Crítica
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Sinopse
Crítica
As narrativas hegemônicas (leia-se, aquelas que têm aspirações fundamentalmente comerciais) são repletas de gente a ser admirada/exaltada em algum momento. É mais simples torcer pelas jornadas positivas de personagens heroicos e/ou donos de fragilidades universais que os tornem simpáticos. É realmente mais fácil (e óbvio) se conectar com os papeis adoráveis ou, ao menos, os que sugiram uma possibilidade de redenção. Alguns espectadores ficam tão acostumados com pessoas admiráveis no cinema que qualquer protagonismo destoante gera desconforto. Como se “gostar do personagem” fosse fundamental à experiência cinematográfica. Pronto, Falei encara o desafio de acontecer em torno de um sujeito que pode ser definido como um covarde irritante que não mensura o mal resultante de sua hesitação quase patológica diante do mundo. Renato (Nicolas Prattes) é o introvertido assistente editorial de um jornal, alguém que não tem iniciativa fora dos pensamentos. Talvez para não explodir, ele transborda toda essa repressão interna em e-mails salvos nos rascunhos com as verdades que não consegue dizer pessoalmente a amigos, amores e afins. Das críticas profissionais à declaração à mulher amada, tudo está lá, vomitado em arquivos digitais que não deveriam chegar aos seus destinatários. No entanto, depois de beber além da conta, ele envia os mais de 300 e-mails para os seus destinos.
O filme dirigido por Michel Tikhomiroff pretende desenhar Renato como um homem vitimado pelas próprias limitações. Sem personalidade, ele não consegue revidar ou ao menos se impor quando alguém o desagrada. Até aí tudo bem. Quem nunca teve de engolir a seco poucas e boas vindas de pessoas próximas ou guardar a sete chaves aquela paixonite curtida à distância? No entanto, o protagonista é definido por suas atitudes, mais como um sujeito mimado que deseja amor incondicional do que como, realmente, um refém das suas questões profundas e mal resolvidas. O roteiro assinado por Fabio Danesi, Alexandre Soares Silva e Camila Raffanti utiliza o dispositivo do monólogo interior para o espectador se aproximar das motivações e dos entraves desse sujeito que se revela mais insuportável e inconsequente. Nem mesmo as visitas privilegiadas àquilo que Renato está pensando ou às estratégias que ele traça para lidar com os problemas o transformam num personagem interessante e carismático. Pronto, Falei! mira numa relação simbólica com as criaturas neuróticas de Woody Allen (cineasta que encheu a sua filmografia de tipos cuja covardia expunha a fragilidade humana) e acerta no retrato acrítico da geração de pessoas alérgicas às responsabilidades. Não ajuda muito a trama conter uma virada mirabolante (daquelas que pedem a nossa vista grossa) para estabelecer outro cenário negativo.
Renato recebe uma proposta indecorosa, mas com ares e ajuda providencial, do amigo Edgar (Rômulo Arantes Neto). Os dois criam uma lorota de que os e-mails desaforados foram enviados por Edgar e, como contrapartida, Renato escreverá as suas colunas no jornal. Como Edgar tem mais inteligência emocional e traquejo social, consegue contornar as tensões e gerar admiração dos colegas e da amada de Renato, Daniela (Duda Santos). Primeiro, é preciso exercitar a descrença para “comprar” que tudo ficaria bem com um simples “fui em quem mandou os e-mails”. Segundo, a história passa por cima dos demais transtornos que podem ter sido causados pelo “sincericídio” de Renato, pois se concentra em meia dúzia de destinatários, transformando os mais de 300 recados numa hipérbole sem função. A mensagem é muito clara: por dolorosa que seja a verdade, ela é sempre menos nociva do que a mentira. Pronto, Falei! cria um percurso esquemático para garantir que, no fim das contas, a moral da história prevaleça sobre todos os poréns e senões. Em meio a isso, Renato segue sendo um personagem desinteressante que barganha conosco por meio das mesmas chantagens emocionais utilizadas para construir a aura de vítima. Tanto que a melhor cena do filme é a chacoalhada do amigo de saco cheio com as imaturidades de Renato. Nem a dinâmica à lá Cyrano de Bergerac, com a dama se apaixonando pelas palavras do sensível escritor escondido sob a sombra do bonitão, é muito convincente.
Pronto, Falei! não explora as fraquezas humanas de Renato, preferindo a isso compreender suas dificuldades como fruto de uma coleção de problemas (insignificantes perante a nocividade das mentiras contadas para acobertá-los). Por mais que ele reconheça fazer mal à noiva Janaína (Kéfera Buchmann), tudo se concentra em como as confusões afetam o protagonista, nunca evoluindo para compreender de que modo aquilo tudo atinge coadjuvantes. Claro, estamos falando de uma comédia escapista com vocação para movimentos e máximas moralistas, com certos e errados bem definidos e áreas cinzentas minimizadas. Mesmo assim, Renato continua à mercê dos julgamentos do espectador. Nem um babaca a partir do qual o entorno seria mais bem iluminado, tampouco um coitadinho refém das próprias dificuldades. Ele é daquele tipo de personagem que parece despertar repentinamente de um sono letárgico em que se permitia ser egoísta e exercer a inclinação ao narcisismo. Enquanto o roteiro encaixa a fórceps lições e outros elementos comuns nesse tipo de história, o protagonista não se torna menos desinteressante – a despeito dos esforços de Nicolas Prattes para evitar o retrato insosso. Sabe aquela coisa de que um pedido de desculpas apara arestas e devolve ao mundo o seu equilíbrio? É bem por aí.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 3 |
Robledo Milani | 5 |
Ailton Monteiro | 6 |
Alex Gonçalves | 3 |
MÉDIA | 4.3 |
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