Crítica


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Sinopse

Ao mesmo tempo em que luta para se livrar de uma vida familiar conturbada, Andrew Cunanan passar a sonhar muito mais aprazível aos seus sonhos grandiosos e distantes da própria realidade. Enquanto isso, Gianni Versace sente que o fim pode estar próximo, e por isso decide treinar sua irmã, Donatella, para que no futuro ela possa assumir o controle dos negócios.

Crítica

A calmaria que antecede a tempestade. Assim pode ser descrito o penúltimo episódio da segunda temporada de American Crime Story, série que a cada ano apresenta uma trama completamente independente e inédita. A de agora, equivocadamente chamada de The Assassination of Gianni Versace, ao invés de se focar no crime que se tornou notícia no início dos anos 1990 e que resultou na morte de um dos maiores estilistas do nosso tempo, preferiu, no decorrer dos seus episódios, centrar suas atenções mais no assassino – o desconhecido Andrew Cunanan – do que na vítima – Gianni Versace – a celebridade por quem as audiências, ao menos à princípio, teriam interesse em descobrir um olhar mais aprofundado. E este capítulo, Creator/Destroyer, é mais um passo em falso rumo a um destino que pouco ou quase nada tem a oferecer àqueles que nele decidirem despender qualquer tipo de análise.

Creator/Destroyer significa, literalmente, Criador/Destruidor. Provavelmente, de todos os episódios desta temporada, esse seja o que mais coloque em evidência a necessidade do criador Ryan Murphy em propor um paralelo entre Versace (o criador) e Cunanan (o destruidor). Porém, assim como se sucedeu anteriormente, essas intenções acabam restritas mais ao campo das possibilidades do que das concretudes. Logo de início, nos deparamos com Gianni ainda criança (Billy Cruz) e as primeiras lições que recebe da mãe, Franca (Francesca Fanti). Ela era costureira, e o menino, desde pequeno, se interessava pela atividade. E se essa afeição o tornava motivo de chacotas na escola, em casa a situação era diferente: “prometi a mim mesma que meus filhos seriam exatamente aquilo que quisessem”, afirma a progenitora, em tom profético.

Infelizmente, isso é tudo que temos da família Versace. Nada de Edgar Ramirez, Penelope Cruz ou Ricky Martin. Os nomes de maior destaque no elenco nem chegam a dar as caras. Após essa pequena parada na Itália do início dos anos 1950, somos levados a um pulo de quase trinta anos, para o final dos anos 1970 / início dos 1980. Chegamos aos Cunanan, e toda a ambientação naturalista se desfaz, em nome de uma atmosfera forçadamente fantasiosa. O pai (Jon Jon Briones) era um lunático com sonhos de grandeza que só tinha atenções para o caçula, Andrew, desprezando a esposa (Joanna Adler) e os filhos mais velhos. É este homem, de nome Modesto – curiosamente, desprovido de qualquer modéstia – que se revelaria a principal influência na personalidade do garoto. Ele que o colocaria nas melhores escolas, que levaria a família para uma casa maior e daria ao menino o quarto mais amplo. “Você merece o melhor, pois é especial”, lhe repetia.

Quanto maior a altura, mais dura a queda. É o que acontece, consequentemente, com Andrew. O pai se revela um falsário, que aplicava golpes na bolsa de valores e mercado de ações. Quando descoberto, junta tudo o que consegue carregar consigo e foge sozinho de volta para as Filipinas. Não satisfeito pelo abandono paterno, o filho parte em busca do homem que o criou, agora do outro lado do mundo. E ao chegar lá, tudo que encontra é mais desilusão. O mito da criança especial começa a ser desfeito. Andrew Cunanan é só mais um na multidão, o garoto que queria ser diferente, conseguiu se destacar no anuário da escola, mas acabou despejado e terminou como atendente em uma farmácia. Um choque com a realidade que terá fortes repercussões no futuro.

O grande problema de ACS: Versace é essa insistência de Ryan Murphy em fortalecer paralelos entre os dois extremos dessa questão, como se Gianni Versace e Andrew Cunanan fossem dois lados de uma mesa moeda. Creator/Destroyer fortalece essa ideia, ainda que não forneça material suficiente para que ela se sustente. Muito melhor se tivesse optado por algo como The Crimes of Andrew Cunanan – ao menos, seria mais honesto com o que planejava entregar ao público. Darren Criss, que começou a temporada monocórdio e sem muita inspiração, vem ganhando presença no desenrolar dos episódios, ainda que, sozinho, não consiga justificar a atenção que a série despertou no início. E se antes ainda restava a esperança de que o rumo dos acontecimentos proporcionasse um equilíbrio entre os dois lados a serem explorados, agora já é tarde demais. E tudo aquilo que prometia parece estar irremediavelmente perdido.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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