A 31ª edição do Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema chega ao fim nessa sexta-feira, dia 03 de dezembro, com a cerimônia de premiação e entrega do Troféu Mucuripe aos melhores de 2021. Seis longas (3 brasileiros, 1 uruguaio, 1 equatoriano e 1 costa-riquenho) e doze curtas-metragens estão na disputa e foram apresentados nas sessões noturnas do Cineteatro São Luiz, no centro de Fortaleza, entre 27 de novembro e 02 de dezembro. Os júris oficiais, formados pela espanhola Andréa Guzmán Urzúa, pelo panamenho Carlos Arango de Montis e pelo brasileiro Lírio Ferreira (longas) e pela cubana Leyda Nápoles e pelos brasileiros Tibico Brasil e Daniela Fernandes (curtas), terão a missão de escolher os vencedores de cada uma das categorias abaixo. O editor-chefe do Papo de Cinema, o crítico Robledo Milani, acompanhou todos os dias do evento, e dá agora seus pitacos sobre os favoritos desse ano. Confira!
A Praia do Fim do Mundo, de Petrus Cariry
Mostra Competitiva Ibero-Americana de Longa-metragem
MELHOR FILME: O cearense A Praia do Fim do Mundo, de Petrus Cariry, está tão acima dos demais, que é improvável pensar numa outra possibilidade para o vencedor do ano. No entanto, tanto o gaúcho 5 Casas, de Bruno Gularte Barreto, quanto o uruguaio Bosco, de Alicia Cano Menoni, podem acabar sendo escolhidos, seja pela experimentação cinematográfica do primeiro ou pelo caráter afetivo do segundo – curiosamente, ambos são documentários. Seria a eficiência do viés documental frente às carências enfrentadas pela ficção? Um debate pertinente, mas que não parece se aplicar à seleção deste ano.
Vai ganhar: A Praia do Fim do Mundo
Merece ganhar: A Praia do Fim do Mundo
DIREÇÃO: Pelas mesmas razões acima, Petrus Cariry, de A Praia do Fim do Mundo, seria a escolha mais justa. Além do mais, esse é o quarto longa dele a concorrer no Cine Ceará, sem nunca ter ganho nessa categoria (já ganhou, no entanto, como Melhor Filme, por Mãe e Filha, 2011). É a oportunidade perfeita para lhe oferecer um reconhecimento inédito. A costa-riquenha Macha Colón, de Perfume de Gardenias, ou a uruguaia Alicia Cano Menoni, por Bosco, são possibilidades viáveis, no entanto – ainda mais pela necessidade de se valorizar o talento feminino por trás das câmeras. A primeira pela combinação de elementos e temáticas que imprime ao seu filme (ainda que nem sempre de forma eficiente), e a segunda pela viagem pessoal que faz de sua narrativa um processo tão pessoal quanto universal.
Vai ganhar: Macha Colón, de Perfume de Gardenias
Merece ganhar: Petrus Cariry, de A Praia do Fim do Mundo
ATUAÇÃO MASCULINA: Dos seis longas, dois são documentários. Sobram apenas quatro ficções, portanto. Todas, porém, são histórias assumidamente femininas, e três nem sequer possuem personagens masculinos. Resta, então, apenas um candidato: o equatoriano Vacío. Se Fui Jing é a protagonista, Zhu Lidan é quem está ao seu lado do início ao fim, e até por ter mais tempo na trama, talvez seja o lembrado pelo júri. Mas seu desempenho em cena tem momentos que beiram o amadorismo, ao contrário do antagonista vivido por Day Ming Meng, que acaba funcionando melhor mais pela presença marcante do que pelo potencial dramático que apresenta. A revelação, no entanto, é o equatoriano Ricardo Velastegui, que literalmente rouba a cena a cada aparição. Ele é coadjuvante, mas é, indiscutivelmente, a melhor “atuação masculina” do conjunto. Seria uma escolha ousada, mas justa.
