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Sinopse
Ben Bradlee e Kat Graham, editores do The Washington Post, recebem um enorme estudo detalhado sobre o controverso papel dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. A partir daí, embarcam numa forte guerra para publicar os bombásticos documentos.
Crítica
“Liberdade de imprensa”. Essa expressão, de tão repetida e mal-empregada, virou, nos dias de hoje, um chavão aberto às mais diversas interpretações – muitas delas, infelizmente, equivocadas. Como se jornais e jornalistas estivessem interessados em enganar seu leitor, agindo em prol de uma força maior e obscura – o governo, obviamente. Algo que, é preciso concordar, não chega a ser uma interpretação totalmente equivocada. No entanto, em sua origem, o entendimento era justamente o contrário: o quarto poder, por assim dizer, era o olho do público, o vigia que deveria investigar e delatar quaisquer irregularidades contra o cidadão. Pois é este ideal, aparentemente em desuso, que Steven Spielberg resgata em The Post: A Guerra Secreta. Mas ele não está interessado em apenas discorrer sobre o óbvio. E por trás do cenário que levanta para o seu discurso, há um outro debate ainda mais relevante, centrado na figura da protagonista, vivida por Meryl Streep. Não se engane, pois temos aqui o filme mais feminista do diretor desde A Cor Púrpura (1985). E isso, sim, significa muito.
Há muito se comenta sobre um suposto excesso de atenção que Meryl Streep tem recebido dos seus colegas da AMPAS – Academy of Motion Picture Arts and Sciences, ou Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pela entrega do Oscar, entre outras atividades. Dona do recorde histórico de 20 indicações – e tendo em casa três estatuetas – ela há um bom tempo tem sido acusada de marcar presença na lista de melhores de cada ano mais por costume e obrigação do que por talento de fato. Filmes como Um Amor Verdadeiro (1998), Música do Coração (1999) ou Caminhos da Floresta (2014) talvez não justificassem tanto aplauso. Mas, independente da qualidade do longa em si, é certo que sua maestria está sempre em cena, garantindo performances inesquecíveis. E se há tempos ela não se envolvia com um diretor de peso – Stephen Frears é um bom realizador, mas Florence: Quem É Essa Mulher? (2016) é um dos seus filmes menores, e antes dele tivemos um novato Spike Jonze, em Adaptação (2002), ou precisamos voltar até Clint Eastwood, em As Pontes de Madison (1995), há mais de duas décadas! – esse suposto ‘conforto’ – dela ser a voz de maior força no set – aqui se desfaz. Ela não só está sob o comando de um dos maiores cineastas dos nossos tempos, como também ao lado de um incrível Tom Hanks. E tenha certeza: o time que formam é insuperável.
Meryl aparece como Kay Graham, dona do jornal The Washington Post. Ela não está ali como resultado da ambição de toda uma vida. O pai, que fundou o diário, faleceu, deixando a empresa ao genro, marido dela. Este, no entanto, se revelou um homem com seus próprios problemas, que o levaram a se suicidar tempos depois. Assim, o comando dos negócios caiu no colo dela. E tudo que almeja, ao menos no início, é não estragar tudo. Buscando uma sintonia com o diretor de redação, Ben Bradlee (Hanks), ela o encontra regularmente, e busca estar por dentro dos acontecimentos. É uma relação cordial. Ela tem o poder, mas quem manda, de fato, é ele. Afinal, é quem entende do assunto. Mas quando o clima fica tenso, a quem eles devem recorrer? Um ao outro, é claro. E essa suposta relação se torna real quando os chamados ‘Papeis do Pentágono’ – um estudo encomendado pelo próprio governo norte-americano sobre a presença do país na Guerra do Vietnã e em outros conflitos bélicos do outro lado do mundo que revelam outras intenções, bem menos nobres, sobre tais atividades – chegam às mãos deles. Publicá-los, ou não? Revelar uma cruel realidade ao povo, a ponto de colocar a própria administração nacional em perigo, ou empurrar tudo para debaixo do tapete, mais uma vez, em nome de um suposto patriotismo, cego e inoperante?
Os jornalistas e repórteres querem fazer o trabalho deles: reportar ao mundo suas descobertas. Mas a que preço? Como pesar as consequências desse ato? Spielberg mergulha fundo não só na rotina do The Post, mas também na do seu principal concorrente, o The New York Times. Inimigos, porém juntos por uma mesma causa: a tal liberdade de imprensa. Mas seria somente isso? O que vai mudar a partir da decisão a que este embate levar? Na primeira cena em que encontramos Kay, ela está se preparando para falar com o corpo de diretores da companhia, e mesmo assim, quando em frente deles, tudo o que consegue é permanecer quieta. Às mulheres, cabe as conversas frívolas na sala de estar, enquanto os homens permanecem à mesa, fumando seus charutos e discutindo assuntos ‘sérios’. Kay é ótima em receber convidados e entreter visitas, mas quando chega a sua vez de dar as cartas, terá ela estômago para dizer o necessário? Spielberg, é fato, sabe o que enfrenta. É por isso que, quando todos esperam por uma resposta dela, sua câmera vem de cima, colocando o peso do mundo sobre seus ombros.
Estamos no início dos anos 1970, e de lá para cá muita coisa já mudou em nossa sociedade. Mas e o papel da mulher, há quantas anda? Se ainda há um longo caminho a ser percorrido, imagine há mais de quarenta anos. Hanks é segurança e obstinação, construindo um editor exemplar em sua busca pela verdade. Mas é um personagem direto, sem muitas nuances. Estas estão em Kay, aquela que tem tudo a perder, independente do caminho que seguir. É por isso que Meryl Streep se confirma como a escolha certa para viver a protagonista. Silenciosa e submissa, as mudanças que provoca não surgem em grandes discursos ou mudanças repentinas: vão se manifestando aos poucos, em breves olhares, discretos gestos, até não ser mais possível ignorá-los. E quem parece, enfim, percebê-la? Lally (Alison Brie), a filha, ou mesmo Tony Bradlee (Sarah Paulson), a esposa de Ben. Outras mulheres. Como se a irmandade se fizesse necessária, mas de forma sutil, deixando obviedade para um segundo plano. Talvez com uma trilha sonora mais contida e sem tantos recursos voltados à plateia – a cena do telefone, com moedas caindo para todos os lados, era para ser cômica? – é provável que estivéssemos diante do melhor filme do ano. Não é pra tanto, mas chega bem perto. E muito, é preciso reforçar, graças a um somatório de forças: um diretor ciente do que tem em mãos, um astro no domínio do seu jogo e uma intérprete disposta a dar o melhor de si. E isso, convenhamos, é mais raro do que um alinhamento de estrelas.
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