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Sinopse

Década de 1960. Seis desconhecidos se encontram no El Royale, um hotel que já viveu dias melhores. Cada um deles tem um segredo a ser revelado e precisa encontrar redenção durante a noite… antes que tudo vá para o inferno.

Crítica

A história por trás dos bastidores de Maus Momentos no Hotel Royale talvez seja muito mais interessante do que aquela vista em cena. Isto porque o filme, o segundo dirigido por Drew Goddard (O Segredo da Cabana, 2011), roteirista indicado ao Oscar por Perdido em Marte (2015), foi objeto de disputa entre muitos estúdios, os executivos interessados só tinham acesso ao roteiro na presença do cineasta, todas as versões do texto foram impressas em papel especial para impedir reproduções não autorizadas, e o projeto despertou o interesse de um sem número de grandes astros de Hollywood. Tudo apontava, como se percebe, para um sucesso sem precedentes. Ledo engano. O que se vê na tela, agora, é um amontoado de boas ideias que até começam razoavelmente de forma interessante, mas vão se esvaziando progressivamente, até resultar em um conjunto fraco e sem força, que não alcança nem a metade das expectativas levantadas.

A primeira cena já desperta curiosidade: com a câmera parada, fixa num mesmo ponto, o espectador é convidado a observar, de uma posição externa, um homem que, dentro de um quarto de hotel, empreende a delicada operação de retirar todos os moveis e o carpete do ambiente, esconder um malote num piso falso, e em seguida recolocar tudo no lugar. Quando o esconderijo está finalizado, a campainha toca. Ele reage com tensão, mas ao observar pelo olho mágico, relaxa – provavelmente, porque conhece a pessoa que está no corredor. Porém, assim que abre a porta, sem cuidado nem preparo, é baleado nas costas por aquele que imaginava ser seu amigo. E isso é tudo. Dez anos se passam, e quando o filme, de fato, começa, uma série de pessoas estranhas – e aparentemente aleatórias – chegam ao tal Hotel Royale do título: uma cantora soul, um padre, um vendedor de eletrodomésticos, uma garota em apuros. É quase como uma piada de mau gosto. Mas a situação ainda tem muito para piorar.

Elementos quase gratuitos, que em pouco – ou nada – contribuem para o desenrolar da trama, começam a se acumular. Um deles, e mais chamativo, é o fato do Hotel Royale se situar exatamente na divisa entre os estados da Califórnia e Nevada – tanto é que há uma linha separando as duas regiões geográficas, apontando para curiosidades, do tipo, “à direita a bebida alcóolica é liberada, à esquerda não”, e coisas assim. É frustrante, no entanto, perceber que essas curiosidades possuem relevância quase zero diante da história que vai sendo construída. Outras presenças, como a do cineasta canadense Xavier Dolan – um frenesi do cinema francês, multipremiado em Cannes, mas ainda neófito nos Estados Unidos – servem apenas para distrair a audiência mais atenta ao invés de agregar alguma informação de valor. Assim como ele não chega a dizer a que veio, muito mais parece estar colocado fora do seu devido lugar.

Logo ficará claro que ninguém ali reunido é quem diz ser. O padre nada tem de religioso, o vendedor possui outra profissão, e assim por diante. Há quem esteja atrás da mala de dinheiro desaparecida uma década antes, mas há também muitos outros interesses envolvidos. Por quê se disfarçar de religioso, se tal composição em nada contribui com seus objetivos? Qual a função de Cynthia Erivo interpretar uma cantora, se não dar vazão à incrível voz da atriz? E o pior: qual o motivo de se esperar mais de uma hora para introduzir o personagem de Chris Hemsworth se, quando ele finalmente aparece, a câmera parece estar mais interessada em observá-lo voyeristicamente – com longos e demorados planos pelo corpo atlético do eterno Thor – e menos preocupada em construir uma personalidade sólida para essa figura que, supostamente, deveria representar tanto, mas acaba por se contentar com tão pouco?

Entre um Jeff Bridges acomodado – simplesmente não há oportunidades para o ator explorar seus fantasmas – e uma Dakota Johnson resignada – ela é apenas estilo, e nunca uma presença digna de atenção – quem acaba por atrair olhares mais curiosos é Lewis Pullman (em papel recusado por Tom Holland), que com o pouco que lhe é oferecido consegue fazer do recepcionista do estabelecimento aquele não apenas com mais segredos, mas também o único com plena ciência do perigo e da dimensão do que está em jogo naquele lugar. Maus Momentos no Hotel Royale tinha tudo para ser ao menos uma diversão passageira competente, mais ou menos na linha dos romances inspirados em Agatha Christie, mas ao invés de se contentar em fazer bem feito o que se propõe, começa a atirar para outras direções menos auspiciosas, e com isso tudo o que alcança são becos sem saída e oportunidades desperdiçadas. Um belo exemplo de quando menos poderia ter significado muito mais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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