Crítica


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Sinopse

Após anos de incontáveis assaltos que beiraram a perfeição, uma gangue de infames arrombadores é finalmente capturada. Mas, eles negociam um acordo para deixar a cadeia. A promessa de todos é: virarem caras legais.

Crítica

Não basta ser bom: muitas vezes, é preciso ser o melhor. Em sentido contrário, mas seguindo a mesma lógica, de nada adianta ser ruim, se não for o pior de todos. Ao menos essa é a lógica por trás de Os Caras Malvados, animação voltada para o público infantil – ou, no máximo, adolescente – que transita por um caminho curioso, se não limite entre o aceitável e o perigoso. Afinal, os realizadores escolheram como protagonistas cinco vilões, não figuras contraventoras que foram levadas a essa caminho pela falta de opções, mas que se orgulham do que são, e assim executam suas missões de roubos e assaltos com todo o estilo que acreditam lhes ser por direito. A proposta, transgressora por princípio, poderia se mostrar interessante se corajosa ao perseguir um viés longe do convencional. Mas, se assim fosse, a audiência almejada conseguiria se reconhecer na narrativa a se desenvolver em cena? Difícil responder, pois tão arriscada quanto a ideia em si. Desse modo, o que se vê é um início instigante, mas que logo vai se acomodando até ir (muito) pouco além de uma ousadia controlada.

Os anti-heróis do título são vividos por aqueles tipos clássicos acostumados a levarem a culpa em tudo que é história infanto-juvenil. Se não, vejamos: Lobo, Cobra, Tarântula, Tubarão e Piranha, dublados no original por um time de peso: Sam Rockwell, Marc Maron (Glow, 2017-2019), Awkwafina, Craig Robinson (É O Fim, 2013) e Anthony Ramos. Os cinco são conhecidos pelos golpes mais espetaculares, e ao mesmo tempo em que deixam invariavelmente a chefe da polícia Misty (Alex Borstein) perdida na poeira de suas fugas mirabolantes, também conseguem ser provocadores o suficiente para se tornarem os principais “procurados” da cidade após a posse da nova prefeita, Diane (Zazie Beetz). Só que, no meio de tantas artimanhas e exibições – afinal, se por um lado seriam mais efetivos se discretos em suas ações, por outro fica claro que não estão em busca apenas dos objetos roubados, mas também do reconhecimento que cada novo plano bem-executado lhes rende, tanto junto ao público, como na mídia – algo os fará se distrair do intento inicial. E, com isso, a chance de que tudo seja colocado a perder irá se tornar cada vez maior.

Quem fará ameaça ao super-time de ladrões será o diminuto Professor Marmalade (Richard Ayoade, de Vizinhos Imediatos de Terceiro Grau, 2012), que acaba de ser eleito “o maior benfeitor” da cidade. Quando a cerimônia de entrega do troféu se torna uma grande caça que termina com os cinco contraventores encarcerados, o bonzinho de plantão lança o desafio, afirmando publicamente ser capaz de torná-los tão comportados quanto ele próprio. A situação é absurda, mas como se trata de um mundo de faz-de-conta, é melhor deixar a lógica de lado em algumas dessas passagens e embarcar na brincadeira. Assim, ao invés de irem para a cadeia, os prisioneiros são enviados para a mansão do novo ‘herói’, que irá submetê-los a uma série de lições de ‘bons modos e educação’. É quase como um Minha Bela Dama (1964) para crianças, sendo que a mensagem de transformação se faz presente de forma explícita, sem zonas neutras, para que ninguém se faça de desentendido.

Dessa forma, o que o filme tenta propor é que errado não é aquele do lado de lá da lei, mas o que esconde suas reais intenções através de mentiras e dissimulações. Bandidos continuarão sendo o que sempre foram, e isso até não é vendido como um grande problema, uma vez que, no fundo, para melhorar basta revelar uma “alma boa” dentro de si. É a tal questão de que “lhes faltava a oportunidade certa”, apenas. Porém, Os Caras Malvados é composto por uma estrutura clássica, em três atos e com reviravoltas marcadas. E se aqueles que gritavam aos sete ventos serem os piores do pedaço, rapidamente se percebe que não eram tão maus assim, não seria o oposto também válido? O que esperar de quem fez fama e fortuna em cima de uma suposta bondade inabalável? Diante de uma soma na qual dois mais dois são quatro, não é difícil adivinhar quem, de fato, tem algo a esconder e quem, no último momento, bastará fazer as pazes consigo e com os demais para trilhar ‘o bom caminho’, mostrando-se tão obediente quanto qualquer outro em cena. Por mais que figuras como a Cobra ou a Piranha tivessem potencial para esticar um pouco esses parâmetros, é bom não criar expectativas nessa direção.

Baseado nos livros de Aaron Blabey, Os Caras Malvados tem na direção Pierre Perifel, animador que esteve nas equipes de sucessos como a trilogia Kung Fu Panda. Se nesse bem-sucedido projeto era o inusitado que ditava o percurso a ser percorrido, nessa sua primeira incursão autoral ele até tenta emular esse conceito, mas rapidamente se rende ao convencional e esperado, e tudo o que consegue no meio do caminho é assumir riscos que não chegam a ser elucidados de modo satisfatório – há uma outra vilã, de identidade secreta, cuja desculpa para ser perdoada é um simples e alegado arrependimento, como se não houvessem consequências relativas aos seus feitos anteriores que precisariam ser sanadas. Desse modo, eis aqui um filme que se mostra válido mais pelos personagens que introduz e suas características particulares, do que pelo conjunto revelado, tímido diante de um potencial que nunca chega a ser explorado na medida que, talvez, merecesse.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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CríticoNota
Robledo Milani
5
Alysson Oliveira
6
MÉDIA
5.5

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