Vai ganhar: Day Ming Meng, de Vacío
Merece ganhar: Ricardo Velastegui, de Vacío
ATUAÇÃO FEMININA: Aqui a situação é distinta. Todas as quatro ficções possuem personagens femininas fortes. Se jovem Fu Jing (Vacío) e a veterana Luz María Rondón (Perfume de Gardenias) são revelações, mais conduzidas pela trama sem comprometer do que necessariamente propor alguma liderança, a grande surpresa é o desempenho da ótima Clebia Sousa (Fortaleza Hotel), em seu primeiro trabalho como protagonista. Tanto ela quanto sua colega de elenco, Lee Yeong-ran, podem ser reconhecidas, pois apresentam uma boa química em cena e conduzem, cada uma a seu modo, a história com desenvoltura e competência. Porém, como esquecer de cada aparição hipnotizante de Marcélia Cartaxo em A Praia do Fim do Mundo? Sua filha em cena, Fátima Muniz, também não compromete, mas Cartaxo, uma das atrizes mais incensadas do cenário cultural brasileiro, é um assombro. Não a reconhecer pois “ah, ela já ganhou tudo” (nunca foi premiada no Cine Ceará, no entanto), seria uma injustiça. É, com muita distância em relação às suas colegas, a que apresenta a interpretação feminina mais complexa e intensa dessa seleção.
Vai ganhar: Clébia Souza ou Lee Yeong-ran (ou as duas juntas, mais provavelmente), por Fortaleza Hotel
Merece ganhar: Marcélia Cartaxo, por A Praia do Fim do Mundo
ROTEIRO: Se Vacío é um desastre e Fortaleza Hotel apresenta um ritmo irregular, Perfume de Gardenias é tão absurdo que não será surpresa se o júri se deixar levar pelos excessos propostos. Não seria uma escolha óbvia, no entanto. A Praia do Fim do Mundo tem muitos méritos, e talvez acabem por eclipsar – elenco ou equipe técnica – o trabalho de texto. Restam, portanto, Bosco e 5 Casas, os documentários. Entre os dois, o representante brasileiro acaba saindo na frente pelo mergulho profundo que propõe em sua história, revelando camadas tanto familiares quanto sociais, compondo um cenário que fala tanto da memória como do (triste) Brasil de hoje. Por outro lado, o uruguaio apresenta um resultado mais linear, de apelo universal, o que proporciona uma maior conexão com o público.
Vai ganhar: Bosco
Merece ganhar: 5 Casas
FOTOGRAFIA: Existe competição para o que Petrus Cariry realiza em A Praia do Fim do Mundo? O jogo entre claro e escuro, a idealização das silhuetas, o embate entre interno e externo, a opressão dos ambientes fechados frente ao aberto do oceano avassalador, memória e presente lado a lado em uma narrativa absolutamente envolvente e transformadora. As imagens, aqui, valem por muito mais do que mil palavras. E esse mérito é, em grande parte, da fotografia. Bruno Gularte Barreto, que contou com a ajuda do talentoso Bruno Polidoro em 5 Casas, é a única outra opção. Um tiro distante, que não deverá se concretizar, mas que validaria tal escolha caso não fosse tão forte a competição.
Vai ganhar: A Praia do Fim do Mundo
Merece ganhar: A Praia do Fim do Mundo
MONTAGEM: Mais uma vez os documentários se destacam. E entre os dois, o trabalho de Vicente Moreno (5 Casas) é o mais interessante, pelas tantas possibilidades que percorre e as escolhas certeiras que apresenta. Dentre os muitos filmes que tal material permitia, termina por apresentar um que é, ao mesmo tempo, memorialista e provocador, com mais de uma camada de leitura. Alicia Cano, por sua vez, faz um trabalho mais bonito do que necessariamente eficiente em Bosco, mas o tom melodramático pode conquistar alguns (importantes) votos.
Vai ganhar: 5 Casas
Merece ganhar: 5 Casas
TRILHA SONORA ORIGINAL: A parte sonora de A Praia do Fim do Mundo é fundamental para a eficiência da jornada proposta. No entanto, o registro de som acaba se destacando frente à envolvente trilha sonora original de João Victor Barroso, habitual parceiro do diretor. Assim, dentre os demais concorrentes talvez a aposta mais segura sejam os ritmos caribenhos impressos em Perfume de Gardenias. Guarionex Morales Matos é um compositor porto-riquenho de talento comprovado, reconhecido em seu país pelo trabalho de formação que exerce e no exterior por já ter se apresentado em países como Estados Unidos, Espanha, Itália, França, Mexico, Venezuela, Cuba, Canadá e Áustria, entre tantos outros. Ele é responsável, também, por fazer de uma história de resultados tão irregulares uma experiência menos tortuosa e um pouco mais colorida.
