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Sinopse

O atleta olímpico Louis Zamperini sofre um acidente de avião e cai em pleno mar. Ele luta durante 47 dias para reencontrar a terra firme. Quando consegue, é capturado pelos japoneses na Segunda Guerra Mundial.

Crítica

A vida de cada homem passa por tantos momentos que renderia diversos filmes, alguns completamente diferentes uns dos outros. É por isso que, ao se debruçar sobre alguém específico, é preciso ter um olhar apurado e um foco muito bem definido, para que o resultado biográfico, quando transformado em peça de ficção, combine elementos como entretenimento, relevância, pertinência e ritmo. Ninguém seria capaz de afirmar que a jornada de Louis Zamperini não foi interessante. O problema, pelo que se percebe, foi justamente o contrário. Afinal, é o que percebemos no segundo longa dirigido por Angelina Jolie: Invencível é composto por tantas tramas, e com uma abordagem tão embevecida sobre elas, que é difícil conseguir o distanciamento necessário para diferenciar o que foi real da fantasia hollywoodiana. E assim temos um filme que peca por ser correto demais, exagerado em sua louvação ao protagonista e excessivo em sua estrutura.

Há no mínimo quatro filmes diferentes em Invencível. O primeiro é sobre um garoto problemático, filho de emigrantes italianos, que acaba tendo sua rebeldia domada pelo irmão mais velho, que o incentiva a se tornar corredor olímpico. A superação dos desafios físicos, os treinos intensos e a conquista das glórias encontram sequência no segundo enredo, sobre um jovem militar da aeronáutica convocado para combate durante a Segunda Guerra Mundial. Em uma missão de resgate malsucedida, ele e dois colegas acabam caindo no meio do oceano, tendo poucos recursos e meros dois botes para lhes garantir a sobrevivência. Aí começa uma passagem que mais parece reflexo de As Aventuras de Pi (2013), em que muito tempo se toma e quase nada acontece. Quando todas as esperanças estão quase acabando – em ambos os lados da tela, é preciso ser claro – a quarta trama começa, quando os sobreviventes são resgatados por soldados japoneses – os inimigos – e levados à Tóquio como prisioneiros.

Cada passagem é muito bem pontuada. Os momentos de glória no atletismo e a infância humilde, porém de respeito, são iluminados, claros e coloridos. O sol se torna intenso durante os ataques aéreos, em que o companheirismo dos colegas de ação possui papel determinante. Se estes dois tempos se alternam entre presente e passado, durante o ocaso que enfrentam em alto mar quase tudo é posto a perder: a solidão é sufocante, o desespero é silencioso e se estampa nos olhos estáticos. Ao voltar para terra firme – desconhecida e nada acolhedora – quase tudo fica para trás, e este será o maior teste de resistência, tanto do protagonista quanto dos espectadores: as cenas de tortura física e psicológica, expostas de modo bastante explícito, mais incomodam do que chocam. Na ausência de qualquer temperança, resta um desconforto quase palpável presente, como se fosse necessário fazê-lo sofrer ao máximo para que sua volta por cima final tivesse ainda maior significado.

Jolie é uma diretora tradicional, que faz um cinema humanista – sua preocupação evidente são os personagens – e com grande necessidade de impacto. Isso já havia ficado explícito no Romeu & Julieta bósnio de Na Terra de Amor e Ódio (2011), sua primeira experiência como realizadora. O que lhe interessa, aqui, é mostrar um homem que tinha tudo para ceder – e que mesmo assim resiste. Portanto, quanto maiores forem suas provações, melhor. É por isso que ele é a criança que apronta todas mesmo sem motivos aparentes; o atleta que, quando aparentava não ter mais chances, consegue um impulso extra que surpreende a todos; o soldado companheiro que nunca desiste; o sobrevivente que, mesmo quando tudo lhe indica o contrário, segue mantendo a razão e a esperança; o encarcerado que vira saco de pancadas do opressor; ou o derrotado que mantém o senso de honra até o último instante, sem ceder às tentações. A virtude imbatível e inabalável fala mais alto, tanto para o personagem quanto para a cineasta.

O jovem inglês Jack O’Connell convence bem como o italiano Louis Zamperini, mantendo uma posição austera, nobre e segura na maior parte do tempo. A transformação física a qual ele se entrega é surpreendente, e cumpre com eficiência o que lhe é proposto. O mesmo pode ser dito de outros membros do elenco, como Domhnall Gleeson (que fica ao seu lado no bote) ou Garrett Hedlund (seu principal aliado no campo de prisioneiros). O oriental Takamasa Ishihara (um cantor muito popular no Japão que atende pelo nome artístico de Miyavi) estreia como ator como o temido Watanabe, o sádico general que tenta a todo custo dobrar o protagonista. Sua inexperiência se denota em algumas passagens, como quando avisa de sua eminente partida ou no descontrole final, e sua fraca oposição por pouco não entorna ainda mais o caldo. Mas não lhe cabe tamanha culpa, pois a diretora assume essa responsabilidade com tranquilidade. Afinal, é ela que faz questão de deixar claro que “até o pior dos inimigos é também filho de alguém”.

Por mais improvável que seja imaginar um filme como Invencível sendo dirigido pelos irmãos Joel e Ethan Coen (coautores do roteiro), é preferível acreditar que a maioria dos excessos sejam creditados aos demais autores: Richard LaGravenese (diretor do açucarado P.S. Eu Te Amo, 2007) e William Nicholson (indicado ao Oscar pelos roteiros do drama Terra das Sombras, 1993, e do heróico Gladiador, 2000). A essa mistura adicionou-se essa vontade imperiosa da senhora Brad Pitt em se fazer notar, e temos um longa como esse, que sonha em ser muito mais do que é, sem se contentar em apenas contar bem uma história. E quando percebe-se, já nos créditos finais, o uso de imagens reais de Zamperini pouco antes de sua morte, é quase como um último – e desesperador – recurso: “se você não chorou até agora, veja se resiste a isso”. A emoção, que deveria ser natural, se confirma forçada, vítima de artimanhas narrativas que não resistem a um olhar mais crítico. Sentimento, aliás, que se reforça sobre a obra como um todo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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