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Sinopse

Em 1997, o famoso estilista Gianni Versace foi morto na escadaria de sua mansão pelo serial killer e garoto de programa Andrew Cunanan. Além de analisar o assassinato do designer, a temporada mergulha no trabalho da polícia e do FBI, sobretudo nos fracassos na busca pelo criminoso e no relato do sofrimento dos famíliares de suas vítimas.

Crítica

Quem estaria interessado em assistir a um programa intitulado Os Crimes de Andrew Cunanan? Andrew quem? Mais de vinte anos após a sua morte, é tarefa árdua encontrar alguém que lembre do nome deste rapaz – no máximo, o que ele fez. Provavelmente, Ryan Murphy pensou o mesmo, e por isso tenha optado por O Assassinato de Gianni Versace, um nome mais comercial, porém menos fidedigno ao que se está conferindo no decorrer dos episódios. Ainda mais após o quarto capítulo, House by the Lake, que assim como o anterior, é totalmente centrado na figura de Cunanan, sem nem ao menos uma única visão de Versace e os seus próximos. E se antes tal opção pareceu ser corajosa, agora ela revela apenas enganadora.

A estratégia parece ser simples: evite culpar a vítima, portanto, vai-se de encontro ao real culpado. Se a minissérie fosse inteiramente focada na vida, na obra e, principalmente, na rotina íntima de Gianni Versace, não causaria espanto se espectadores mais conservadores logo tratassem se apontar um dedo acusador, afirmando “também, esse aí pediu o fim que teve”. Murphy, criador da série, sabe disso. Porém, ao invés enfrentar esse paradigma, ele basicamente decidiu correr em direção oposta, evitando-o a todo custo. Versace levava uma vida de excessos, além de ser homossexual assumido em uma época que poucos tinham coragem para tal. Andrew, por sua vez, era um garoto perdido – mais em sua própria mente, como estamos descobrindo, mas ainda assim. Vários iguais a ele devem ter cruzado pelo caminho do estilista. O que aconteceu de diferente no encontro dos dois, então?

Ninguém sabe. E nem saberá. E Murphy também não demonstra interesse por essa investigação – ao menos não até agora. O fato é que Cunanan se matou antes de ser preso, e não deixou nenhuma explicação para os seus atos. E que Gianni foi o quinto – e último – dos assassinatos que cometeu. Em A Random Killing (E03), descobrimos como foram a terceira e quarta morte. Seguindo o caminho cronológico inverso, agora somos confrontados com os dois assassinatos iniciais do serial killer. Primeiro, um amigo com quem teve um flerte eventual, Jeffrey Trail (Finn Wittrock, visto em filmes como Invencível, 2014, e A Grande Aposta, 2015, aqui em participação mínima e desperdiçada). O segundo, seu namorado na ocasião, o jovem arquiteto David Madson (Cody Fern, de The Tribes of Palos Verdes, 2017). Um é morto por ciúmes. O outro, por desespero.

Murphy segue insistindo na tecla de que Versace só foi o ponto final de uma trilha de assassinatos que só foram possíveis devido à incompetência e, principalmente, homofobia dos policiais envolvidos no caso. Essa visão havia sido explorada circunstancialmente nos episódios anteriores. Aqui, no entanto, ela chega ao estereótipo, com oficiais da lei caricatos, oferecendo não mais do que caretas e resmungos. Andrew Cunanan segue como o papel mais complexo da carreira de Darren Criss, porém a situação não parece estar nada melhor para ele. Do tom de voz monocórdio ao olhar sem alterações, ele dá a impressão de acreditar firmemente que o nada que assume em seu rosto é o melhor caminho para criar um personagem tão controverso. O resultado é tão frustrante quanto problemático.

Jeff é morto à marteladas porque Andrew suspeita que ele e David estejam tendo um caso. Esse, após presenciar a atrocidade, entra em estado de choque – e parece não mais se recuperar durante todo o episódio. Com narrativa linear, o diretor Daniel Minahan (indicado ao Emmy por House of Cards, 2017) deixa óbvio que ele teve várias oportunidades para fugir, mas algo parecia mantê-lo ao lado do amante assassino. No entanto, acaba escolhendo o pior dos momentos, e termina por pagar por isso. Nesse meio tempo, somos confrontados com passagens de pieguice pura – a relação desta vítima com o próprio pai é pura especulação com fins maniqueístas e possui relevância zero ao conjunto que deveria estar sendo armado – com outras dignas do mais verdadeiro melodrama latino – chorar no meio do bar por causa de uma música? É preciso recorrer a um recurso tão básico para mostrar alguma camada na personalidade de Cunanan? E assim a segunda temporada de American Crime Story segue em sua rota fora dos trilhos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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