa inicial é inteiramente tomada com a ida, apenas – somente no último episódio o objetivo, que aos poucos vai se transformando, de uma forma ou de outra se completa. Hilary Swank, ao menos, mantém o status de estrela, e os demais, mesmo sem muito o que fazer, conseguem apresentar performances coesas e capazes de manter a atenção do espectador. É uma novela, cheio de melodrama e tensões não muito relevantes, mas suficientes para que o todo não seja em vão. Diante do potencial, poderia ter sido muito mais interessante, caso tivessem ousado e abandonado certas zonas de conforto. Bonitinho, mas também bastante ordinário.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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