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Sinopse

Uma experiência fotográfica e cinematográfica de duas grandes pessoas conhecidas por questionarem a cultura da exibição das imagens: Agnès Varda, cineasta, e JR, fotógrafo e criador de galerias e exposições fotográficas ao ar livre. Juntos, viajam por algumas regiões da França, bem longe dos centros urbanos, com um caminhão que captura imagens de forma mágica.

Crítica

Prestes a completar 90 anos, a cineasta Agnès Varda ainda se mostra capaz de emanar vitalidade a cada novo projeto, seguindo numa busca incessante pelo frescor narrativo. Em Visages Villages, documentário realizado em colaboração com o fotógrafo e artista plástico francês JR – famoso por suas colagens de retratos ampliados, geralmente em preto e branco, feitas em locais públicos ao redor do mundo – essa constatação é reiterada, culminando numa obra altamente evocativa, bem-humorada e plasticamente encantadora, que dialoga diretamente com a relação da geração atual com as imagens – do culto à autoexposição das selfies, Snapchats e Stories do Instagram – ao mesmo tempo em que aborda de modo reflexivo a incorporação da imagem aos diferentes contextos pelos quais é cercada.

Partindo de um primeiro encontro ocorrido em 2015 e da admiração mútua, Varda e JR deram início a uma jornada pelo interior da França, seguindo um roteiro de viagem previamente estabelecido, mas deixando sempre aberta a possibilidade dos encontros com o acaso. As paradas em vilarejos remotos levam ao contato com seus habitantes, que revelam suas histórias particulares, bem como aquelas dos locais onde vivem, sendo que cada um desses relatos termina invariavelmente com a produção de um uma colagem idealizada por Varda, JR e sua equipe. Da aplicação dos retratos dos personagens entrevistados emerge um perceptível senso de pertencimento, como se esses, pela primeira vez, tomassem conta, de fato, de seus lares e locais de trabalho. Essa noção de integração fica evidente logo na primeira parada, uma antiga vila cuja existência se baseava no trabalho nas minas de carvão.

Lá, Varda e JR fotografam a última moradora de uma rua repleta de construções abandonadas, uma verdadeira heroína da resistência, que se emociona ao se reconhecer na fachada da própria casa. O sentimento se repete nos encontros seguintes, como aquele com os funcionários de uma indústria química, onde é criado um mural coletivo, ou quando os diretores organizam um piquenique para trazer de volta a vida a um vilarejo fantasma, do qual deriva o depoimento de outra figura cativante: um carteiro com dotes artísticos, antigo conhecido da cineasta belga. Todos os episódios compõem uma ode a essas pessoas simples e à aparente necessidade de um regresso ao primitivo, às raízes, tendo no estreitamento dos laços entre homem e natureza um antídoto para as mazelas da sociedade moderna. Um pensamento que se mostra recorrente no cinema francês dos últimos anos, vide longas como Saint Amour: Na Rota do Vinho (2016), da dupla Benoît Delépine e Gustave Kervern.

A ideia de valorização do natural ganha ainda mais força no segmento com os criadores de cabras, mostrando que enquanto os donos de uma fazenda modernizada cortam os chifres dos animais por motivos mercadológicos, a responsável por uma criação mais artesanal rejeita a prática: “Se as cabras nasceram para ter chifres, assim deve ser”, afirma. Tal noção, de certa forma, encontra um paralelo com a essência da linguagem documental, de extrair força e beleza da realidade em estado bruto, natural. Contudo, Varda e JR não dispensam a ficção, e mostram um gosto especial por explorar os limites entre as linguagens, brincando constantemente com a representação cinematográfica. Todas as discussões da dupla sobre o processo criativo, por exemplo, refletem embates reais, mas são apresentadas de modo conscientemente encenado, resultando em sequências divertidas e leves, com gags visuais e jogos de palavras.

A extração do instante real para um contexto construído, presente na interação da dupla, espelha o próprio trabalho de JR com os retratos das pessoas comuns que, ao serem aplicados nas “telas” do ambiente, ganham novos significados, se tornam arte. O mais emblemático exemplo dessa ressignificação talvez seja o das fotografias das esposas dos estivadores, aplicadas sobre uma pilha de contêineres no pátio do porto. A harmonia entre o natural e o moldado pela visão artística sustenta o tom lúdico que envolve o documentário – das animações nos créditos iniciais e finais, passando pela van envelopada como máquina fotográfica na qual Varda e JR viajam, até o episódio em que os dois reencenam a sequência da corrida pelo Louvre de Band à Part (1964), de Godard.

Ainda que a atmosfera harmoniosa domine o trabalho colaborativo, este não é isento de conflitos, nem deixa de pender para um lado, pois Visages Villages acaba sendo também muito um filme sobre Varda. Ela, que faz questão de não deixar sua investigação humana ser abafada pelas preocupações técnicas de seu codiretor, muitas vezes se torna a protagonista do longa, seja quando seus olhos e pés estampam as colagens feitas por JR nos vagões de um trem, seja nos momentos embebidos no elemento da memória afetiva, algo um tanto remanescente de As Praias de Agnès (2008).

As lembranças do marido (o já falecido cineasta Jacques Demy), que brotam da possibilidade de um encontro com o amigo Jean-Luc Godard, preenchem o desfecho de uma forte carga emocional e, por mais que se possa questionar o quanto há de encenação nessas imagens, o sentimento por elas transmitido soa sempre genuíno. Tal qual a felicidade de Varda por ainda poder manter vivo seu espírito explorador, encontrando a pureza na junção entre rostos e paisagens, mesmo que por um instante efêmero, como a imagem colada em um bunker na praia, apagada pelo mar na manhã seguinte.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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