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Sinopse

Em 1997, o famoso estilista Gianni Versace foi morto na escadaria de sua mansão pelo serial killer e garoto de programa Andrew Cunanan. Além de analisar o assassinato do designer, a temporada mergulha no trabalho da polícia e do FBI, sobretudo nos fracassos na busca pelo criminoso e no relato do sofrimento dos famíliares de suas vítimas.

Crítica

Após dois primeiros episódios que indicavam uma divisão de interesses entre a figura que dá título à essa temporada – o estilista Gianni Versace – e o homem responsável pelo seu assassinato – o jovem Andrew Cunanan – o criador Ryan Murphy e seus diretores optaram, nos capítulos seguintes, por se debruçar na vida pregressa deste rapaz de origem até então desconhecida. Parecia uma ideia interessante, ao menos a princípio. Afinal, quem era este aventureiro sexual e psicótico e o que o levou a dar fim a um dos estilistas mais inovadores do final do século XX? No entanto, o quinto episódio de American Crime Story: The Assassination of Gianni Versace serviu para eliminar dúvidas e deixar apenas uma coisa clara: sem muito material em mãos, os realizadores decidiram seguir pelo caminho das elucubrações e devaneios, tal qual o verdadeiro protagonista desta trama – Cunanan, e não Versace – afastando-se cada vez mais de uma interpretação de fato relevante dos eventos aos quais supostamente deveriam se ater.

Em The Man Would Be Vogue (E01), vimos o assassinato. No seguinte, Manhunt (E02), passamos à perseguição do assassino. A Randon Killing (E03) e House By The Lake (E04) serviram para investigar as vítimas anteriores de Cunanan – Versace foi o quinto a ser assassinato por ele. O que Don’t Ask, Don’t Tell (E05) teria a oferecer de novo, portanto? Uma continuidade nas denúncias do que Murphy acredita, imagina-se, serem os verdadeiros culpados por todas estas mortes. De forma nada discreta – bastante óbvia, aliás – ele demonstrou nos episódios iniciais o quanto a polícia tem também sua parcela de responsabilidade nestes crimes, justamente por não se dedicar com afinco à caça do assassino por serem as vítimas homossexuais. Homofobia e preconceito, em plenos anos 1990, estavam mais em alta do que nunca. Eram, portanto, crimes “menores”, que não mereciam a mesma atenção dos demais. Isso, é claro, até uma celebridade ser incluída na lista, despertando o interesse da mídia.

Após dois capítulos sem dar as caras, Versace está de volta. Porém, sua presença ainda é subaproveitada, servindo mais para estabelecer um contraponto ao que realmente interessa ao diretor Daniel Minahan (de séries como Game of Thrones, 2011-2013) – o nascimento de um assassino, no caso, Cunanan, ao invés da repercussão da morte de uma pessoa não apenas célebre, mas também fortemente identificada com a causa LGBT. Em Don’t Ask, Don’t Tell, primeiro vemos Versace (Edgar Ramirez, no seu melhor momento na série até então) discutindo com sua irmã, Donatella (Penelope Cruz, em aparição relâmpago) sobre a importância de se assumir. Não em família, não com os amigos, mas em público. O risco de uma marca gigantesca simplesmente afundar pela necessidade do seu criador de se posicionar quanto à sua identidade sexual. A isso se segue a uma entrevista em que comparece ao lado do companheiro de anos, Antonio (Ricky Martin, discreto). Na última hora, antes de aparecer diante das câmeras, Gianne chama o amante para estar ao seu lado. Os dois não são colegas: são um casal.

Paralelamente a isso, acompanhamos a vida de Cunanan (Darren Criss, que segue monocórdio) ser, rapidamente, desmantelada. Pelo que se percebe, a paixão que desenvolve pelo arquiteto David (Cody Fern, seguro) – sua segunda vítima, como ficamos sabendo em House By The Lake – é fruto muito mais da sua imaginação e de suas inseguranças do que resultado de um relacionamento que foi construído com o tempo. Muito contribui para isso o envolvimento com Jeffrey Trail (Finn Wittrock, o primeiro a ser morto por ele), amigo de David e quem o apresentou. Ator em ascensão em Hollywood, tendo participado de sucessos como La La Land (2016) e A Grande Aposta (2015), Wittrock foi indicado ao Emmy por sua participação em American Horror Story (2015), outra série de Murphy. Com seu nome e talento, era de se estranhar, mesmo, que seu envolvimento em American Crime Story fosse apenas aqueles poucos minutos em que o vimos no episódio anterior. Aqui, em Don’t Ask, Don’t Tell, ele retorna quase como protagonista. É ele o militar – a quem o título faz clara alusão – em conflito sobre a decisão de se assumir ou não perante seus superiores no exército. Uma ligação, como se percebe, forçada e até mesmo desnecessária.

A vida de um militar não é fácil. A vida de um estrangeiro nos Estados Unidos também não é simples, mesmo sendo ele um gênio criativo. Em ambos os casos, a sexualidade de cada um não deveria influenciar – nem para o bem, muito menos para o mal. Mas essa não é a realidade em que vivemos. Agora, o ato de se assumir com certeza é muito diferente para um estilista mundialmente reconhecido ou para um jovem oficial que ambiciona uma carreira no exército. Entre estes dois, há um garoto perdido, cujos desenlaces os colocará lado a lado como vítimas dos seus atos. Andrew Cunanan deu fim à estas duas vidas. Porém, isso é tudo o que os une. A segunda temporada de American Crime Story até tenta propor discussões interessantes, mas elas não se sustentam em argumentações válidas ou elementos consistentes. Parece mais um exercício de voyeurismo do que uma reflexão cuja profundidade se justifique. No entanto, ainda restam quatro capítulos até o final desta temporada. Há tempo, portanto, para que esta percepção se modifique. Ou já seria tarde demais?

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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