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Sinopse

Trinta anos depois de servirem juntos durante a Guerra do Vietnã, Doc e seus colegas veteranos têm uma nova missão: enterrar o filho de Doc, um fuzileiro da marinha americana morto na Guerra do Iraque. Doc decide abandonar o enterro no Cemitério de Arlington, no Texas, e, com a ajuda de seus velhos amigos, conduz o caixão em uma viagem reflexiva até sua casa na Costa Leste, no subúrbio de New Hampshire.

Crítica

O próprio cineasta Richard Linklater anunciou que A Melhor Escolha é uma espécie de “continuação espiritual” de A Última Missão (1973), um dos grandes clássicos da chamada Nova Hollywood, dirigido por Hal Ashby. Contudo, embora, como no filme setentista, tenhamos aqui três personagens, claramente alusivos aos interpretados no passado por Jack Nicholson, Randy Quaid e Otis Young, eles não são os mesmos, possuindo nomes, patentes e até histórias diferentes. A crítica mordaz às forças armadas e, mais fortemente, ao governo e às suas guerras arbitrárias, é o que verdadeiramente liga os dois exemplares. Larry “Doc” Shepard (Steve Carell) decide procurar dois companheiros da época dos fuzileiros navais para auxiliá-lo na dura tarefa de sepultar o filho recém-regresso no Iraque num caixão, com pompas de herói. Ele encontra Sal Nealon (Bryan Cranston) como um carismático dono de bar e Richard Mueller (Laurence Fishburne) tornado reverendo, ou seja, completamente mudado.

A grande figura de A Melhor Escolha é realmente o personagem de Cranston – ator que obviamente homenageia o colega Nicholson, interpretando um sujeito equivalente ao outrora concebido por ele. Sal é quem puxa de memória as grandes histórias do passado, as boas e as ruins, se encarregando de garantir a prevalência dos fatos, doa a quem doer. É, inclusive, em meio a um de seus arroubos de sinceridade e valentia que Doc descobre a verdade acerca da morte de seu garoto, bem diferente da versão contada pela marinha dos Estados Unidos. O cineasta privilegia sensações conflitantes nesse reencontro motivado pela tragédia. Há intimidade entre os três ex-oficiais, mas, por não serem totalmente positivas as memórias compartilhadas, paira no ar uma tensão perceptível. Logo o filme se assume, aliás, como A Última Missão, um road movie que coloca os personagens na estrada para eles terem tempo suficiente de passar a vida a limpo, preparando o terreno para as futuras ocorrências.

Linklater deixa para instantes bastante pontuais a expressão de uma visão crítica da política de intervenção norte-americana em outros países. Por vezes é frontal a constatação dos veteranos de uma realidade reincidente de utilização de jovens como meras peças num jogo geopolítico condicionado pelo dinheiro. A condição religiosa de Mueller oferece alguns bons instantes, especialmente aqueles em que Sal questiona a importância de uma divindade completamente alheia aos problemas e às misérias do mundo. A Melhor Escolha não consegue manter integralmente essa retroalimentação entre a nostalgia e a amargura, mas a sustenta consideravelmente. A insubordinação de Sal é um dos elementos mais importantes para deflagrar a necessidade de romper com determinados poderes instituídos. É exemplo disso a cena dele dizendo a Doc que não é mais preciso sujeitar-se às ordens dos portadores de patentes mais elevadas. Nessa dinâmica, Mueller é o fiel da balança e o contraponto de Sal.

A acidez do discurso de A Melhor Escolha surge ocasionalmente, alinhavando uma visão desiludida sobre os joguetes políticos intrínsecos aos governos das nações. O desempenho do elenco é excepcional, principalmente o de Cranston, impagável como o virtual líder desses de homens de meia idade que olham para trás com uma confusão de sensações, muitas delas contraditórias. A conversa sobre prostíbulos no Vietnã é um dos instantes luminares deste longa-metragem em que a alegria de reviver os bons e velhos tempos sobrepuja momentaneamente a melancolia de escoltar mais um caixão contendo “heróis” nacionais. Richard Linklater acerta na alternância de tons, o que confere organicidade aos bate-papos. A mirada ácida, inerente à situação motivadora, bem como à bagagem dos protagonistas, advém do testemunho dos sobreviventes de um sistema perverso, cujo privilégio é a lucratividade, não importando se for preciso transformar garotos(as) em escudos humanos e, depois, cadáveres.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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