Sinopse
Crítica
Os filmes inspirados pela obra de Jane Austen podem ser acusados, de uma forma bastante reducionista, de limitarem suas tramas aos imbróglios aprontados por mocinhas solteiras em busca de um bom partido que as leve ao altar. Há muito mais do que isso, é claro, desde comentários sobre os costumes e a sociedade da época, como também provocar uma reflexão sobre o papel da mulher nesse tipo de organização. Persuasão, primeiro longa de ficção da realizadora inglesa Carrie Cracknell, reconhece esse relevo, ainda que opte conscientemente em se focar nas frivolidades entre os personagens, as não tão improváveis reviravoltas ocorridas ao longo de poucos dias e nos pormenores que levam a um desfecho nem um pouco insuspeito. É essa honestidade, tornada evidente pela abordagem escolhida, que faz do projeto, se não descartável, atraente o suficiente para justificar uma investigada, por mais que seus elementos em separado terminem por soar mais interessantes do que o todo.
Acostumada a trabalhar no teatro – com passagens bem-sucedidas tanto pela Broadway nova-iorquina (sua peça mais recente, Sea Wall/A Life, recebeu quatro indicações ao Tony) como pelo National Theatre londrino – e no registro de muitos destes textos em telefilmes, Cracknell se apropria agora do último romance escrito em vida por Austen, e ainda que este tenha sido publicado postumamente, guarda fortes semelhanças com outros escritos da autora, como Northanger Abbey (editado em conjunto) e Emma (lançado três anos antes). Assim como em Orgulho e Preconceito (1813), a protagonista de Persuasão também vem de uma família que já foi abastada, mas agora deposita nas possibilidades de casamento das filhas uma eventual segurança futura. É justamente por isso que a trama abre com Anne (Dakota Johnson, mais leve e solta do que acostumou ser vista em cena) lamentando ter deixado passar a oportunidade de ter consigo “o homem da sua vida”, oito anos atrás, por não ser ele alguém de posses.
Pois bem, quando a ação, enfim, tem início, Anne revela – através do uso da quebra da quarta parede, se dirigindo diretamente à audiência, recurso empregado com parcimônia e que serve para gerar uma sensação de confiança e intimidade entre personagem e espectador – que o pai, por mais que tenha sido correto por toda a sua vida, possui dois grandes defeitos: uma vaidade exagerada e uma indisfarçável inabilidade para finanças. Assim, a casa onde moram precisará ser negociada para quitar dívidas, enquanto se mudam para uma região menos nobre, porém mais em conta: o vilarejo de Bath. Anne, no entanto, é deixada para trás com a missão de cuidar da irmã mais nova – a única da família já casada – que se encontra indisposta. Ao receber os novos proprietários, descobre que esses são parentes de Frederick Wentworth (Cosmo Jarvis, de Lady Macbeth, 2016) – ninguém menos do que sua antiga paixão. E com uma (grande) diferença: agora atente por capitão e atua como um importante membro da marinha, digno não apenas de um dote de respeito, mas também de um título bastante cobiçado.
Há algumas incongruências no roteiro escrito em parceria por Ron Bass (vencedor do Oscar por Rain Man, 1988) e pela novata Alice Victoria Winslow. A primeira, e com maior potencial de distração, é a insistência dos demais em tratar Anne como se ela fosse não apenas uma coitada, mas quase digna de pena, uma solteirona encalhada cuja estética não deveria atrair nem um ancião em seus últimos dias. Só que esses destratos e descasos são dirigidos à Dakota Johnson, a mesma atriz responsável por elevar as temperaturas na saga Cinquenta Tons e em filmes como Maus Momentos no Hotel Royale (2018) e Um Mergulho no Passado (2015), por exemplo. Da mesma forma, mas por motivos inversos, é difícil de engolir o desajeitado Jarvis como galã, seja pela aparência descuidada, como pelo porte abrutalhado, que nem de longe projeta o encanto e delicadeza idealizado por sua amada. A comparação se torna ainda mais complicada após a entrada em cena de Henry Golding, cuja presença serve apenas para provocar ciúmes no mocinho. O sorriso aberto e o porte atlético da estrela de Podres de Ricos (2018) transborda carisma, deixando qualquer competição sem muitas chances. A não ser que os desenlaces se vejam obrigados a se encaixar em um molde pré-estabelecido, revelando descompasso entre intérpretes e os tipos que deveriam defender.
Anne foi persuadida por sua família a abandonar seu amor, e agora tem um nova chance de reavê-lo, não por uma tomada de consciência ou por qualquer espírito rebelde, mas pelo simples fato de uma conjuntura do destino – e de um esforço particular do rapaz, que progrediu o suficiente para poder se reapresentar à altura das expectativas dela. Se os dois acabam se desencontrando, se envolvendo rapidamente com outros pretendentes e provocando rápidas frustrações, isso se dá mais pela exigência da trama durar além de um curta-metragem do que por uma necessidade narrativa. É fato, como logo se percebe, que tudo seria facilmente resolvido caso um apenas se abrisse ao outro, pela sinceridade mútua, sem tantas dissimulações e incertezas. Mas, se assim fosse, não seria Jane Austen. Persuasão pode não estar no mesmo nível das demais criações da autora, mas possui ligações com as diretrizes e vieses que lhes foram caros, semelhanças essas que se mantém vivas nessa adaptação. Talvez não na melhor forma, mas ainda assim com um nítido parentesco.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 6 |
Francisco Carbone | 8 |
Daniel Oliveira | 5 |
Lorenna Montenegro | 2 |
MÉDIA | 5.3 |
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