Crítica
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Sinopse
De mãe da Nouvelle Vague a ícone feminista, a diretora Agnès Varda expõe seus processos de criação e revela sua experiência com o fazer cinematográfico. A cineasta dá um enfoque especial no método de storytelling que denominava de “cine-escrita“, uma espécie de fórmula utilizada na grande maioria de seus documentários e ficções, revisando sua carreira neste filme que encerra uma trajetória de mais de 60 anos.
Crítica
Quis o trâmite das coisas que Varda por Agnès fosse o último filme da cineasta belga Agnès Varda. Uma produção originalmente feita para a televisão, em duas partes, que aqui ganha corte cinematográfico simplesmente pela junção dos fragmentos. É evidente a filiação do longa à linguagem do meio ao qual inicialmente se destinava, principalmente, mas não somente, por conta do alinhave de várias situações em que a artista palestreou a plateias ávidas por suas experiências, com tomadas simples dos discursos. Os depoimentos são cerzidos como retalhos numa colcha, assim, tecida aos poucos, a partir de excertos de locais e tempos diferentes se ladeando para formar um painel amplo, cuja imagem é a trajetória marcada pelo ímpeto criador de uma mulher tão inquieta quanto inventiva. Nesse compartilhar de experiências, a protagonista se mostra cativante e sagaz do alto de seus 90 anos, rememorando em detalhes não apenas as obras, mas o que a moveu em cada jornada, das vontades que nasceram do acaso às demandas que lhe falaram ao coração.
Varda por Agnés é uma colagem de emblemas das vidas profissional e pessoal de Varda. No que tange ao cinema, o objeto de estudo primordial, são exumadas lembranças à extração de histórias espirituosas e curiosas, como quando ela se lançou no ofício, em 1954, filmando sem prévia experiência ou mesmo estudo formal. A associação com Alain Resnais, montador de La Point-Courte (1955), esse debute que antecedeu a eclosão da Nouvelle Vague francesa, é observada rapidamente. Aliás, embora ela fosse uma diretora muito bem relacionada, que transitasse desenvoltamente por entre seus pares, o documentário não se detém em estabelecer pontes profissionais. O único colega a quem é dado um pouco de espaço, e isso porque também foi o grande parceiro íntimo de Varda, é a Jacques Demy. Ainda assim, o foco permanece na personalidade da belga, na construção de um estilo burilado ao longo dos anos, atento às experimentações do cinema.
Recorrendo às aulas magnas em simpósios como base da narrativa, numa dinâmica que gera a prevalente ideia de contiguidade, o filme se propõe a entrelaçar passado e presente, colocando, às vezes, múltiplas versões da protagonista para contar uma mesma história. Temos a versão jovem de Varda complementando o raciocínio da equivalente veterana acerca de determinada inquietação profissional, o que gera um efeito bonito, especialmente se levado em consideração que se trata de um filme-testamento. A praticidade que a levou a pensar Céo das 5 às 7 (1962) de acordo com as contingências de produção – era preciso fazer algo barato e rápido, por isso a opção pela história desenvolvida praticamente em tempo real, filmada nas ruas de Paris – é complementada pela sofisticação do pensamento fotográfico (uma ode ao impressionismo) por trás de As Duas Faces da Felicidade (1965). Por um lado, a estrutura inclinada ao televisivo cria um percurso mais ou menos engessado. Por outro, permite férteis interlocuções, algumas delas no campo conceitual.
Após falar da fase da paixão pelas câmeras digitais, equipamentos que a permitiram documentar sem tanta intrusão as situações desejadas, Agnès Varda se debruça sobre a sua atuação como artista visual, esmiuçando inspirações para instalações montadas em diversas partes do mundo. A soma desse heterogêneo interesse pelas artes, que passa também pela fotografia, oferece um desenho bastante preciso de uma mulher excepcional que fez da sensibilidade a sua matéria-prima mais valiosa, aquela que perpassa todas as suas obras. Embora configure menos dispositivos líricos do que em Visages Villages (2018) ou As Praias de Agnès (2008), por exemplo, Varda por Agnés imprime uma singela cartografia afetiva e artística ao passar por tantas fases da cineasta que demonstrou semelhante ternura na observação das pessoas comuns em ritos cotidianos, na criação de recursos para melhor expor suas ideias, ou nos instantes em que, imiscuindo realidade e artifício, como bem fazia de modo fértil, se valeu do cinema, bem como de exposições em galerias, para gerar beleza.
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