Vai ganhar: Perfume de Gardenias
Merece ganhar: A Praia do Fim do Mundo
SOM: Difícil se deparar com um trabalho de som nesta seleção mais impressionante do que o verificado em A Praia do Fim do Mundo. Moabe Filho (também da equipe de Fortaleza Hotel) e Érico Paiva (outro colaborador habitual de Cariry) são fundamentais para o clima de pesadelo e sonho propostos pela narrativa, fortalecendo a imersão da audiência em uma trama cujos sentidos precisam estar aguçados do início ao fim. Simplesmente não há concorrência para eles. Qualquer resultado diferente será visto com espanto e descrédito.
Vai ganhar: A Praia do Fim do Mundo
Merece ganhar: A Praia do Fim do Mundo
DIREÇÃO DE ARTE: A escolha óbvia seria Perfume de Gardenias. Afinal, a própria história é sobre uma senhora que, após ficar viúva, se descobre com talento para decoradora de funerais. As soluções propostas são criativas, mas também exageradas, em alguns casos até fora de contexto. Mas desperta curiosidade, tanto pelos excessos como pelo inusitado, seja nas alegorias como nos ambientes supostamente isentos, mas ainda assim representativos de uma personalidade regida pelo barroco. Se o júri, no entanto, se mostrar disposto a um diálogo mais instigante, outra possibilidade seria Fortaleza Hotel, que faz do olhar ao privado uma investigação de caráter, mais pelo que esconde do que em relação ao que está exposto. São escolhas interessantes, mais sutis, porém dignas de atenção.
Vai ganhar: Perfume de Gardenias
Merece ganhar: Fortaleza Hotel
Mostra Competitiva Brasileira de Curta-metragem
MELHOR CURTA: A partir da ressalva quanto à curadoria, que apresentou uma seleção bastante irregular, é preciso notar também que, com 12 títulos em competição, se fariam necessárias mais categorias, como Ator, Atriz, Direção de Arte, Fotografia e Som, por exemplo. Na ausência dessas, busca-se por aqui aquele que melhor abraça todas essas possibilidades. E Chão de Fábrica, de Nina Kopko, se apresenta como uma aposta segura. Sideral, de Carlos Segundo, e O Resto, de Pedro Gonçalves Ribeiro, seriam outras escolhas justas. Os três são muito bem resolvidos, e se as alternativas parecem se conter dentro dos caminhos apresentados, o primeiro vai além, levantando questões urgentes e propondo um resgate histórico que não pode ser ignorado.
Vai ganhar: Chão de Fábrica
Merece ganhar: Chão de Fábrica
DIREÇÃO: Neste quesito, observa-se mais a investigação narrativa do que o resultado de tais escolhas. Com esse viés em mente, não chega a surpreender que Bárbara Paz (Ato) se mostre como forte candidata ao Mucuripe. Petrus Cariry (Foi um tempo de poesia) e Txai Ferraz (O Durião Proibido) são também nomes interessantes, seja pelo registro de arquivo de um ou pela desenvoltura apresentada diante das limitações enfrentadas do outro. Todos, enfim, alcançam conjuntos dignos de nota. Não se podem esquecer, porém, os realizadores dos curtas apontados na categoria principal – e numa eventual dobradinha entre as duas escolhas.
Vai ganhar: Nina Kopko (ou Carlos Segundo)
Merece ganhar: Barbara Paz
ROTEIRO: Txai Ferraz esbanja criatividade em seu “filme de pandemia”, como pode ser definido O Durião Proibido. Outros que seguem essa mesma linha, como O Amigo do meu Tio, Mar Concreto, Foi um tempo de poesia e Encarnado não demonstram o mesmo fôlego. De forte base teatral, Chão de Fábrica tem em suas atrizes – e nos diálogos que defendem – muito de sua força, o que também lhe credencia para essa disputa. O Resto e Sideral, porém, apresentam resultados mais “redondos”, por assim dizer, eficientes na narrativa e no alcance de suas histórias. O segundo, principalmente, é daqueles que deixa qualquer um satisfeito – o que pode ser determinante no momento de uma escolha como essa aqui proposta.
Vai ganhar: Sideral
Merece ganhar: O Durião Proibido
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