Uma Dobra no Tempo

LIVRE 109 minutos
Direção:
Título original: A Wrinkle in Time
Ano: 2018
País de origem: EUA

Crítica

2.7

Leitores

Sinopse

Os irmãos Meg e Charles decidem reencontrar o pai, um cientista que está desaparecido desde que se envolveu em um misterioso projeto. Eles contarão com a ajuda do colega Calvin e de três excêntricas mulheres em uma ousada jornada por diferentes lugares do universo.

Crítica

Aclamado como um dos grandes romances infantis do século XX,Uma Dobra no Tempo foi publicado em 1962 por Madeleine L’Engle, e logo começou a colecionar elogios e prêmios. É curioso imaginar, portanto, que tenha levado quatro décadas para, enfim, ganhar uma adaptação audiovisual. Sim, quarenta anos, e as contas estão certas: a primeira versão foi um telefilme lançado em 2003 e dirigido por John Kent Harrison, cuja recepção foi tão ruim, tanto de público quanto de crítica, que precisou se esperar mais quinze anos para que uma nova tentativa fosse feita. E essa a que agora nos referimos, que contou com Ava DuVernay por trás das câmeras, até pode ter estreado nos cinemas com ares de megaprodução, repleta de efeitos especiais, elenco estrelado e um orçamento milionário, mas não se deixe enganar: o resultado é tão catastrófico quanto o do longa anterior.

A trama é absurdamente simples: ao ser informada que seu pai é mantido refém, uma garota, junto ao irmão menor e ao melhor amigo, aceita a ajuda de três senhoras e partem, os seis, em uma missão para salvar o patriarca. Agora, imagine todo o esforço possível para complicar essa linha narrativa. Primeiro, o caçula é adotado. Segundo, o colega, além de ser o menino mais bonito da escola, declarou seu afeto pela protagonista naquele mesmo dia. Ela, por sua vez, é a estranha da turma, que sofre bullying das colegas e está sempre em conflito com a mãe – tudo isso, é claro, motivado pelo aparente desaparecimento paterno. E esse não se sabe o paradeiro pois, apesar de ter sido um brilhante cientista, logo após anunciar sua teoria de que seria possível viajar no tempo e no espaço contando apenas com a força da mente, ele caiu no ridículo entre seus pares, para logo em seguida sumir sem deixar vestígios. Estaria ele se escondendo apenas para provar sua ideia, é o que a maioria se pergunta.

Tudo fica ainda mais estranho quando nos deparamos com as três figuras mágicas que irão acompanhar os pequenos em suas jornadas. A primeira, Sra. Queé, parece ser a mais destrambelhada, sempre esquecendo de pequenos detalhes, de onde veio e para onde vai. A segunda, Sra. Quem, só se comunica através de citações literárias – sem nunca deixar de citar o autor e sua nacionalidade logo em seguida. E a terceira, Sra. Qual, aparentemente é a mais poderosa, a que tudo sabe e tudo pode, menos fazer o que precisa ser feito sozinha. Por isso, mesmo pressentindo o perigo em que se encontra o homem sob o domínio do Sr. Isto, ao invés de simplesmente salvá-lo, ela prefere enviar um trio de crianças no seu lugare. Talvez, em algum canto do universo, isso faça sentido.

Storm Reid (12 Anos de Escravidão, 2013) é Meg, a filha rebelde que precisa voltar a acreditar em si mesma para desvendar os mistérios do seu próprio mundo. A menina é esforçada, mas sua personagem exige um carisma que ela simplesmente não possui. Não é sua culpa, no entanto – o problema maior está em quem a colocou nesse lugar, sem nem ao menos alguma preparação mínima. Calvin (Levi Miller, o protagonista de Peter Pan, 2015), pouco faz além de permanecer ao seu lado, independente da situação em que os dois venham a se encontrar. No momento de maior perigo, basta um olhar dela e um “você acredita em mim?” para que ele apenas suspire e faça o que lhe mandam. Por fim, temos Charles Wallace – sim, com nome e sobrenome, como é repetido umas cinquenta vezes durante todo o filme, sem que em nenhum momento se explique o porquê de tamanha formalidade – vivido pelo insuportável Deric McCabe. Talvez seja somente má direção, mas esse menino, ainda mais nas sequências em que se torna antagonista da trama, tem uma presença tão irritante que não é nada difícil torcer contra ele (ainda que o entendimento seja que ele merece ser salvo).

Mas há ainda as damas místicas, que mais parecem estar em uma disputa do RuPaul’s Drag Race. Mindy Kaling, como a Sra. Quem, é uma hippie chic vestida em milhares de retalhos e com um sorriso inabalável no rosto. Reese Withersppon, a Sra. Queé, confirma porque está cada vez mais em baixa no cinema, tentando resgatar o perfil ‘maluquinha’ responsável por seu sucesso vinte anos antes, porém sem muito efeito. Já Oprah Winfrey, que surge gigantesca como a Sra. Qual, assume um papel que somente Oprah Winfrey poderia fazer. Afinal, quem é mais poderosa do que ela no showbizz atual? É tão ela em cena que em nenhum momento chega a convencer, permanecendo na caricatura e fazendo uso de sua persona pública em prol de uma ficção onde nada faz muito sentido. Zach Galifianakis e Michael Peña estão ali apenas para se divertir, e se há alguém em todo o elenco aparentemente comprometido, tentando propor algo verossímil no meio de tanta alucinação, são Chris Pine (que atua como se estivesse em um filme completamente diferente dos demais) e Gugu Mbatha-Raw (que tem tão pouco tempo em cena que pouca relevância acaba por ter no quadro geral).

Ava DuVernay é uma cineasta que há tempos vem beliscando a consagração. Seus dois longas anteriores – Selma: Uma Luta Pela Igualdade (2014) e A 13aEmenda (2016) – foram indicados ao Oscar como melhor filme (o primeiro na categoria principal, o segundo como documentário). Não levou em nenhuma ocasião, mas muita gente reclamou dela não ter sido lembrada à disputa de Direção por qualquer um dos dois. Pelo que se vê agora em Uma Dobra no Tempo, ela ainda tem muito o que provar. Primeira cineasta mulher negra a dirigir uma produção de mais de US$ 100 milhões, parece ter ficado tão maravilhada com essa quantia absurda de recursos que gastou tudo em efeitos digitais – os cenários são tão incríveis quanto desnecessários – e nada em um roteiro que tivesse um mínimo de lógica. Assim, exagera-se do início ao fim – na direção de arte, nas atuações, nos diálogos – menos em conteúdo dramático. Uma maneira eficiente de se fazer um filme lindo, porém absolutamente descartável, repleto de frases de autoajuda e soluções tão simplistas que beiram o constrangimento. De encher os olhos, mas esvaziar qualquer tipo de emoção.

Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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