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Sinopse

Uma cantora espera por duas horas o resultado de um exame. Ela está certa que vai ser diagnosticada com câncer terminal, o que afeta todos os encontros e situações em que se mete nesse período.

Crítica

É interessante notar que, por mais famoso e importante que seja, o nome de Agnès Varda não é tão exaltado quanto o de outros colegas seus da Nouvelle Vague, como Jean-Luc Godard, Claude Chabrol e François Truffaut. Talvez seja o machismo imperante, inclusive no cinema, mas fato é que a diretora produziu algumas obras de extrema singularidade e riqueza para a filmografia internacional. Um destes grandes títulos é, sem sombra de dúvidas, Cléo das 5 às 7, uma narrativa tão feminina e feminista na mesma medida, com uma visão de mundo extremamente particular sobre um acontecimento que pode ser banal no princípio, mas causa angústia: a possibilidade de um câncer.

É assim que Cléo (Corinne Marchand), uma cantora pop, passa essas duas horas delimitadas pelo título do filme. Enquanto espera os resultados de exames que podem apontar se contraiu ou não a doença no estômago, ela passa por uma cartomante que lhe afirma: a morte está próxima. E com esta possível revelação, a protagonista transita pelas ruas de Paris sem saber o que exatamente fazer, se deve aproveitar ou não seus pretensos últimos momentos de vida. Especialmente, como proceder nisto neste período de tempo da tarde, que os franceses definem como as horas perfeitas para fazer amor.

Com a câmera focada em sua estrela principal, mas sem nunca deixar os detalhes das parisienses ou dos coadjuvantes fora de rumo, Varda apresenta uma obra intimista, nunca menos expressiva sobre o feminino e a própria sociedade. Uma relação que vai muito além do feminismo em alta da época, em que fica claro pelo olhar que não é um homem contando esta história. É por uma mulher que entende o gênero sexual como ninguém e quer repassar esta visão para o mundo. Não à toa a quase obsessiva predileção por espelhos ao longo do filme, como se eles refletissem não apenas a beleza e as dúvidas da protagonista, e sim um amálgama de todas as mulheres na sociedade contemporânea.

Mesmo imersa em suas dúvidas e anseios pelo que pode ocorrer ou não com sua saúde, Cléo consegue vislumbrar além da própria mente, prestando atenção em detalhes e pessoas que, talvez numa situação cotidiana, ela nem desse bola. Assim o filme rende bonitos momentos como o diálogo de um casal em um café ou o vislumbre da paisagem de um parque. Ela está repassando toda sua vida em tempo real de duas horas, num eterno flashback mental em que o espectador tem muito mais acesso às suas sensações do que vive ou viveu do que propriamente suas memórias. O que poderia causar dúvidas acaba aproximando ainda mais a protagonista do espectador, que se compadece da mulher.

Apesar de dirigida nos anos 60, a obra nunca parece datada (exclua aqui os trajes e estilos da época, tanto no físico dos personagens quanto a aura das câmeras). Os temas existenciais, as diferentes visões sobre vida e morte e como as mulheres se encaixam nisto tudo são de uma atualidade tremenda, mesmo mais de cinquenta anos após sua realização. É uma obra-prima feminina que vai muito além de seu gênero, trazendo todo o grande e latente talento de sua realizadora como uma catarse de emoções. É uma carta de amor de Varda ao cinema e ao ser humano, sejam os mais fúteis ou os maiores pensadores. Uma pluralidade construída com cuidado. Assim, Cléo não é apenas uma mulher qualquer. Ela é várias em uma só e mais humana do que muitos que vivem fora das telas.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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