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Sinopse

David Sheff é um conceituado jornalista e escritor que vive com a segunda esposa e os filhos. O filho mais velho, Nic Sheff, é viciado em metanfetamina e abala completamente a rotina da família. David tenta entender o que acontece com o filho, que teve uma infância repleta de carinho e suporte, ao mesmo tempo em que estuda a droga e sua dependência. Nic, por sua vez, passa por diversos ciclos da vida de um dependente químico, lutando para se recuperar, mas volta e meia se entrega ao vício.

Crítica

Querido Menino, curiosamente, é baseado não em um, mas em dois livros: Beautiful Boy, de David Sheff, e Tweak, de Nic Sheff (que podem ser traduzidos como Belo Rapaz e Puxão, respectivamente). A iniciativa, ainda que não muito comum, aqui acaba sendo lógica. Afinal, como é possível perceber pelos sobrenomes, David e Nic – os autores – são parentes. Melhor dizendo, são pai e filho. E o que oferecem são duas versões da mesma história: a luta familiar para o garoto se livrar do vício das drogas. Mais do que isso, da batalha empreendida por esse homem para salvar seu primogênito de um rumo que, aparentemente, acabaria por levá-lo à destruição completa. Bom, se ambos, posteriormente, conseguiram relatar essa tortuosa jornada nas páginas de diferentes publicações, fica claro de antemão que conseguiram superar o drama. Por isso mesmo, o filme do belga Felix van Groeningen se concentra mais na relação dos dois do que nos motivos que os levaram até ali – e nas consequências destes atos. Uma decisão corajosa, que certamente deixará muita gente no ar, mas que acabará por fazer pleno sentido diante de um relato que, mais do que espelhar uma superação, retrata a força de um sentimento mútuo compartilhado por dois indivíduos tão próximos e, ainda assim, completamente distantes.

Responsável pelo aclamado Alabama Monroe (2012), van Groeningen estreia no cinema norte-americano apoiando-se em dois nomes donos de forças muito singulares: Steve Carell e Timothée Chalamet. O primeiro parece ter deixado definitivamente para trás os anos das comédias besteirol, como O Virgem de 40 Anos (2005), para exercitar cada vez mais seus músculos dramáticos – bons exemplos disso são os recentes Foxcather: Uma História que Chocou o Mundo (2014), que lhe rendeu uma indicação ao Oscar, A Grande Aposta (2015), que o colocou na disputa do Globo de Ouro, e A Melhor Escolha (2017), de Richard Linklater. Já o segundo está em seu primeiro desafio após o oscarizado Me Chame Pelo Seu Nome (2017), um desempenho que o levou a figurar entre os finalistas do prêmio da Academia. Ou seja, temos dois intérpretes mais do que capazes, porém ainda longe de se considerarem ‘acomodados’, digamos. O campo era vasto de possibilidades, e eles as exploram com vigor e muita entrega.

Chalamet está não menos do que irretocável na sua composição como um rapaz que tinha tudo aos seus pés e, mesmo assim, decide abrir mão dessa vida aparentemente perfeita para mergulhar num caminho sem fim. A cena em que vai ao encontro do pai em uma cafeteria, sob o discurso de que “está tudo bem, veja como estou ótimo”, ao mesmo tempo em que fica evidente que tudo o que busca é mais dinheiro para seguir se drogando, é de uma maturidade artística impressionante. É ainda mais surpreendente analisar os esforços do jovem astro pois nos encontramos, enquanto espectadores, diante de uma montagem desestruturada, repleta de idas e vindas – responsabilidade quase matemática de Nico Leunen (parceiro antigo do diretor e visto há pouco também em Skate Kitchen, 2018). Com isso, evita-se sabiamente a sensação de que “sabemos bem como isso irá terminar”, promovendo outras camadas de interesse. A cada novo desdobramento da situação fica-se ainda mais intrigado não apenas com os atos em si, mas como cada um destes personagens será afetado por eles.

Porém, mais do que filho, estará no pai o centro das atenções. Justamente por ser mais sutil, menos entregue aos exageros, sempre se contendo em meio às sutilezas, Steve Carell oferece aqui uma das suas atuações mais maduras. Há passagens em que lhe é permitido expandir aquilo que sabe fazer melhor – como a sequência em que decide experimentar, por conta própria, a mesma droga que tanto parece fazer a cabeça do garoto – mas na maior parte do tempo o que vemos é um ator no controle de suas habilidades, lutando para ser um pai presente, ao mesmo tempo em que precisa lidar com responsabilidades até então inéditas. A mãe, interpretada por uma excelente Amy Ryan, é quase um detalhe – os dois estão separados, e ela se mudou para outro estado – enquanto que a madrasta, aqui na pele de uma inesperada Maura Tierney, é respeitosa e incisiva na medida certa. É dela, aliás, talvez a cena mais comovente do filme, curiosamente também muda e no volante do próprio carro, em uma similaridade espantosa com aquela comandada por Laurie Metcalf em Lady Bird: A Hora de Voar (2017) – filme igualmente estrelado por Chalamet, ainda que isso seja apenas coincidência.

Querido Menino está longe de ser uma experiência fácil – muito pelo contrário, é daquelas dolorosas, que não chega a provocar catarses, mas deixará qualquer um com o coração apertado e os olhos úmidos. Como o amor de um por vezes pode não se mostrar suficiente, assim como a simples vontade do outro em mudar pode não ser bastante, será no apoio – e na confiança, e no sentimento – estabelecido entre os dois em que irá residir a chave de toda e qualquer transformação. Timothée e Carell formam uma dupla afiada, e fazem deste drama um título de singular alcance. Afinal, mais do que nos esforços de um menino que se perdeu tentando voltar à casa, estará no adulto que precisa descobrir até onde pode ir sem avançar sobre os limites daquele ao seu lado o verdadeiro diferencial de uma obra singela, dona de um valor único. Palco para dois talentos que não podem ser ignorados, é também um caso sintomático de como menos pode, quando bem dosado, resultar em mais. Pois não basta apenas saber empurrar: é preciso, também, estar pronto para receber. E é este pequeno detalhe que pode fazer a diferença. Tanto para um, quanto para o outro.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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