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Sinopse

Solomon Northup, um escravo liberto, é sequestrado em 1841 e forçado por um proprietário de escravos a trabalhar em uma plantação na região de Louisiana, nos Estados Unidos. Ele é resgatado apenas doze anos mais tarde, por um advogado.

Crítica

Solomon Northup era um homem de família. Pai de duas crianças, bem casado, tinha talento também para a música – era um bom violinista. Ao ser convidado para uma apresentação em uma outra cidade, acaba conhecendo novas pessoas, aceitando convites para desfrutar de momentos de lazer, jantares e bebidas. Até perder a consciência e acordar, no dia seguinte, em uma circunstância completamente inesperada. Solomon foi vítima de um legítimo ‘boa noite cinderela’, porém, ao invés de ser estuprado ou ter seu rim extraído, foi sequestrado e vendido como escravo. Afinal, estamos em 1841 em um Estados Unidos pré-Guerra Civil, e se no Norte, onde vivia, o negro Solomon pode conquistar sua própria liberdade, ao ser mandado para o Sul ele é facilmente escravizado, perdendo seus direitos e dignidade. Esta incrível trama, inspirada em um fato real, é a base de 12 Anos de Escravidão, um dos mais premiados longas-metragens de 2013 – ainda que equivocadamente.

Este impressionante episódio, a história de vida de um homem que por mais de uma década lutou com todas as suas forças para permanecer vivo e, assim, readquirir seu status original e voltar para os seus na condição devida, só foi possível chegar ao conhecimento de um público maior graças ao interesse do astro Brad Pitt, que além de uma participação especial, já ao término da ação, é também um dos produtores desta versão cinematográfica do livro homônimo escrito pelo próprio Solomon Northup. Tal fato – assim como o título também adianta – aponta antecipadamente para uma inevitável conclusão: independente do que tenha lhe acontecido, Northup sobreviveu. Portanto, a despeito de tantos outros em igual – ou pior – situação do que ele, a grande questão aqui é investigar quais os méritos e diferenciais, seja na forma ou no conteúdo, que o distingua das demais tramas semelhantes tantas vezes antes exploradas pelo cinema mundial.

A escravidão – assim como o nazismo, ou os excessos e fanatismos religiosos – se constituiu em um dos maiores absurdos já enfrentados pela humanidade. Trata-se, afinal, de um contexto em que a própria condição de humano é desrespeitada, e todo e qualquer relato e alerta a seu respeito é, antes de mais nada, válido no sentido de evitar que se repita. 12 Anos de Escravidão, no entanto, parte de um conto pessoal, em primeira pessoa, mas não consegue ir muito além desta identificação para se tornar universal. Narrado de modo tradicional pelo diretor inglês Steve McQueen – que aqui se mostra muito mais contido e convencional do que em seu trabalho anterior, o perturbador Shame (2011) – temos aqui um filme que fará bonito numa aula de história, mas que carece de elementos fílmicos que o permitam ir além desta impressão inicial. Tudo acontece numa progressão bastante novelesca, com início, meio e fim, sem surpresas nem reviravoltas. Os vilões são todos muito bem identificados, e ninguém possui a menor dúvida sobre para quem “torcer”. É muito preto e branco, o que inevitavelmente soa desconexo em um mundo como o atual, cada vez mais cinza.

Após ser capturado, Solomon é tratado como animal. Qualquer espectador que tenha assistido ao menos a um episódio da clássica minissérie Raízes (1977), repetida à exaustão no Brasil anos atrás, sabe o que esperar a partir de então. Nosso protagonista é maltratado, desprezado, ofendido, cruelmente castigado simplesmente pelo fato da cor de sua pele ser escura. Na primeira oportunidade, uma vez que é tratado como mercadoria de valor, é vendido pela melhor oferta. Enviado a uma fazenda, dá início ao trabalho padrão, que pouco parece ir além das atividades no campo. Um ou dois desentendimentos depois, é transferido para outro dono, este, sim, o tipo mais rico e interessante – o fazendeiro ruivo e insano vivido por Michael Fassbender oferece uma luz que o filme angustiava desde o seu início. As barbaridades se agravam, mas quando o pior está prestes a acontecer, um deus ex machina surge com uma solução providencial debaixo do braço. E tão gratuito como tudo teve início, encerra-se este relato de desespero evidente e identificação rara.

O protagonista de 12 Anos de Escravidão é Chiwetel Ejiofor, um ator que, mesmo tendo trabalhado anteriormente sob o comando de cineastas como Woody Allen e David Mamet, encontra aqui sua melhor oportunidade até então. Sua presença é correta, competente e de acordo com toda a expectativa que o cerca. Mas nunca surpreendente ou reveladora. Isso encontramos em Fassbender – parceiro habitual do realizador – que compõe com gana e entrega um tipo diabólico e hipnotizante. Basta um olhar seu para que todos tremam, em ambos os lados da tela, tamanha é sua força. Sem se contentar com um duelo entre estes dois personagens, McQueen revela sofrer da mesma síndrome de Lee Daniels, e assim como esse fez no inexpressivo O Mordomo da Casa Branca (2013), ele também preenche cada vaga disponível do elenco com um nome de destaque que, se pouco faz em cena, ao menos desperta alguma curiosidade. E assim somos convidados a conferir Benedict Cumberbatch, Paul Dano, Paul Giamatti, Sarah Paulson e Alfre Woodard – além do já citado Pitt – em aparições mínimas, quase instantâneas, que funcionam mais como distrações do que no lugar de forças motores que colaborem com o desenrolar da história.

Os Estados Unidos é um país de imensas contradições. E, justamente por isso, seguido os percebemos expiando seus pecados e culpas enquanto nação através de manifestações culturais. Sendo o cinema a maior e mais popular delas, como não se deparar com casos como esse com certa regularidade? Portanto, assim como aconteceu no ano passado, em que o entediante Lincoln (2012), de Steven Spielberg, ressoou nas premiações de final de ano, o mesmo tem se repetido em 12 Anos de Escravidão. Este, no entanto, é um filme a que se assiste com maior facilidade, mas que também não permanece em nossas memórias com muita intensidade. Trata-se, em uma análise mais profunda, de um relato correto, que faz jus ao relato em que se baseia, mas que peca justamente por se contentar com aquilo que lhe é evidente, limitando-se ao que estava ao seu alcance, sem ousar na criatividade. Fato esse que, em última instância, é o que diferencia o genial do medíocre.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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