Sinopse
Na cidade de Guayaquil, Equador, vivem dois imigrantes clandestinos: Lei e Wong. Os dois têm objetivos diferentes: ela pretende se mudar para os Estados Unidos em busca de uma vida melhor, enquanto ele luta para trazer o filho da China. Os sonhos de ambos caem nas mãos de um mafioso apaixonado por Lei.
Crítica
O mundo está constantemente em transição. Hoje em dia, as fronteiras não fazem mais tanto sentido, como era há duas, cinco ou mais décadas. Então, a própria definição de filmes orientais, latinos ou anglo-saxões diz mais a respeito dos olhares propostos a partir dessas narrativas do que pela cor da pele de ser personagens. Veja o caso de Vacío, por exemplo. O título original, em espanhol, pode ser traduzido de forma literal por Emptiness, que dá a mesma impressão de desolamento, vastidão, abandono. Mas há outra proposta, que vai por um viés distinto e o batiza por Montevidéu, a capital uruguaia. É o destino que ninguém procura, mas pode acabar se tornando um porto seguro. Seria uma analogia pertinente ao filme de Paúl Venegas, caso o conjunto se mostrasse válido de tamanha reflexão. Porém, diante de tantos desencontros, decisões equivocadas e tropeços quase ingênuos, o resultado se mostra não apenas frágil, mas longe de merecer qualquer análise mais complexa.
Esse caráter supostamente cosmopolita começa a se estabelecer a partir da escolha de um elenco majoritariamente oriental para ilustrar uma narrativa ambientada em cenário raro aos olhos brasileiros, ainda que não dos mais distantes: o Equador. Mesmo que não fronteiriço, esse país guarda similaridades com vizinhos em comum – Peru e Colômbia – mas também com outros próximos de nós, como Paraguai e Argentina. Uma malandragem que beira a inocência dos locais é suficiente para abrir espaço para uma exploração coordenada por aquele que vem de fora. Sábio o bastante para não mexer com os que ali antes se encontravam, decide direcionar seus abusos aos antigos conterrâneos, em uma situação de desespero que lhe é familiar, mas há muito superada. Ao invés de ensinar o caminho das pedras, faz uso dele para se aproveitar das dificuldades e jogar com as fraquezas dos que vem depois. É o pobre montando no esfarrapado.
Lei (Fu Jing) e Wong (Zhu Lidan) conseguiram deixar para trás uma China que não mais era capaz de lhes abrigar rumo a uma Nova Iorque onde tudo parece ser possível. Porém, essa não é uma viagem sem escalas, e o caminho passa por Guayaquil. O que não sabem é que esse posto é, para muitos, o final da viagem. Pois quem está por trás dessa fuga, orquestrando cada passo, é Chang (Day Min Meng), um pretenso gângster que se acredita forte o suficiente para ganhar em cima dos esforços dos outros, mas que se deixa levar pela primeira menina bonita que lhe encanta – Lei, no caso. Mas se trata de moça séria, não quer se envolver com o homem com dinheiro, nem com o jovem carente (ainda que acabe fazendo tanto uma coisa, quanto a outra). Ao mesmo tempo, se vê envolta pelo jeito malemolente de Victor (Ricardo Velastegui), rapaz de riso fácil sempre vestido com camisetas de time de futebol. Era para aqui se ter, como a sinopse antevia, um discurso crítico a respeito daqueles obrigados a se mover na luta pela sobrevivência e sobre os que se aproveitam desses para ganhos particulares e abusos quase institucionalizados. Porém, o que se apresenta não está longe de uma novela das mais previsíveis.
Venegas é também autor do roteiro, mas para isso contou com dois colaboradores: Carlos Andres Terán Vargas e Martin Salinas. Se o diretor estava estreando no formato, e seu principal colega não possuía experiência na área, o último é conhecido por obras que percorreram o mundo, como o argentino A Noiva do Deserto (2017), exibido em Cannes, e o uruguaio Meu Mundial (2017), premiado em Gramado. Sua influência no texto final, no entanto, suspeita-se ter sido periférica, de meros ajustes, pois o que agora apresenta está aquém de seus trabalhos anteriores. O naufrágio anunciado está, é fato, na conta do realizador, responsável pela série de decisões problemáticas que transformaram algo não muito promissor em um conto tortuoso composto por elementos sofríveis e entregas medíocres. Se Velastegui captura a atenção da audiência cada vez que surge em cena, é menos por mérito próprio do que pela total falta de carisma de seus colegas de elenco. Lidan, particularmente, é constrangedor pela inaptidão que revela em frente à câmera. Não há direção nem preparo voltado aos atores. Cada um se porta como quer, soltos frente a um desastre anunciado que se confirma.
Se é difícil imaginar o magnetismo que a personagem de Jing exerce nos três homens ao seu redor, acompanhar o desenlace de suas relações é uma experiência tortuosa pela ausência de motivações elaboradas. Um a quer por carência, outro como demonstração de poder, e o terceiro apenas para aproveitar o momento. A moça, que poderia sem muito esforço se mostrar mais esperta que qualquer um deles, é tão desprovida de vontade própria que se mostra incapaz de despertar empatia pela sua falta de sorte. E quando um desfecho trágico começa a se desenhar, é com tanta antecedência que a reviravolta imaginada para salvar os protagonistas surge que o modo desajeitado como se manifesta não chega a provocar torcida ou envolvimento, indo mais pelo desinteresse e irrelevância. Vacío se mostra, enfim, à altura do título: vazio de méritos no todo e nos seus aspectos individuais, falhando na mise-en-scène e na composição de quadro, contentando-se com lugares-comuns folhetinescos e redundantes. Seria apenas bobo, não fosse o desperdício que combina ao relegar tanto oportunidade quanto descaso com o tema abordado.
Filme visto de modo presencial durante o 31º Cine Ceará, em Fortaleza, em novembro de 2021
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